Pizza de 2.000 anos, tempero mais velho que Cristo: chefs voltam ao passado
A receita partiu de um afresco encontrado em Pompeia, a cidade que virou história, em um desenho de natureza morta que se assemelhava a um prato que conhecemos muito bem por todo mundo: uma pizza.
Ao que tudo indicava, não parecia haver tomate ou queijo, mas o formato não apresentou muitas dúvidas aos cientistas. A pintura que surgiu durante escavações na área Regio IX do parque arqueológico da cidade é uma prova de que os italianos já comiam pizza há mais de 2.000 anos.
A partir da interpretação dos ingredientes reproduzidos na obra, o chef pizzaiolo Gino Sorbillo elaborou uma receita que combina técnicas tradicionais de fabricação de pizza napolitana com ingredientes que se relacionam com a antiga era romana.
Incluindo vegetais folhosos, anchovas, nozes, raspas de limão, e azeitonas, ele criou a 'Pompeii Pizza', cujo objetivo é trazer de volta aos dias de hoje — com certa reinterpretação, é claro — os hábitos e a receita consumida pelas mais de 2.000 de pessoas que morreram com a erupção do Vesúvio.
Especialistas dizem que a massa representada no afresco era temperada com especiarias ou moretum, uma pasta de queijo com ervas amplamente consumida pelos antigos romanos.
Na antiga Pompeia já existiam formas de pão achatado, feito com grãos, água, sal e talvez cerveja que era usada como fermento. Os moradores a cobriam com vegetais, peixe e outros ingredientes para preparar o que poderia ser a versão antiga da pizza.
A presença dos frutos secos no quadro também serviram de inspiração para Sorbillo, que agora serve a receita em suas casas em Nápoles e também na Pizzeria La Locanda della Canonica, localizada no luxuoso Anantara Convento di Amalfi, na Costa Amalfitana.
Ele também usa na sua pizza um garum, um condimento popular na Roma Antiga feito de pequenos peixes eviscerados (como as anchovas) que fermentavam por muito tempo — às vezes até um ano! — em salmoura até se transformarem em um líquido espesso.
Trata-se de um ingrediente que ganhou popularidade na gastronomia de hoje, em tempos que cozinheiros e chefs recorrem há alguns séculos para resgatar receitas milenares.
No caso do garum, ele era consumido por todo o Mediterrâneo, quando era considerado uma iguaria para fenícios, gregos e principalmente para os romanos, que o utilizavam em tudo, como um ketchup da época.
Há 3 anos, um grupo de arqueólogos, nutricionistas, ictiólogos e, claro, cozinheiros se reuniram nas ruínas de Troia, em Portugal, para usar os tanques deixados pelos romanos na região para fazerem um garum como nos velhos tempos.
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Quero receberCom 400 quilos de sardinha, 150 quilos de sal marinho e 350 litros de água do mar, eles deixaram fermentar por meses até que tivessem o condimento quase igual feito pelos antigos romanos — mas no dia de hoje.
O lugar onde está hoje Tróia produzia toneladas do molho fedorento e ao mesmo tempo delicioso que moldava o paladar romano - e que enchia milhares de ânforas enviadas para Roma e outras províncias.
Usar locais históricos e evidências arqueológicas para trazer de volta à vida receitas antigas não é novidade. Dos pães aos vinhos, muito do que comemos remonta aos tempos longínquos.
Entre outros projetos, historiadores e arqueólogos já fizeram parceria com cervejeiros e chefs para recriar uma cerveja feita com fermento encontrado num jarro de 3.000 anos no sítio arqueológico palestino de Tell es-Safi.
Ou tentaram recriar um ensopado de cordeiro e beterraba que remonta aos tempos da Babilônia, preparado por cozinheiros com a instrução dos historiadores do Appetite for the Past, um simpósio que é organizado pelo Instituto para o Estudo do Mundo Antigo da Universidade de Nova York.
Eles reúnem evidências moleculares, análises arqueológicas e algum instinto culinário para reproduzir receitas do passado, como um creme de leite de amêndoa medieval ou um mochi com sabor de mel inspirado em um livro de receitas que data da dinastia Song da China.
Os pesquisadores buscam, mais do que jantares curiosos, trazer de volta para os tempos atuais receitas que os possam ajudar a entender como viviam nossos ancestrais — o que nos ajuda a entender por que comemos como comemos.
O apetite pelo passado, como o nome do grupo sugere, quer aplacar a curiosidade sobre nossos hábitos pregressos. E, quem sabe, servir alguns pratos deliciosos.
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