Melões que custam uma moto: a obsessão dos japoneses por frutas 'de luxo'
Se você mora no Japão, as ocasiões especiais — a visita de um familiar distante, a celebração de uma data importante, ou até a chegada do verão — podem ser a desculpa perfeita para ganhar um dos presentes que os japoneses mais prezam.
Não se trata de joias ou de uma bolsa de couro de grife — embora esta prenda excepcional também possa custar fácil algumas centenas de dólares.
Ao invés de algo mais óbvio, são grandes as chances de abrir a caixa e encontrar ali um punhado de uvas ou o mais perfeito melão de casca de carvalho que alguém já viu.
Isso mesmo: na hora de dar um presente para um amigo ou anfitrião, a fruta é uma boa aposta, pois muitas vezes é consumida no lugar da sobremesa e pode ser apreciada por todos da família, desde crianças pequenas até avós.
As pessoas oferecem frutas de presente para expressar gratidão, como aos seus chefes. As empresas costumam enviá-las a clientes e parceiros de negócios, como uma forma de apreciação pela parceria e confiança.
No budismo é no xintoísmo, as frutas são algumas das oferendas mais comuns em rituais. É comum também ver as frutas como uma oferenda ao butsudan (altares budistas ornamentados em homenagem aos ancestrais).
Já há séculos, os samurais traziam frutas aos shogun (líderes militares) no século 14 para mostrar apreço e devoção pelos seus líderes.
A etiqueta de presentear frutas também é um reflexo da profunda reverência do Japão pela espiritualidade. Por isso, há tantas frutas como oferenda nos butsudan.
Mas além da tradição, algo importante na cultura nipônica, a fruta é um presente adequado devido à sua sazonalidade. Ela permite que as pessoas experimentem as cores, cheiros e sabores da estação.
Elas ainda são um verdadeiro item de luxo, não como os vegetais, que consumimos todos os dias para cozinhar. As frutas entram em uma categoria de puro hedonismo: "eu me permito comer uma fruta porque tenho desejo".
Essa cultura revolucionou a forma que melões, morangos, uvas e até maçãs são produzidos e comercializados por todo o Japão.
Tudo começa ainda no campo: os produtores priorizam a qualidade em detrimento da quantidade, e a maior parte do trabalho é feito manualmente para garantir que a fruta atenda aos mais altos padrões de aparência e sabor.
A seleção vai de sementes perfeitas — com estudos e melhorias contínuas em parceria com os melhores centros de estudos de agricultura do país — até as mudas.
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Quero receberSó as que crescem lindamente são mantidas: todas as mudas que não parecem vingar bem são arrancadas e descartadas sem dó logo as primeiras flores aparecem.
Quando os frutos começam a nascer ainda em botões, todo o cuidado é pouco: os produtores ficam de olho nos melhores para podar os outros.
Nas plantações de melão, por exemplo, isso significa que muitos são desprezados, para garantir que todos os nutrientes possam ser concentrados em um único melão doce e suculento.
Dos caules ajudados para suportar o peso das cordas às coberturas de plástico que mais parecem mini guardas-sol (para evitar exposição solar), eles são tratados como bebês em uma maternidade neonatal.
A partir daí, o transporte é feito em cadeias refrigeradas para chegar às lojas que mais parecem butiques de luxo ou joalherias que uma mercearia de hortifruti.
Os funcionários devidamente uniformizados e educadamente atenciosos vestem máscaras para proteger as frutas de qualquer tipo de contaminação — uma obsessão japonesa — e conduzem os clientes até as cadeiras e agacham-se ao lado deles para anotar seus pedidos.
Em algumas há enormes prateleiras de vidro onde ficam expostas. Em outras, parecem embrulhados para presente, já envoltos em papéis de seda para serem comprados e levados — depois, há ainda caixas e embalagens.
Lojas como a Senbikiya são como uma Tiffany hortifrutigranjeira: iluminação de bom gosto e vitrines polidas dão o ar de joia que essas frutas representam.
Não é para menos: maçãs vermelhas cor de batom e do tamanho da cabeça de uma criança, sem qualquer tipo de mancha, custam US$ 25 (duas unidades)
Os morangos Senbikiya Queen vêm em caixas de doze frutas perfeitamente combinadas por mais de US$ 80 (cerca de R$ 400). Mas os mais valorizados são os melões.
Com talos verdes em forma de T e um dulçor impossível de conseguir em uma fruta assim fora do Japão, eles podem chegar a mais de US$ 400 por caixa (quase R$ 2 mil) — que costuma trazer três deles.
Os Sembikiya têm polpa verde clara e provêm da província de Shizuoka — quem provou diz que ele é tão suculento que há uma sensação que ele desfaz na boca entre dulçor e acidez.
Seu primo Yubari King vêm de Yubari, na província de Hokkaido, norte do Japão, e têm a polpa alaranjada, apesar da casca verde e rugosa.
Em 2016, dois melões colhidos na cidade, no norte do país, foram vendidos em um leilão por US$ 27 mil (R$ 84,2 mil).
Cultivados em estufas, seus produtores chegam a adicionar cinzas vulcânicas ao solo para darem mais minerais que vão inferir no crescimento e, claro, em seu particular sabor.
Para ficarem quentinhos nesses espaços, é preciso gastar quantidades absurdas de combustível e de energia em aquecimento para que as frutas não estranhem o frio.
A questão é que, para produzir frutas neste nível, só 3% do mercado é para eles. O resto não depende de tanta mão de obra assim.
Ainda que, mesmo longe das "lojas de grife", é possível encontrar bons (e caros) exemplares de frutas até mesmo nos famosos halls de comida nas populares departamento (depachika).
É ali que os japoneses fazem compras do dia a dia para alimentação e ter ali à disposição uns bons melões, umas ótimas mangas e alguns alvos morangos sempre dá jeito.
Consumirão igualmente algumas boas dezenas de dólares — mas farão qualquer presenteado muito feliz.
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