Rafael Tonon

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Restaurante caro serve pouca comida? Acredite, há (bom) motivo para isso

É batata: todas as vezes que posto nas minhas redes sociais a foto de um prato destes de "restaurante chique", como dizem meus amigos de infância, revirando um bocado os olhos, recebo um comentário do tipo: "só isso?".

Em um esforço de reportagem, passei pelo histórico de mensagens do meu Instagram para reler algumas reações: "depois disso, um hambúrguer", dizia um amigo.

"Uma enrolada no garfo e acabou, SOS", escreveu outro, sobre uma pequena porção de linguini com manteiga e levedura desidratada. Até minha mãe mostrou reação negativa com o tamanho de um prato que postei há algumas semanas.

Os pratos estão, sim, ficando menores — até mesmo nos restaurantes mais casuais, em que "a sugestão da casa são 4 a 5 por pessoa", como sugere o garçom em tom blasé.

Onde é que foi parar aquele caprichado prato de espaguete à bolonhesa servido nas cantinas italianas que mal nos permitia ver quem sentava à nossa frente? O que aconteceu com os pratos de pedreiro antes tão comuns?

Depois dos alimentos industriais terem perdido algum peso nas embalagens (sem que o preço tenha diminuído, é claro), agora parece que vivemos uma era de "Ozempiczação" das porções nos restaurantes. Tudo mais magrinho que o de costume.

Há motivo

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Imagem: Getty Images

Mas há uma razão para isso, defendem-se os chefs: comer menos para comer mais mais — e, muitas vezes, melhor. Pode parecer contraditório dito assim, mas há uma explicação.

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Em uma era em que se come fora mais para ter uma "experiência" do que sair satisfeito, faz sentido que restaurantes queiram mostrar mais daquilo que podem ser capazes de fazer.

O cliente vai e, em vez de comer um prato só, pode provar quatro coisas diferentes, expandir sua refeição a novos sabores, estender a visita por novos caminhos, desbravar combinações que não conhecia — e que não pediria se tivesse apenas uma oportunidade. À mesa, geralmente optamos pelo seguro.

É o que acontece nos restaurantes de alta gastronomia, em que ao invés de uma entrada, um prato e uma sobremesa, o chef propõe menus-degustação, em que pode contar sobre a cozinha que faz em muitos pequenos pratinhos.

E quando eu digo muitos, não é força de expressão: em alguns jantares, já cheguei a provar mais de 40 "momentos", em refeições que levaram algumas boas horas para terminar.

Degustar em alta

A ideia dos menus assim ganhou força na França da década de 1970, quando cozinheiros do país criaram um movimento culinário chamado de Nouvelle Cuisine (nova cozinha) defendendo pratos mais leves e delicados, com ênfase na apresentação.

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Foi a partir dessa ideia que se tornou popular chamar esses pratos menores de "pratos franceses", ou de "restaurante francês". Anos depois, foi o catalão Ferran Adrià que decidiu levar as degustações a números ainda mais elevados em seu icônico restaurante El Bulli.

Criação de Ferrán Adriá
Criação de Ferrán Adriá Imagem: Stephane Cardinale/Corbis via Getty Images

"Todos nós fazíamos menus de degustação de 10, 12 pratos, e ele de repente começou a fazer 20, 20 e poucos", diz o chef Juan Mari Arzak no documentário Las Huellas de elBulli.

Adrià mostrou que snacks e pratos muito conceituais também tinham um lugar em restaurantes, e podiam ser incluídos na experiência que os clientes pudessem ter no restaurante. Muitos deles se tratavam apenas de uma colherada literalmente, ou um bocado de uma dentada só — que se tornaram mais comuns hoje.

Mas o que parece pouco nem sempre é. Porque a comida é, sobretudo, proporção.

Nos pratos da alta gastronomia, essa regra se aplica ainda mais — até porque muitos dos ingredientes têm sabores muito potentes, e comê-los em grandes quantidades não seria prazeroso para nosso paladar.

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Fartura não é tudo

Outra questão é a possibilidade que os chefs têm de trabalhar com ingredientes de maior qualidade, ou até mesmo difíceis de conseguir.

Ao reduzir a quantidade que serve de um delicado ouriço do mar em um prato, por exemplo, um cozinheiro pode dividi-lo em um maior número de clientes, permitindo mais pessoas provarem um pouco do que seja da iguaria.

Isso não significa que se coma menos, entretanto. Em uma refeição substanciosa, a média consumida por um homem adulto é de 500g por refeição — para a mulher a quantidade é de cerca de 400g. Isso é muita comida, claro.

No Brasil, estivemos sempre acostumados com a fartura à mesa, onde comida só é comida se houver porções generosas de tudo, principalmente bem acompanhados de muito arroz, muito feijão, etc.

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Imagem: Getty Images/iStockphoto
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Esse sempre foi o padrão da classe média, antes de aprofundarmos a ideia de comer fora. Aos poucos, aprendemos que pão, entrada, prato principal e sobremesa nem sempre precisa ser a única forma de comer.

Num país em que nos restaurantes mais populares paga-se e come-se quanto quiser por quilo e rodízios de todos os tipos, fomos acostumados com a quantidade em detrimento da qualidade. E fartura não é tudo na hora de comer.

Nestes novos restaurantes de pequenos pratos, os 20-e-tantos momentos podem significar muito mais comida que um prato feito daqueles de restaurante tradicional, ainda que a percepção, pela quantidade ser servida em pequenas porções e por mais tempo, é que não se comeu tanto.

Mas são raras as vezes que saio de um restaurante com o desejo de parar na hamburgueria mais próxima. Na maioria das vezes, vou embora com dificuldade de manter a barriga restrita à circunferência da calça e pedindo por um antiácido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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