Rafael Tonon

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Sopa na Mona Lisa, 'ovada' em políticos: como comida vira meio de protesto?

A mais nova vítima foi uma senhora de 521 anos. Duas ativistas climáticas entraram no Museu do Louvre, em Paris, e atiraram sopa no seu rosto. Mas alheia ao protesto, ela continuou imóvel em seu sorriso misterioso.

A senhora, no caso, é Mona Lisa, a mais famosa obra de Leonardo Da Vinci, e as ativistas, ao jogarem a sopa no vidro blindado que protege sua cara, pediam por um sistema alimentar mais sustentável fazendo coro com piquetes de agricultores que tomaram a França nos últimos dias.

"Qual é a coisa mais importante?", eles gritaram. E acrescentaram:

Arte ou direito a uma alimentação saudável e sustentável? Nosso sistema agrícola está doente. Nossos agricultores estão morrendo

Não demorou para os seguranças do museu mais frequentado do mundo tirassem as duas mulheres e cobrissem a pintura com um painel preto, evacuando a sala onde fica a obra.

A sopa (ao que tudo parece) de vegetais não foi a primeira receita nem será o último ingrediente a ser atirado na cara ou na cabeça de alguém como forma de protesto. Políticos que o digam: são os principais alvos de manifestações que envolvem comida.

Há muito tempo que os alimentos têm sido um símbolo poderoso de protesto. Em muitos casos, carregam um sentido de rejeição moral, com alimentos moles e pegajosos geralmente atirados contra figuras públicas.

Muitas vezes encharcando ou manchando a pessoa em questão, o objetivo de jogar comida não é machucá-la, mas sim humilhá-la. Expor sua imagem a uma situação de vergonha diante dos outros.

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João Doria limpa a testa depois de ser atingido por um ovo jogado por manifestantes na Bahia, em 2017
João Doria limpa a testa depois de ser atingido por um ovo jogado por manifestantes na Bahia, em 2017 Imagem: Mila Cordeiro ? Ag. A TARDE

Historicamente, aliás, ovos e tomates, por exemplo, sempre tiveram esse papel. Em 1910, Winston Churchill recebeu uma ovada na cabeça quando ainda era secretário do Interior do governo inglês.

Em 1960, o então vice-presidente dos EUA, Richard Nixon, foi atacado com ovos e tomates enquanto fazia uma campanha aberta em Chicago. Bombas de farinha, caldos, alimentos gosmentos.

Mais recentemente, ambientalistas do clima preferem atuar em espaços públicos, atirando comida principalmente a obras de arte ou até em vitrines de lojas famosas, entre elas grandes grifes mundiais.

É um jeito de chamar atenção contra as mudanças climáticas, emissões de gases ou até a pecuária intensiva. Entre as vítimas, além da Mona Lisa, os famosos Girassóis, de Vincent Van Gogh, já levaram uma camada de sopa de tomate.

Em 2022, ativistas jogaram sopa de tomate no famoso quadro "Girassois", de Van Gogh, em Londres
Em 2022, ativistas jogaram sopa de tomate no famoso quadro "Girassois", de Van Gogh, em Londres Imagem: Anadolu Agency via Getty Images
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Manifestantes afiliados ao grupo alemão Letzte Generation (Última Geração) já jogaram purê de batatas no Grainstacks de Claude Monet, no Museu Barberini, enquanto membros do Just Stop Oil pintaram a fachada da famosa loja de departamentos Harrods.

O grupo publicou em mensagens que o uso de sopa chama a atenção para a crise do custo de vida, já que é um alimento que representa um recurso comum nos bancos alimentares, que se multiplicam por todo o mundo.

Muitos grupos similares enquadram os seus esforços como campanhas de desobediência civil não violenta, feitas para chamar a atenção das pessoas para a crise climática. São protestos mais pacíficos, mas que geram imensa repercussão nas redes, claro.

A comida, nesse caso, tem um aspecto simbólico de falar de evocar valores de igualdade, intimidade ou solidariedade ou apenas servir para sustentar relações caracterizadas por hierarquia — onde os ricos (sejam reinos ou grandes empresas) têm soberania sobre a vida dos mais pobres.

"A comida atirada em obras de arte famosas por ativistas climáticos pode, de certa forma, ser vista como um meio de inclusão", defende Evan Smith, professor de história na Universidade de Flinders, e continua:

Ela pode ser interpretada como um ato de partilha — e partilhar alimentos é uma das formas mais básicas de criação de uma comunidade e de uma identidade partilhada"

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A comida é usada pelos ativistas como um símbolo daquilo que separa os poderosos dos impotentes, ou certos grupos do resto da sociedade. Com o alimento, eles querem se diferenciar da sociedade vigente — a capitalista, a que polui.

Mas os alimentos jogados sobre cabeças e superfícies também desafiam a racionalidade e criam uma resposta imediata de desperdício nas nossas cabeças, porque é algo que todo mundo identifica.

Especialmente em um mundo capitalista, em que a comida também é dinheiro, recurso. Aqui, não se trata de fotos bonitas no Instagram com pratos esteticamente bem feitos.

A comida arremessada, desperdiçada, pingando tem um papel distinto do contexto que o alimento costuma ter na vida da maioria de nós, que podemos pagar por eles. Aqui ela é desperdício, lixo, nojo.

Por isso, segue tendo uma representação forte como valor simbólico em uma sociedade que jazerá se distanciou deles. Mas que os ativistas não nos querem deixar esquecer.

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