A bronca de Jacquin em clientes: restaurantes viraram Casa da Mãe Joana?
No fim de abril, a cena viralizou nas redes sociais: o chef e empresário Erick Jacquin mergulha no mar vestido de terno, camisa branca e gravata laranja. "Vocês acham que eu estou certo, gente?", pergunta, levantando da água e olhando para a câmera com a roupa encharcada.
Você acha que a gente vai à praia desse jeito? Não. Então a gente também não vai a um restaurante de bermuda, regata, chinelo e boné..., critica.
O protesto de Jacquin, postado em seu perfil no Instagram (com mais de um milhão de visualizações até o fechamento deste texto), era dirigido aos clientes que vão ao seu restaurante Les Présidents, em São Paulo, trajados com "roupa de praia", como ele diz.
"Cada lugar tem a roupa que se deve usar. Aqui, é de terno. No meu Les Présidents é de terno. Pode ser sem gravata, mas é bonito", conclui no vídeo.
Clientes x restaurantes
Não é recente a onda de chefs, empresários e funcionários de restaurantes que têm ido à internet como um palanque para fazer críticas aos maus comportamentos de clientes quando visitam suas casas.
Desde a pandemia, pelo menos, têm sido mais constantes as notícias e reclamações por parte de quem trabalha em restaurantes sobre a falta de modos dos frequentadores.
Um claro reflexo de que as pessoas, depois de tempos em lockdown e de distanciamento físico, desaprenderam um pouco a viver em sociedade.
Também de um distorcido empoderamento que tem dado às pessoas reconhecidos direitos e liberdades individuais que, muitas vezes, esbarram no sentido mais coletivo.
Poucos são os restaurantes hoje em dia que definem normas de etiqueta ou de trajes, por exemplo, com medo de ferir justamente esse pressuposto de liberdade — o que faz sentido.
Mas sem deixar claras as regras que pretendem seguir, a relação entre expectativa e realidade acaba se tornando frustrante por parte de quem conduz os negócios — e, em alguns casos, também de quem os visita, claro.
Regras da casa, mas não para todos?
A pergunta seria: existem mesmo preceitos que deveriam ser adotados tanto por restaurantes quanto por clientes para a boa convivência de todos? E se sim, como proceder sem parecer que seja uma imposição?
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Quero receberSão perguntas que requerem respostas complexas, porque entre as obrigações determinadas em manuais de consumidores e "regras da casa" determinadas por estabelecimentos, há um limbo onde a luz da razão quase nunca alcança.
Um exemplo: em abril, um garçom escreveu para o Eater, um dos maiores portais de gastronomia dos EUA, com uma dúvida: é certo cobrar gorjetas de influencers que são convidados para comer no restaurante? Ou, poderia-se sugerir de alguma forma para que eles o fizessem?
Segundo o garçom anônimo, os influencers chegam ao restaurante "cegando as pessoas com o flash de seus celulares, pedindo um monte de entradas que eles nem conseguem pronunciar (e não querem comer), ficam bêbados, são rudes e não dão gorjeta".
A última questão, segundo ele, tem sido a mais frustrante "porque há muitos deles que vêm a esses eventos, não pagam nada e deixam grande parte da equipe de serviço na mão".
Ainda que não seja uma obrigação, a cultura de gorjeta nos EUA é algo sério, discutida em jornais e em convenções e sindicatos dos atendentes.
Ninguém é obrigado a pagar, mas todo mundo paga. Os influencers, portanto, não deveriam estar incluídos no rol de clientes, uma vez que se sentam, comem e exigem do serviço?
Certamente que sim. Se não por imposição — que, de fato, não existe —, pelo menos em nome do bom senso que ainda gere o convívio social.
O especialista que responde pelo Eater concorda: "É responsabilidade da empresa de Relações Públicas determinar que, embora a comida/bebida possa ser gratuita, a gorjeta é obrigatória. Se as pessoas não estão dando gorjetas, não deveriam ser convidadas", ele diz.
Ainda tem mais: nos EUA, a maioria dos eventos em restaurantes cobra uma taxa de serviço de 20% dos contratantes para garantir que os atendentes sejam pagos de forma equitativa por seu trabalho.
Bom senso contra Casa da Mãe Joana
Mas há, sobretudo, uma questão de bom senso: tanto no caso das vestimentas quanto das gorjetas, não seria necessário ter que dizer que nem sempre cai bem entrar em um restaurante de regata com as axilas à mostra ou que os garçons seguem fazendo o trabalho deles mesmo que não se pague pela conta.
Mas o bom senso é medido por réguas e diapasões distintos, que variam com a educação e com os interesses de quem mede — e até mesmo de quem cria as medidas.
Numa matemática que nunca é exata, deveria sobrar mais espaço para a comunicação. Expor pontos, recomendar praxes, deixar tudo tão claro quanto se possa, ainda que sugestionado.
Em um mundo em que o bom senso é uma instituição cada vez mais falha, é preciso lembrar a alguns clientes que restaurante não é a Casa da Mãe Joana, como dizia a minha.
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