O que Gisele Bündchen e outros famosos podem ensinar (ou não) sobre comer?

Gisele Bündchen está no Brasil para o lançamento de "Nutrir: Receitas Simples para Corpo e Alma", a ser lançado na próxima semana no mercado nacional, mas que, no entanto, já figura como o mais vendido em pré-venda pela Amazon.

No livro, ela reúne 100 receitas, entre sopas e saladas (como uma que leva beterraba e rúcula com queijo de cabra) a doces lights — de barrinhas de noz-pecã a muffins de cenoura.

Com o intuito de convencer as pessoas em torno de uma dieta focada em vegetais, frutas, nozes e proteínas magras, ela também ensina a evitar no cotidiano o glúten, o açúcar, o álcool e a cafeína, tornando a vida mais "saborosa e factível", como ela diz no texto de apresentação.

Mais do que ensinar a cozinhar — e comer — Bündchen também compartilha relatos mais pessoais no livro, como a depressão e a ansiedade que enfrentou por anos e o alívio que encontrou através de mudanças na dieta e no estilo de vida.

Não é a primeira vez que a modelo se abre para o público: seu livro mais pessoal, "Aprendizados — Minha Caminhada para uma Vida com Mais Significado", lançado em 2018, propunha um balanço de memórias e, obviamente, aprendizados que ela teve com a carreira iniciada cedo e relacionamentos.

É uma espécie de abordagem franca que os livros gastronômicos permitem às celebridades — ao mesclar comida com vida pessoal, tudo pode ser mais leve, algumas vezes tão superficial como uma receita de tigela de açaí.

Foram muitos os que seguiram esse caminho: da atriz Gwyneth Paltrow ao músico Snoop Dogg, passando pelo sambista Diogo Nogueira e pelo Padre Marcelo Rossi — sim!.

O ator Stanley Tucci, conhecido por papéis em filmes como "O Diabo Veste Prada" e "Um Olhar do Paraíso" (para o qual foi indicado ao Oscar), voltou aos holofotes da fama desde que colocou no mercado o seu livro "Sabor".

A repercussão foi tamanha que ele virou figurinha assídua em programas de entrevistas na televisão norte-americana. "A comida tem esse enorme poder engajador", disse ele no programa do apresentador James Corden.

A gastronomia tem se tornado, nos últimos anos, uma forma para muitos famosos ampliarem suas imagens, associando-as a uma área diferente da que eles originalmente se destacaram — e que goza de franco interesse do público.

Muitos também pegaram carona na visibilidade que a gastronomia ganhou na atual cultura pop para "sair da geladeira" e aproveitar da visibilidade que pode gerar até novas oportunidades comerciais.

No mundo hiperconectado em que vivemos, quase que qualquer exposição é válida. Os livros ajudam a promover turnês internacionais, ganhar posts nas redes sociais

Ainda não tive a chance de testar a dieta proposta por Gisele Bündchen, mas a imprensa americana — onde o livro foi lançado antes — fez boas resenhas às receitas que ela reuniu no livro. O maior elogio é que elas, de fato, funcionam.

Parece óbvio, claro, mas a verdade é que muitas receitas de livros deste tipo não conseguem nem sequer te ajudar a ter uma salvação mínima para o jantar.

Mas tem algo que o livro de Gisele não consegue entregar, e que está implícito na sua própria ideia de publicação: a de que uma vida como a dela é possível, que se trata de uma "receita" que qualquer um poderia seguir.

Não pode: conselhos culinários de alguém com o mesmo tipo de dinheiro, tempo e assistência que ela (e outras celebridades) só são possíveis para pessoas que gozam do mesmo status social e econômico.

Para nós, as receitas de Gisele não vão nos dar o mesmo corpo, a mesma capacidade de enfrentar as "dificuldades da vida" nem sequer poderão — ao contrário do que prometem — nutrir nossa alma.