Rafael Tonon

Rafael Tonon

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Vegans passam a servir carne, são criticados e expõem sistema falho

No final de abril, Mollie Englehart, chef executiva da Sage Regenerative Kitchen, em Los Angeles, decidiu adotar uma decisão que ela reconhecia como "arriscada" para seus negócios. Desde o começo de maio, seus três restaurantes, conhecidos por serem referências na cena da cozinha vegana na região, passaram a servir pratos com carne, laticínios e ovos.

Até o nome dos restaurantes, espalhados por três localizações na cidade californiana, foi alterado: de Sage Vegan Bistrô para Sage Regenerative Kitchen, onde passariam a servir de hambúrgueres de bisão a sanduíches de queijo.

A reação ao post do anúncio de Englehart atingiu proporções inesperadas até mesmo para ela, que já previa grande polêmica a partir do comunicado. Foram quase 5 mil comentários — muitos deles raivosos — sobre a decisão.

Muitos acusavam Engelhart de dar as costas aos seus princípios veganos. Alguns de seus funcionários pediram demissão em protesto contra a decisão.

Até mesmo o PETA, um dos mais reconhecidos grupos ativistas em defesa dos animais se pronunciou, chamando a medida de "uma grande traição aos animais, à Terra e aos seus clientes".

"Os ativistas pelos animais não têm outra escolha senão destruir o que estou dizendo porque estou pressionando contra a sua posição no mundo", respondeu Englehart em um artigo que escreveu para responder e esclarecer a decisão.

Segundo ela, a dieta vegana não é tão benéfica para o planeta quanto pensava, o que a fez optar por servir apenas ingredientes provenientes de uma agricultura regenerativa — incluindo carnes ou produtos vindos de animais.

Fim da inocência?

A teoria regenerativa defende que a saúde do solo está intrinsecamente ligada à sustentabilidade total do nosso sistema e que todos os seres precisam estar envolvidos nessa cadeia.

Continua após a publicidade

A agricultura feita dessa forma pretende restaurar a produtividade do solo através de medidas como rotação de culturas, proteção da superfície com cobertura vegetal e redução da utilização de produtos químicos sintéticos e compactação mecânica, mas reconhece a feita por animais.

Nachos do ex-vegano Sage Regenerative Kitchen & Brewery
Nachos do ex-vegano Sage Regenerative Kitchen & Brewery Imagem: Reprodução/Instagram

Eu também vivia sob a ilusão de que seguir uma dieta vegetariana ou vegana causava menos danos ao mundo. Mas definitivamente havia ingenuidade em minha posição anterior, escreveu.

Engelhart explica que a mudança tem a ver com dar aos carnívoros a oportunidade de comprar carne em um restaurante que venha de fontes mais limpas, mais saudáveis e melhores.

"Acho que o mercado está muito diluído nesse momento porque todo mundo tem opção vegana. É quase como se todo mundo adicionando uma opção vegana tornasse o restaurante vegano obsoleto porque não há necessidade disso", afirma.

No artigo, defende que o futuro do planeta passa pelos preceitos regenerativos, mas que se você não consegue encontrar uma fonte justa de laticínios ou carne onde conheça as práticas desses agricultores, "ainda acredito que é melhor não comer carne", acrescenta.

Continua após a publicidade

Vegan X economia

Também em maio, o Sweetgreen, uma das cadeias mais importantes de saladas e pratos vegetarianos nos EUA, informou que introduziria carne bovina em seu cardápio quase duas décadas após a sua fundação.

De acordo com o fundador da empresa, Nicolas Jammet, a adição de uma opção de bife ocorre em um momento em que as pessoas estão tentando aumentar a ingestão de proteínas.

Mas sobretudo, em um momento em que a própria Sweetgreen — que conta com 225 unidades — busca atrair mais comensais às suas lojas.

"Não só temos o dever a nível humano de fazer a nossa parte, como também o argumento comercial para um excelente produto que também protege o planeta é claro", disse Jammet ao The New York Times.

A mudança dos restaurantes veganos para um cardápio que inclua carne representa, talvez, uma tendência que deve ser crescente no futuro, em que muitos restaurantes enfrentam dificuldades para ter clientes.

Continua após a publicidade

"A ideia de um restaurante estritamente vegano pode agora ser muito estreita", reconhece Engelhart, do Sage Regenerative Kitchen, em seu artigo. "Não é apenas uma epidemia de fechamentos de restaurantes veganos. Na pós-pandemia, foi muito difícil de [muitos restaurantes para se] recuperar".

No Reino Unido, o restaurante vegano Nomas Gastrobar também decidiu incluir carne e queijo ao seu menu, desencadeando um grande debate em torno da dura realidade da atual crise do custo de vida.

Seu proprietário, Adonis Norouznia, compartilhou abertamente os desafios enfrentados pelo restaurante, atribuindo a decisão ao cenário econômico cada vez mais desafiante do Reino Unido.

"É muito difícil permanecer no negócio vendendo apenas produtos veganos", disse ele.

As limitações do nosso menu vegano, por vezes, fizeram com que recebêssemos apenas um pequeno número de clientes, tornando cada vez mais difícil o sucesso financeiro do nosso negócio, desabafou.

Continua após a publicidade

Por isso, diz, resolveu introduzir no menu, "uma seleção cuidadosamente selecionada de opções de carne e laticínios de alta qualidade e de origem responsável".

Com a medida, o empresário espera conseguir aumentar o fluxo de clientes e lotar as mesas do seu restaurante em Macclesfield. Ainda que justamente graças a ela, uma horda de veganos tenha esbravejando nas redes em repúdio à sua decisão.

Aparentemente, esses ativistas não têm traduzido seu empenho de ir às redes com o mesmo intuito de ajudar a lotar as mesas dos restaurantes que criticam. O que deverá fazer com que muitos mudem as suas condutas — e, claro, seus cardápios.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Los Angeles não é a capital da Califórnia, e, sim, Sacramento. A informação foi corrigida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes