Rafael Tonon

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Opinião

'Nunca fui, mas não gostei': haters viraram dor de cabeça para restaurantes

Em uma publicação recente em seu Instagram, o famoso chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, em São Paulo, resolveu reunir algumas avaliações que o restaurante recebe no Google.

Entre o cômico e o non-sense ("eu nunca fui neste lugar", dizia um), os reviews, avaliados sempre com uma estrela, expunham a sanha hater de muitos clientes que correm nas redes para avaliar como péssima alguma experiência que não correu como eles previam.

"Me levaram um copo cheio de gelo e colocaram algumas gostas (sic) de refrigerate no meu copo. Frustrante", reclamou uma cliente chamada Amanda.

Da espera na fila para uma mesa à necessidade de ter que fazer um cadastro no iFood para fazer o pedido, nada escapa à frustração de clientes raivosos.

Em uma das resenhas, uma usuária elogia o restaurante ("lugar agradável, música agradável, atendimento muito bom, preço justo"), mas escolhe logo a cotação mais baixa por reclamar que quase todos os pratos tinham pimentão — o que o chef, também não muito fã do vegetal, fez questão de desmentir.

"Quando alguém dá uma nota 1 (que eu acho que só deveria ser usada quando acontece algum desastre), muitas vezes são necessárias dezenas de avaliações 5 estrelas pra média voltar ao patamar anterior", reclama Oliveira em seu perfil no Instagram.

Oliveira também incentiva que os clientes que tiveram uma boa experiência se engajem e se pronunciem nas redes, para evitar que restaurantes como o dele sejam julgados de maneira enviesada — e pautada apenas pela raiva — dos clientes.

8 ou 80 de resenhas

Desde os tempos do meme "vou xingar muito no Twitter" (que, para já, nem é mais possível de fazer), a internet se tornou esse parlatório em que as pessoas vão para terem suas vozes ouvidas e amplificadas.

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No caso especifico dos restaurantes, algumas empresas, como o Yelp e o TripAdvisor, moldaram seus modelos de negócios justamente na ideia de permitir que pessoas reais possam dar suas opiniões mais que honestas sobre experiências vividas em alguns deles.

O Google, que é a maior plataforma de buscas do mundo e, portanto, um certo guru de onde comer para milhões de pessoas, percebeu ali uma oportunidade e passou a permitir que seus usuários também deixassem resenhas junto com outras informações que publica como serviço — endereço, telefone, horários.

Ao mesmo tempo, entretanto, ampliou de forma exponencial não apenas a possibilidade de compartir opiniões, mas sobretudo de gritar pro mundo inteiro ouvir os seus sentimentos.

Na maioria das vezes, quando decidem ir à internet, esses sentimentos estão envoltos de ruído e fúria. As pessoas não querem discutir pontos de vista sobre a comida ou o serviço, elas querem discordar ou fazer sua percepção sobrepor.

Por isso, quase sempre os resenhas expressam dois tipos de emoções: ou são odiosas ou exaltadoras. As médias são difíceis de alcançar — ainda que 4 estrelas costumam ser muito mais frequentes que as de 5.

Efeitos reais do hater virtual

Mas nada bate as avaliações de 1 estrela. Estudos indicam, aliás, que elas são cerca de quatro vezes mais longas do que as avaliações de 5 estrelas, o que significa que nossas indignações são muito mais altas do que nossos elogios.

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A questão central desta discussão é que muitos clientes, na busca de onde comer, talvez as levem a sério demais. Ao pesquisar se o restaurante está aberto naquele dia, acabam por fazer um scroll e espreitar alguns comentários.

E dependendo do que aparecer, o destino da noite, que antes era aquele conhecido italiano que serve receitas clássicas, pode acabar mudando drasticamente.

Os sistemas de avaliação de restaurantes se tornaram um problema justamente porque as pessoas têm muitos sentimentos sobre todas as coisas — sobretudo com relação com o que comem e o que pagam.

"E em um ambiente amplamente não monitorado e cheio de avaliações baseadas mais em crenças religiosas-políticas que na qualidade dos serviços, as opiniões são apenas isso, e não fatos", como escreve Mackenzie Filson em um texto publicado no Delish.

Por isso, não deveriam ser levadas tão a sério como normalmente são. Para um restaurante, uma única avaliação negativa pode custar algumas dezenas de clientes que deixam de visitá-lo influenciado por um comentário pouco elogioso.

Muitas das críticas, aliás, são feitas por pessoas que nem sequer comeram no café ou doceria que criticam e que apenas deram uma avaliação de 1 estrela porque discordam, digamos, da política do proprietário, como comenta Filson. "Isso pode ter efeitos catastróficos em um negócio", ela diz.

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Na semana passada, um caso ganhou repercussão no Canadá depois de um cliente visitar o restaurante Jam's Diner, em Calgary, e dar duas estrelas ao criticar o serviço lento e a falta de constância nos pratos — alguns queimados, outros crus, apontou.

A resposta do proprietário viralizou: "Nós estamos indo à falência, portanto eu espero que que você se sinta bem por essa resenha ao invés de falar conosco diretamente. Nós somos pessoas", desabafou Brad Stefaniuk.

Os robôs também detestam

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Imagem: Getty Images

Outra questão que adiciona ainda mais uma camada de polêmica ao tema vem do exatamente do fato que muitas resenhas que são publicadas por pessoas, mas por bots cujas críticas — boas e más — são geradas por inteligência artificial.

Um recente estudo coordenado na Yale School of Management demonstrou que nem mesmo pessoas treinadas para isso são capazes de identificar críticas reais das feitas pelas tecnologias inteligentes.

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Depois de alimentar uma grande quantidade de avaliações no Yelp utilizando textos feitos pelo GPT-4, a tecnologia por trás do ChatGPT, os especialistas não foram capazes de diferenciar uma coisa da outra, como explicou Balazs Kovacs, o professor de comportamento organizacional que organizou a pesquisa.

Isso significa que as resenhas feitas em redes sociais e na internet se tornaram ainda mais suspeitas do que já são. Mas pouca gente parece ligar.

Em uma pesquisa do Pew Research Center, 57% dos norte-americanos entrevistados disseram que sempre ou quase sempre leem avaliações e classificações na internet antes de comprar um produto ou serviço pela primeira vez.

Em bares e restaurantes, muitos são os donos que reportam que os clientes já chegam pedindo os pratos mais bem avaliados ou torcendo o nariz para as sugestões do garçom quando ele fala de uma receita que foi criticada nas redes.

Mais do que nunca, os restaurantes se tornaram dependentes das avaliações que fazem deles. Em alguns casos, quase reféns delas até, quando uma onda de criticas negativas toma a rede por uma semana, por exemplo, impactando duramente o fluxo.

Alguns chegam até a contra-atacar com pedidos a clientes e amigos — ou contratar empresas de bots — para limpar a imagem manchada pelos reviews, nem sempre tão reais assim.

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Em uma recente paródia sobre o tema no Instagram, um usuário explica como encontrar bom café em qualquer cidade: segundo Alex Falcone (@alexfalcone), basta buscar por uma grande quantidade de resenhas com 2 estrelas.

Isso significa, segundo ele, as "resenhas de duas estrelas são perfeitas", por significar que a pessoa teve uma boa experiência com a bebida, mas não tanto com o serviço — o que é uma piada recorrente sobre cafeterias de especialidade, cujos baristas nem parecem muito dispostos.

"Cinco estrelas são bots, as [resenhas] de uma estrela são de pessoas loucas. Três estrelas são para covardes e o dinheiro realmente acontece entre dois e quatro", defende. "Mas sempre fico com as de duas, pois costumam ser mais reais", diz.

Para Falcone, é a experiência negativa que geralmente impulsiona as pessoas a escreverem suas resenhas, mas apesar de fazerem criticas ao que não deu muito certo, elas também costumam ser muito sinceras sobre as qualidades — comida, ambiente, café.

Entre os extremos do 'amei' e do 'odiei', o melhor é tentar se deixar guiar pelo meio do caminho da sensatez, lembrando que há interesses e propósitos específicos sobre o que as pessoas escrevem nesses espaços — nunca ingênuos ou tão honestos assim.

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No melhor dos mundos, é fechar os ouvidos (e os olhos) para as opiniões alheias, sair da internet e criar suas próprias opiniões sobre um lugar. De preferência, contando com a possibilidade que ele tem de te surpreender, com ou sem estrelas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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