De Portugal ao Japão, restaurantes cobram preços diferentes para turistas
Em um restaurante na Baixa de Lisboa, um bitoque — o famoso bife com molho servido com um ovo em cima — custa 15 euros (cerca de R$ 92) para os turistas.
Se você for um morador local, o preço, informado discretamente por um dos atendentes, é de 9,90 euros (cerca de R$ 60) — uma economia de mais de 5 euros para comer o mesmo prato no mesmo lugar se você for lisboeta.
Em outros estabelecimentos da cidade, o "menu para portugueses" está escondido sob o jogo americano. Os pratos são exatamente os mesmos, os preços é que não.
A medida, polêmica e completamente ilegal no país, é uma maneira de os donos de restaurantes terem algum tipo de "camaradagem" com seus conterrâneos, que veem o poder de compra minguar com o aumento desenfreado dos turistas no país, que encareceu dos almoços ao aluguel no final de cada mês.
"A explosão do turismo — que voltou a bater recordes no ano passado com a entrada de mais de 26,5 milhões de visitantes — contribuiu para a escalada dos preços, nomeadamente na restauração", afirma a reportagem do jornal local Expresso, que trouxe a público a prática controversa.
A associação da indústria hoteleira local (AHRESP) afirmou que repudia os preços discriminatórios para turistas, e que os valores dos pratos devem ser iguais e exibidos a todos "com toda a transparência".
Contra o turismo de massa
As revelações da suposta prática de preços distintos ocorrem em meio a uma reação contra o impacto do turismo de massa em partes de Portugal, na vizinha Espanha e em outros países — e os efeitos nocivos que ele tem para o cotidiano dos moradores.
Do outro lado do globo, no Japão, alguns estabelecimentos também já consideram os méritos dos preços diferenciados frente a ondas de turistas que não param de crescer desde a pandemia da covid-19.
Em uma reportagem da CNN que aborda a prática também no país asiático, um dono de restaurante justifica: "As pessoas dizem que é discriminação, mas é muito difícil para nós servir estrangeiros, está além da nossa capacidade", disse Shogo Yonemitsu, do Tamatebako, em Tóquio.
Yonemitsu afirma que não cobra a mais dos turistas, mas oferece um desconto de 1.000 ienes (cerca de R$ 38) para os moradores locais. "Precisamos deste sistema de preços por razões de custo", justificou sobre os valores distintos a turistas.
O país registrou um recorde de 17,78 milhões de turistas no primeiro semestre de 2024, de acordo com dados do governo. Cobrar mais dos visitantes é uma maneira de limitar o turismo de massa.
No Japão, as políticas de algumas cidades vão desde aumentar os valores das taxas turísticas até limitar o número de visitantes por dia em alguns pontos ou proibir a venda de álcool em outros — para evitar grandes concentrações.
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Quero receberEm Hokkaido, o governo pediu que as empresas locais estabeleçam preços mais baixos para os moradores. As medidas são uma maneira de evitar que o aumento repentino na demanda turística não afaste os clientes locais fiéis e frequentes.
Parece justo que restaurantes e outros estabelecimentos comerciais e de serviços busquem lucrar com o fluxo de visitantes estrangeiros sem alienar os clientes locais.
Em museus e outros pontos de interesse turístico, taxas de desconto para moradores já são uma realidade estabelecida e aceita por todos.
Em bares e restaurantes, poderiam representar uma forma de manter preços mais amigáveis — e à prova de uma descontrolada inflação causada pelo turismo — a quem sai para comer ali.
A lógica parece interessante: à medida que empresas de restaurantes estão se voltando mais para os turistas e até mesmo os restaurantes tradicionais estão dominados por eles, pouco sobra como opção para os moradores comerem fora sem ter que deixar um rim na hora de pagar a conta.
Isso tem gerado uma já propagada crise no próprio segmento dos restaurantes, com restaurantes feitos para turistas cada vez mais vazios, e restaurantes voltados para moradores cheios de turistas, mas sem locais.
A ideia de "comer como um local" é uma falácia diante da realidade dos próprios locais, que já não conseguem pagar por uma refeição nos restaurantes que sempre frequentaram.
É nítido que o setor vai enfrentar muitos problemas para se expandir, a menos que também olhem para os moradores. Para fazer isso, talvez precise criar diferenciações para se adaptar — em custos — aos dois tipos de públicos.
Às claras
Desde que os preços sejam explicados corretamente, claro, e as políticas de preços diferentes não causem um problema legal, pode ser uma saída possível para manter todo mundo na mesma mesa.
Trata-se de uma questão que deveria ser tratada até pelos governos, não apenas pelos empresários.
A crise que enfrentamos para comer fora é de acesso, e os representantes deveriam estar em seus cargos justamente para garantir que os contribuintes possam viver bem na cidade onde pagam impostos.
Isso significa morar em boas condições acessíveis, comer de forma a não serem extorquidos por consequência de políticas que priorizam o turismo acima de tudo.
Restaurantes com preços mais amigáveis aos moradores locais parece uma ideia interessante para ser incentivada por prefeituras e donos de estabelecimentos, como no Japão.
Desde que feita de forma legal e transparente, e não com menus escondidos por "debaixo da mesa".
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