Tem frutos do mar na sobremesa: que tal sorvete de ostra ou bolo com peixe?
Chega à mesa uma ostra perfeita, que repousa sobre um montinho de gelo triturado. Tira-se a "conha" e, por dentro, há pedaços quadrados de marmelo doce com aceto balsâmico envelhecido.
"Pode comer tudo!", diz a atendente que traz o prato. "Até a concha?", pergunto, curioso. Ela sorri e assente com a cabeça. Eu mordo e tudo derrete na minha boca.
Estamos no Noma, o restaurante dinamarquês que foi eleito o melhor do mundo por 5 vezes. O menu da estação é todo baseado no mar e a ostra, no caso, é um sorvete de bitters feito na forma do bivalve.
Congelado em moldes de ostras de silicone, é por fim decorado com 18 tintas comestíveis, feitas a partir de coisas como plâncton e carvão, e é finalizado com vinagre de ostra: é doce na medida, e tem um certo gosto de mar.
Não é, aliás, a única sobremesa do cardápio feita com ingredientes marítimos. Tampouco é o único restaurante do mundo a apostar em peixes e mariscos, algas e crustáceos, para servir na última parte do jantar.
Nos últimos tempos, se tornou curiosamente comum chefs verem no mar mais do que potencial para entradas e pratos principais: de Singapura a Berlim, de Santiago (no Chile) ao Porto, as sobremesas já têm gosto de maresia.
E não se trata só do caviar, as ovas do esturjão que, de repente, se popularizaram pelo planeta (de chicken wings a versões libidinosas de sorvetes e mousses de chocolate coroados com as pequenas esferas negras e salgadas).
No Bogagó, em Santiago, o chef Rodolfo Guzmán faz uma cozinha endêmica que pesquisa produtos nativos do Chile para usar em suas receitas — incluindo aquelas doces.
Em seu menu atual, serve também um sorvete que é feito à base de piure, um marisco local muito parecido com o ouriço do mar, que acompanha ainda algas caramelizadas, maçã e uma geléia do próprio piure, tudo servido na concha do animal.
Peixes doces
Os peixes também encontraram caminho nas sobremesas dos restaurantes: no Porto, o Culto ao Bacalhau é, como o nome sinaliza, uma homenagem ao peixe famoso da cozinha portuguesa.
Aqui, o chef Rui Martins criou um mil folhas que, ao invés de massa folhada, leva camadas crocantes de caldo de bacalhau desidratado e transformado em "folhas" intercaladas com creme de ovos moles, depois servido com sorvete de baunilha.
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Quero receberÉ uma combinação interessante entre o doce do creme de gemas e o salgado do peixe, que passa por 24 meses de cura em sal para atingir o sabor e a textura ideal.
Sobremesas "do mar" não são, de fato, uma novidade, mas se tornaram mais comuns à medida que os estudos sobre técnicas distintas têm evoluído — e que os cozinheiros começam a enxergar melhor o potencial do que está nas águas salgadas.
Bolo com escamas
O "açougueiro do mar" Josh Niland, um jovem chef australiano que se especializou em usar todas as partes do peixe, de pele a órgãos internos, já fez diversas sobremesas com colágeno e outras estruturas desses animais.
Em seus livros que venderam milhares de cópias pelo mundo todo, ele ensina algumas receitas doces. Mas foi em uma participação no Masterchef australiano em 2021 que ele deixou muita gente boquiaberta.
Niland demonstrou como fazer um Lamington australiano, uma conhecida sobremesa australiana de bolo esponjoso coberta de chocolate e polvilhada com coco, substituindo o coco ralado por escamas de bacalhau.
Sorvete luminescente de lula
Um dos pioneiros nessa relação integral dos peixes e mariscos é o chef espanhol Ángel León, que comanda o Aponiente na região de Cádiz, em Andaluzia, onde a relação com o mar é parte da identidade local.
Conhecido como "Chef do Mar", ele está interessado em usar peixes em sua totalidade (para reduzir o desperdício e testar novas possibilidades) e, junto com seus confeiteiros, criou um floresta negra que leva colágeno do peixe (tirado da cara e dos olhos) na estrutura do ganache de chocolate.
Também no menu recente entraram outros ingredientes, como a pele dos peixes e até os olhos, que se transformam em uma pipoca que ele usa para dar textura a algumas sobremesas.
Ou então as aparas de lula que iriam para o lixo, mas se transformam em uma massa para fazer um tipo de croissant doce, recheado com um creme de manteiga.
As enzimas luminescentes do molusco também são reaproveitadas: vão parar em um sorvete de amêndoas feito com a proteína da lula que brilha no escuro.
Ao servir o prato, as luzes do restaurante eram apagadas para ver a sobremesa brilhar na boca dos clientes. Aparentemente, há ainda muito para reluzir dessas inesperadas combinações.
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