Rafael Tonon

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'Dogguccino' ou pênis de touro? Seu pet está entre menu-degustação e miúdos

Vivemos tempos em que a comida servida a cães, gatos e outros pets alcançou patamares inimagináveis. Em São Francisco, Califórnia, um casal decidiu abrir um restaurante requintado com menu-degustação a US$ 75 dólares (cerca de R$ 380) apenas para cães.

Batizado de Dogue, o espaço oferece pratos deliciosos e nutritivos especialmente para os cachorros, incluindo um bolo em formato de rosa recheado com coração de veado selvagem, waffles de pele de frango e até "dogguccinos".

Em uma cidade em que a população de cães é maior do que a de crianças, talvez faça sentido que mais lugares assim abram as portas.

Hoje, os donos não medem esforços para agradar seus companheiros, fazendo com que este tipo de tendência se espalhe para outras paragens e se torne algo mais corriqueiro.

Mas enquanto cozinheiros, nutricionistas e marqueteiros de empresas estão criando snacks de picanha e incluindo até sabor trufa nas rações, talvez os animais tenham anseios alimentares mais, digamos, miúdos.

Valiosos miúdos

Há uma nova e crescente corrente de nutrição animal que defende que cães, gatos e outros bichinhos devam mesmo comer mais miudezas: sim, todas as outras partes dos animais que, muitas vezes, são descartadas.

Pulmão, coração, rabo, pé e focinho são alimentos inerentemente ricos em nutrientes que contêm uma série de vitaminas e minerais benéficos para a saúde dos pets ? o que muitos especialistas já chamam de superalimentos.

Em comparação com cortes de carne, as miudezas contêm vitaminas A, B e D, bem como muitos minerais vitais, como ferro, zinco e selênio.

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No caso dos cães, esses nutrientes podem ajudar a manter as células sanguíneas saudáveis, estimular o sistema imunológico, ajudar na cura mais rápida em caso de lesão, reparar tecidos e ajudar a manter os ossos fortes.

O termo miudezas refere-se aos órgãos internos e entranhas de animais abatidos, partes que a maioria dos humanos não está culturalmente inclinada a consumir, ainda que em algumas culturas (China, Portugal, Itália, etc.) esses órgãos sejam considerados verdadeiras iguarias.

Alguns órgãos ligados ao abate dos animais, como no caso do Departamento de Agricultura dos EUA, inclusive não consideram alguns subprodutos, como úberes e pulmões, comestíveis para consumo humano. No entanto, muitas partes são seguras e nutritivas para os animais.

Tanto que, já é prática padrão incluir miudezas em rações produzidas comercialmente, o que significa que é muito provável que seu cão ou gato já esteja comendo miudezas.

Mas ao invés de serem considerados "subprodutos" escondidos nas embalagens em forma de "farofas" ou "resíduos", agora os snacks animais se orgulham de servir-lhes essas partes menos nobres. E já as trazem nos rótulos.

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Imagem: Getty Images
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Coração e focinho de porco, traqueias de carne bovina, tendões de vitela, pés de pato, pescoços de peru, pênis de touro: todas as partes de animais podem virar comida para os pets.

A indústria tem tentado fazer algumas guloseimas até com testículos de porco e língua de boi, mas ainda são muito caros para estarem no mercado.

Na maioria das vezes, essas partes dos animais passam por processos (como a renderização, que envolve calor e pressão, ou secagem ao ar) para ficarem mais fáceis de serem consumidas pelos pets.

Na maior parte deles, o objetivo é remover a maior parte da água e da gordura, produzindo um ingrediente composto, principalmente, de proteínas e minerais.

Uma questão moral

Esses "novos" produtos também tentam apelar para uma questão moral que envolve muitos dos donos de pets: o dilema ético do consumo animal.

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Pensar no abate de animais que possam servir de alimento (para pets, sim, mas também para humanos) é um tema que gera muitas discussões.

O que as empresas que produzem produtos com as miudezas querem mostrar é que, em caso dos animais serem abatidos para outros fins ? seja na indústria pecuária ou em outras ? deve-se, então, usá-los ao máximo, criando até snacks para os pets, eventualmente.

Trata-se da filosofia "do focinho ao rabo", já tão propagada na gastronomia, adotada aqui ao limite, tentando se aproveitar (e honrar) de todo o animal que foi morto.

Muitas dessas empresas, aliás, só trabalham com animais criados soltos ou que tiveram algum tipo de bem-estar durante a vida e na forma como são abatidos.

O outro apelo tem a ver com o próprio tratamento dos pets, já que muitos estudos científicos comprovam que, tal como seus antepassados e seus homólogos selvagens, os cães e gatos domésticos apreciam e prosperam com uma dieta que inclui vísceras.

Não podemos esquecer que, mesmo depois de milhares de anos de domesticação, esses animais são essencialmente carnívoros do ponto de vista biológico ? ainda que algumas correntes defendam que os cães consigam sobreviver com dietas devidamente equilibradas sem carne.

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O consumo de outros animais ? aqui, suas vísceras e miudezas ? pode trazer muitos benefícios não apenas para sua saúde, mas para manter seu comportamento animal: mastigação, roer superfícies com os dentes, fazer parte de uma cadeia animal entre eles.

Por isso, vale pensar duas vezes na hora de escolher o próximo snack do seu cão: por mais estranho que possa parecer, talvez ele prefira apreciar umas orelhas de coelho ou mastigar umas artérias bovinas do que comer a picanha do churrasco.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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