Rafael Tonon

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Opinião

Sob a água do RS à Europa, vinhos e alimentos podem estar com dias contados

Entre cenas de cavalos em telhados, de barcos a navegarem por onde passavam carros e de centenas pessoas completamente desoladas, a maior enchente da história do Rio Grande do Sul também levou com ela parte de outra grande riqueza do estado: seus vinhos.

Em um vídeo publicado no Instagram, a água leva grande parte de um vinhedo com sua força, arrancando da terra, com raiz e tudo, dezenas de parreiras de Merlot e Tannat que estavam plantadas há mais de uma década na propriedade de Heleno Facchin, sócio da Cooperativa Nova Aliança.

Em outras propriedades, as enchentes levaram equipamentos, máquinas e garrafas, muitas garrafas, acabando com anos de produção vinícola, destruindo adegas inteiras, soterradas em lama.

Ainda não há dados sobre as perdas, mas produtores já falam em prejuízos milionários. O Rio Grande do Sul produz quase 90% do vinho nacional e a recente tragédia das chuvas pode colocar produções de anos e anos em risco.

Do nosso Sul à Europa e aos EUA

É impossível fechar os olhos para o que passa no planeta, para além de um dos mais importantes estados do nosso país. Climas extremos tem sido registrados com cada vez mais frequência — e maior intensidade.

Para ficarmos nas uvas, inundações no ano passado deixaram mais de um terço das uvas da Califórnia apodrecendo nas videiras. Na Europa, o cenário se repete: chuvas e mais chuvas. Depois também geadas, outras horas incêndios — também registrados na Califórnia.

Limpeza de garrafas de vinho da Adeneuer, na Alemanha, após enchentes que devastaram a região em 2021
Limpeza de garrafas de vinho da Adeneuer, na Alemanha, após enchentes que devastaram a região em 2021 Imagem: Thomas Frey/picture alliance via Getty Images
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Números do setor dão conta de que produzir vinho vai ser muito mais desafiador e caro nos próximos anos — ainda nesta década! — tendo em conta regiões que podem simplesmente desaparecer.

Até 70% das regiões produtoras de vinho poderão tornar-se impróprias para o cultivo da uva se o aquecimento global exceder os 2°C, de acordo com um novo estudo que analisou 200 artigos sobre as alterações climáticas na produção de uvas.

Os cientistas alertam que regiões da Califórnia, Espanha, Itália, França e Grécia não poderão mais produzir vinhos no futuro se as temperaturas aumentarem como o indicado pelas projeções.

Especificamente, 29% [das regiões] poderão enfrentar condições climáticas demasiado extremas, impedindo a produção de vinho, enquanto o futuro dos restantes 41% dependerá da viabilidade de medidas de adaptação eficazes.

Um futuro inseguro

Mas o colapso climático — é preciso chamar as coisas pelo nome! — passa muito além das nossas taças, infelizmente, e tem atingido os alimentos-base da nossa alimentação global.

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Tem impacto com trigo, soja (que alimenta nossos animais), arroz — como é também o caso do RS, o maior produtor (70% do total) do alimento mais consumido pelos brasileiros diariamente, que tem feito o governo ponderar planos de importação de contingência do grão.

O cenário que se desenha no futuro é desolador: cientistas e ambientalistas preveem uma grande insegurança alimentar global causada pelo clima. Os sistemas agrícolas não conseguem ser resilientes a eventos meteorológicos tão extremos — pudera!

Parreiras incendiadas em setembro de 2020, em St. Helena, California
Parreiras incendiadas em setembro de 2020, em St. Helena, California Imagem: Justin Sullivan/Getty Images

A alta incidência de luz solar em algumas regiões cada vez mais quentes está queimando as plantações de frutas ainda nos pés. Com o calor e aumento da umidade por conta das chuvas em outras partes do mundo, pragas com as quais os produtores nunca se preocuparam estão tomando os campos.

Por isso, é impossível tratar da pegada ambiental sem falar da alimentação, já que a cadeia de alimentos é uma das que mais causa impacto nas condições climáticas que temos vivido hoje.

O nosso sistema agroalimentar é um dos principais fatores que contribuem para o colapso climático que estamos vivendo. Ele é responsável por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa e tem causado um acelerado desmatamento, além da degradação do solo e perda massiva de biodiversidade.

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A frequência e a intensidade dos eventos extremos (cada vez mais comuns) gera uma incerteza sobre a disponibilidade futura de recursos básicos como a água em muitas regiões. Sem água, é impossível produzir alimentos.

Agricultura 'favorecida' acabou prejudicada

Curioso é pensar que muitas leis criadas para proteger o meio ambiente estão sendo afrouxadas em nome da produção agrícola. No Rio Grande do Sul, o governo de Eduardo Leite mudou quase 500 normas do Código Ambiental do estado.

Ponte arrasatada por deslizamento perto do Mundo dos Vinhos, em Caxias do Sul (Rio Grande do Sul)
Ponte arrasatada por deslizamento perto do Mundo dos Vinhos, em Caxias do Sul (Rio Grande do Sul) Imagem: Xinhua/Claudia Martini

Mas os impactos climáticos afetam diretamente — e de forma profunda — a própria agricultura, que é o setor mais prejudicado quando as temperaturas aumentam, causando secas, chuvas torrenciais e geadas fora de época.

Os agricultores estão na linha de frente das mudanças climáticas. Sem um plano de contingência que os possa ajudar quando o pior da tragédia passar, podemos ter o fim de lavouras inteiras e a maior perda da produção vinícola do país.

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Na Inglaterra, no ano passado, as chuvas recordes deixaram campos agrícolas submersos e a saúde do gado em risco, aumentando a pressão sobre os produtores de alimentos.

As inundações e as condições meteorológicas extremas associadas às alterações climáticas prejudicaram de forma profunda a produção alimentar do Reino Unido.

O governo se viu obrigado a lançar um Fundo de Recuperação Agrícola, oferecendo subsídios (entre 500 e 25.000 libras) a agricultores em algumas partes do país que sofreram danos por inundações nas suas terras.

Não foi o suficiente, mas muitos agricultores vieram à público dizer que a ajuda foi providencial para reparar danos massivos às suas propriedades — ainda que o governo não tenha aprovado o apoio à saúde mental dos produtores afetados pelo que a imprensa local chamou de "eventos de choque".

No Brasil, ainda nenhum anúncio oficial foi feito sobre a situação dos produtores. O prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi, fez um apelo à população brasileira nas redes sociais para que compre produtos de origem gaúcha, ajudando os agricultores.

É uma forma de lhes garantir algum fluxo de caixa até que consigam mensurar o rombo causado pelos estragos. Como medida mais emergencial, também é uma forma de ajuda.

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Seguimos em direção a um futuro de maior insegurança alimentar e colapso dos sistemas alimentares que é iminente. A água já está batendo na porta. Daquilo a pouco, vai fazer roncar nossos estômagos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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