Rafael Tonon

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Opinião

Já ouviu a palavra de 'O Urso'? Por que somos tão obcecados pela série

De repente, todo mundo fala de Carmen Berzatto e de Sydney Adamu como se fossem amigos íntimos. (Ou seria melhor dizer Carmy e Sid?).

Jargões da cozinha e referências antes restritas ao mundo dos chefs (de nomes de corte a expressões adotadas pelas equipes) ganharam as ruas e viraram conversa nas mesas de bar — e de restaurantes, é claro. "Yes, chef".

Chicago, uma cidade culinariamente intensa, mas por vezes ofuscada pela onipresença de Nova York e Los Angeles na cena americana, transformou-se numa capital de peregrinação de foodies.

É o efeito "The Bear" ("O Urso", no Brasil), a série produzida pela FX que escancarou o mundo da gastronomia com crueza, apresentando o que de mais bonito e de mais vulnerável ele pode ter.

E virou obsessão nas redes sociais e no cotidiano de centenas de milhares de pessoas que maratonam seus episódios com um apetite visto apenas em pouquíssimas séries modernas.

Com a sua terceira temporada exibida nos EUA (e com previsão de chegar ao Brasil em 17 de julho, no Disney+), a série voltou a ganhar reportagens na imprensa, capas de revistas e fóruns de discussão em plataformas digitais — é o assunto da vez. De novo!

Sydney Adamu (Ayo Edebiri), em "O Urso"
Sydney Adamu (Ayo Edebiri), em "O Urso" Imagem: Divulgação

Fórmula de sucesso

O que é que tem de tão especial? É sempre difícil escarafunchar a razão por trás dos sucessos; os fracassos, ao contrário, parecem sempre mais evidentes.

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Mas há muitas pistas sobre a série que acompanha um chef de cozinha talentoso vivenciando o luto pela perda de um irmão e com um restaurante falido para administrar.

O elenco é afinado, os personagens são muito bem construídos (humanos, demasiadamente humanos, como diria Nietzsche), e o roteiro tem diálogos e cenas brilhantes.

Mais do que isso, "The Bear" ousou mostrar o mundo dos restaurantes como ele nunca tinha sido reproduzido antes — talvez com a mesma agudeza apenas em "Cozinha Confidencial", o livro seminal de Anthony Bourdain que o transformou em celebridade e fez com que nunca mais comêssemos da mesma forma.

Uma nova receita

Nas telas, porém, restaurantes sempre foram lugares de celebração, de encontros amorosos, de comemoração de conquistas e até, cena clássica, de simulações de orgasmos.

Os chefs, por sua vez, quase sempre homens (e galãs, ainda que "feios"), foram retratados como grandes talentos incompreendidos, como românticos incorrigíveis, mesmo que com seus egos inflados.

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"The Bear" ousou alterar este eixo ao adotar uma perspectiva nada realista e disfuncional de uma equipe de cozinheiros batalhando para reabrir um espaço fadado a não dar certo.

A insistência e a dinâmica que isso gera, as esperanças que enterra e os sonhos que faz brotar das piores dores fizeram a mistura funcionar como poucas receitas.

A relação criada entre os personagens — que se amam, sim, mas por isso mesmo são capazes de dizer coisas horríveis uns aos outros — é talvez o maior de seus acertos.

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Imagem: Divulgação

Apetite insaciável

O outro, e talvez mais valioso para seu efeito viral, foi ter transformado a série numa marca humana e altamente consumível para o apetite insaciável da cultura pop, mastigada para ser digerida por quem está atrás das telas.

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Isso criou um poder engajador enorme sobre os personagens mostrados na tela: para além do chef, há confeiteiros, cozinheiros de linha, pias e toda uma diversidade de pessoas às voltas com seus próprios sonhos e angústias.

"The Bear" ressoou tão forte em seus espectadores que tudo o que envolve a série — feita com consultoria de profissionais de cozinha, como o próprio chef Matty Matheson, que interpreta o faz-tudo Neil Fak — tornou-se viral.

A começar por Chicago, a cidade onde se passa a história, que ganhou guias especializados com transportes que percorrem pontos onde cenas foram gravadas e que viu seus restaurantes lotarem. A reputação da cidade se transformou.

Sydney (Ayo Edebiri), a chef de "The Bear"
Sydney (Ayo Edebiri), a chef de "The Bear" Imagem: Reprodução

Gastronomia como linguagem

O universo mais abrangente da gastronomia também: "yes, chef" virou expressão de desejo graças a uma campanha da Calvin Klein estrelada por Jeremy Allen White, o chef que despiu a dolma para seu séquito de fãs.

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Outras expressões também entraram na linguagem da moda: "fuck brunch", sobre os cafés da manhã tardios, "atrás", quando se está passando pelas costas de alguém, como bem observou a jornalista Tejal Rao, em um texto analítico da série no The New York Times.

E a moda da Birkenstock que já tinha conquistado os pés dos chefs do mundo todo; os lenços estampados na cabeça de Sid; os livros de referência que todos os cozinheiros têm de ter — alguém falou no guia de fermentação do Noma?

A série criou comportamentos, tem ditado tendências, trouxe reflexões importantes sobre nossas relações: com a vida, com o trabalho, e, sobretudo, com as pessoas — as que perdemos e as que ganhamos.

Em seu poder viralizador e influenciador (palavra do momento), é uma espécie de "Sex and The City" dos novos tempos com menos sexo e mais comida, menos glamour e mais realidade. Mais temperado ao gosto atual.

A revolução de "The Bear" é temática, mas é também estética. E sobretudo simbólica desses novos tempos em que o espectador já não acredita tanto em fantasias, em que quer viver o luto, o vício e a dor junto com seus personagens preferidos — e toda a implicação que eles possam ter em suas vidas imperfeitas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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