Rafael Tonon

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Opinião

Vale pagar R$ 12 mil por jantar? Alta gastronomia é luxo e também escolha

Sair para comer fora ficou tão caro que alguns jantares nos melhores restaurantes do mundo podem custar o preço de uma moto.

Uma refeição no Alchemist, em Copenhagen, onde o chef Rasmus Munk integra outros elementos (como exibições audiovisuais e consciência alimentar) à comida, pode chegar a R$ 12 mil — se bem acompanhada da seleção de vinhos mais cara.

Um estudo feito pelo site Chef's Pencil (que produz estimativas sobre o setor no mundo) descobriu que os restaurantes mais caros do mundo estão na Europa, tendo justamente a Dinamarca em primeiro lugar. No Brasil, entretanto, mesmo os restaurantes de alta gastronomia são significativamente mais baratos: estamos entre os cinco mais baratos do mundo, sendo superados apenas por Malta, China e Grécia.

O estudo foi feito com base em restaurantes reconhecidos pelo modelo de estrelas do Guia Michelin, há 124 anos considerado o sistema de classificação mais prestigiado do mundo da gastronomia.

Mesa do Lasai, no Rio de Janeiro
Mesa do Lasai, no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/Instagram

São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do Brasil, abrigam um total combinado de 13 restaurantes com estrelas Michelin. E, juntas, proporcionam uma experiência gastronômica por uma fração do custo visto em muitas outras partes do mundo, tornando-os uma opção atraente para os entusiastas da gastronomia.

Isso não significa, é claro, que pagar cerca de metade de um salário mínimo por um jantar é uma pechincha. Longe disso: comer fora ficou mais caro nos últimos anos, segundo o próprio site.

Por que tão caro?

Prato do DiverXo, em Madrid
Prato do DiverXo, em Madrid Imagem: Reprodução/Instagram
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Estimativas apontadas pelo Chef's Pencil dão conta de que os custos nos países aumentaram mais de 30% em média, graças principalmente ao aumento dos preços dos combustíveis (impulsionado por guerras como a da Ucrânia) e uma galopante inflação que tomou o mundo todo, inclusive na Europa e nos Estados Unidos.

Os restaurantes têm gastado muito mais com valores de aluguéis, consumo de energia elétrica e compra de ingredientes — que subiram nos mercados, obviamente, mas também nas compras feitas por eles.

Por isso, faz sentido que alguns deles estejam aumentando ainda mais seus preços. Se o valor dos produtos nas nossas despensas está caríssimo, nas cozinhas deles também.

Mas há sempre polêmica quando um chef anuncia algum incremento de preço em seus menus — na Europa, isso costuma ser notícia, a depender do restaurante.

Há algumas semanas, o espanhol Dabiz Muñoz, reconhecido como melhor chef do mundo por três vezes seguidas, anunciou que ia aumentar o valor do menu degustação de seu tri-estrelado DiverXo, em Madrid.

O menu custará, a partir do mês de setembro, 450 euros (cerca de R$ 2725) — um aumento de 23,28% no preço cobrado antes. Jornais espanhóis publicaram sobre o novo preço, e clientes raivosos (muitos deles que não têm nenhuma pretensão de ir ao DiverXO) criticaram nas redes sociais.

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Não há esse mesmo tipo de manifestação quando a Chanel decide aumentar o valor de sua bolsa Reissue ou o F-Pace da Jaguar sobe acima dos 20%. Aceitamos que o preço do luxo seja mesmo muito caro, mas na alta gastronomia o tema sempre provoca discussões.

Luxo à mesa

Em uma conversa, um amigo defendia que a alimentação é um bem essencial, fundamental. Mas contra-argumento que o arroz e feijão, sim, são; mas não precisamos da cozinha criativa de chefs estrelados para viver.

É possível viver uma vida muito boa e cheia de satisfação à mesa sem nunca entrar num restaurante reconhecido pelo Michelin. O que é preciso entender é que alta gastronomia é um luxo, e vai ser cada vez mais acessível apenas para um nicho muito rico.

Prato do Alchemist, em Copenhagen
Prato do Alchemist, em Copenhagen Imagem: Divulgação

Há quem dê valor para chefs e restaurantes e, por isso, decida gastar seu rico dinheirinho em refeições por horas sentado em mesas assinadas por arquitetos famosos, sendo servido de vinhos mais caros que um salário mínimo.

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Outros economizam por meses para realizar o sonho de provar a comida do chef celebridade que admiram — é o dinheiro de cada um, que se gasta como bem entender.

O que não faz muito sentido é criticar o valor de um restaurante sem intenção nenhuma de ali pôr os pés. Ou escolher jantar em algum deles, receber o menu com o preço, ter plena consciência do valor de um prato, decidir ficar e mesmo assim esbravejar nas redes que se gastou muito.

Porque é uma escolha: ninguém obriga ninguém a sentar numa mesa e comer aquilo que não quer ou não está disposto a pagar.

O preço da exclusividade

Na mesma Espanha, há um mês, um vídeo de uma influencer viralizou (com 5 milhões de visualizações) ao narrar a refeição "desastrosa" — segundo suas palavras — que ela teve no Mugaritz, em San Sebastián.

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Mas além da crítica pouco embasada feita em voz sussurrante, o que chamou atenção foi o fato dela contar que um casal se recusou a pagar pelo jantar, fazendo com que o restaurante tivesse que chamar a polícia.

Não gostaram nada da comida e, por isso, se sentiram no direito de ir embora sem ter que passar o cartão. Os restaurantes baseiam-se num modelo simples de serviço deste mundo capitalista: alguém traz à mesa uma refeição (que pode, sim, ser boa ou ruim) e, ao final, paga-se por ela. Foi assim desde sua invenção, em 1765.

Claro que há uma discussão profunda sobre os abusos cometidos por alguns desses restaurantes e como muitos criaram, por décadas, um modelo econômico baseado em relações de trabalho muitas vezes injustas ou a custo de exploração de muito trabalho por pouco salário.

Mugaritz (País Basco, Espanha)
Mugaritz (País Basco, Espanha) Imagem: Reprodução/Instagram

O tema aqui é mais o preço e menos o valor. Se vale a pena provar os pratos cheios de sabores e texturas do DiverXo ou sugar um pouco de leite de um umbigo feito em molde de silicone no Mugaritz são questões subjetivas e discutíveis.

Mas decidir fazer uma pré-reserva ali, pagar por ela, saber com antecedência de meses o valor praticado, ir e reclamar de pagar parece ignorância ou, mais ainda, má-fé.

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Que os restaurantes escolham subir seus preços e, assim, se tornarem (ainda) mais exclusivos, é um direito deles. Escolher não frequentá-los é um direito nosso, meu e seu.

Uma das frases mais reproduzidas do chef catalão Ferran Adrià, o mais influente cozinheiro deste século, dizia que "a alta gastronomia é o luxo mais acessível do mundo".

Infelizmente, como sabemos, esse luxo, como tantos outros em um mundo cada vez mais dividido socialmente, tem ficado pelo caminho. Ao menos nos restaurantes do Brasil, ao que parece, há a possibilidade de deixar ali só as calças — e não uma moto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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