Rafael Tonon

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Comer até vomitar: campeonatos alimentares poderiam virar esporte olímpico?

Já se tornou uma tradição: todo começo de julho, quando os Estados Unidos celebram seu Dia da Independência, milhares de pessoas se reúnem em Coney Island, Nova York, para ver pessoas devorarem quantidades absurdas de cachorros-quentes.

Desde 1972, o Nathan's Hot Dog Eating Contest atrai participantes dispostos a se empanturrarem de quantidades absurdas de sanduíches (o recorde é 76!) para ganhar o cinturão de vencedor, tendo como plateia uma multidão que cresce a cada ano.

Considerado o maior concurso alimentar do mundo, em seus mais de 52 anos de existência, o festival transformou-se em um dos eventos americanos mais esperados.

Mais do que uma competição, é um espetáculo completo, sentencia a revista Bon Appetit.

De fato, a ideia de comer até o estômago não aguentar mais passou de uma brincadeira a um certo status mais "sério" com eventos como o do Nathan's, uma das mais populares redes de cachorro-quente dos EUA.

Torcida do Nathan's Annual Hot Dog Eating Contest
Torcida do Nathan's Annual Hot Dog Eating Contest Imagem: Adam Gray/Getty Images

Comer por esporte

De tacos a asinhas de frango, de hambúrgueres a pimentas, os alimentos variam, mas as provas não: há de se comer a maior quantidade possível no mínimo de tempo — sem vomitar, é claro, o que desclassifica qualquer oponente.

A ideia de comer muito e em poucos minutos virou até uma modalidade esportiva, por assim dizer. Nos EUA e no Japão, por exemplo, as competições são levadas tão a sério que há quem se dedique exclusivamente a isso.

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"Atletas" como Joey Chestnut, Takeru Kobayashi e Matt Stonie se tornaram famosos por suas capacidades de competir em torneios mundiais, conseguindo juntar boas quantidades de dinheiro por suas participações em provas — o patrimônio de Chestnut chegou a quase um milhão só pelas competições.

Joey "Jaws" Chestnut no Nathan's Famous Hot Dog Eating Contest, em 2013
Joey "Jaws" Chestnut no Nathan's Famous Hot Dog Eating Contest, em 2013 Imagem: Monika Graff/Getty Images

Neste ano, ele nem pôde concorrer ao Nathan's — onde se tornou o maior vencedor histórico — devido a um contrato de muitas cifras com a Impossible Foods, empresa de alimentos de base vegetal.

É preciso esforço para atingir a "forma" para poder enfrentar os concorrentes, porém: semelhante aos esportes olímpicos não convencionais, como o breakdance, a alimentação competitiva exige estratégia e muita resistência física.

Tal como os ultramaratonistas que percorrem muitos quilômetros ou os jogadores de futebol que precisam estar prontos para estarem em campo por até 2 horas, "comer em velocidade" implica resiliência natural e treino dedicado.

Os preparativos começam muitas vezes com água, refrigerante diet, melancia e repolho. Esses alimentos e líquidos de baixa caloria ajudam a alongar e relaxar o estômago dos "atletas".

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As bolhas dos refrigerantes são ótimas aliadas para a dilatação que é preciso desenvolver: também pelo fato de que são eliminadas mais facilmente (por arrotos, por exemplo), sem promover a digestão.

Fãs de Joey Chestnut, na competição do Nathan's, em 2021
Fãs de Joey Chestnut, na competição do Nathan's, em 2021 Imagem: Alexi Rosenfeld/Getty Images

Segundo os especialistas, o segredo é aprender a relaxar o esôfago, a estreita entrada do sistema digestivo, para que ele possa se expandir, o que permite que mais comida "desça" com mais facilidade.

O processo é tão exigente que há quem argumente que a alimentação competitiva poderia se tornar um esporte olímpico devido à sua organização formal, capacidade atlética exigida aos seus participantes e o alto treinamento envolvido.

Alô, Olimpíadas

O jornalista norte-americano Curtis Murayama tem feito campanha neste sentido, apesar de reconhecer a natureza controversa da atividade — que pode causar muitos riscos de saúde para seus competidores.

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Os críticos à modalidade apontam os riscos como problemas cardíacos e transtornos alimentares, além da apologia à gula ligada ao "esporte".

No entanto, os proponentes enfatizam o atletismo e o treino estratégico envolvidos, sugerindo que merece reconhecimento semelhante a outros esportes emergentes.

Para Murayama e outros especialistas que cobrem essas competições, a formalização da alimentação competitiva através da Major League Eating (uma liga dos atletas do ramo criada nos EUA) poderia ser um pontapé para que o mundo veja os torneios a partir de uma perspectiva mais esportiva.

Participantes do Nathan's Annual Hot Dog Eating Contest
Participantes do Nathan's Annual Hot Dog Eating Contest Imagem: Bill Tompkins/Getty Images

Mais do que o rigor atlético (os intensos treinamentos físicos e dietéticos, demonstrando habilidades comparáveis a atletas tradicionais), o esporte já conta com organização estruturada, como a própria MLE, que regula e promove eventos, similar a federações esportivas.

Os defensores da alimentação competitiva também argumentam a popularidade que as competições ganharam no mundo e a quantidade de endossos e patrocínios que elas têm arregimentado, indicando um mercado lucrativo.

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O Comitê Olímpico Internacional nem tem dado bola aos argumentos: em nenhum momento cogitou-se a ideia de transformar a prática, que para muitos especialistas passa longe de um esporte, em uma modalidade olímpica.

Nas Olimpíadas deste ano, pelo menos os croissants de Paris estarão a salvo do apetite profissional dos "atletas" da alimentação competitiva.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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