Rafael Tonon

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Opinião

Por que tantos restaurantes estão fechando? Crise é só uma das respostas

Quem acompanha com certa frequência o setor da gastronomia já deve ter notado: a cada dia uma nova notícia sobre o fechamento de um restaurante chega às páginas dos jornais ou aos posts em redes sociais.

São restaurantes com estrelas Michelin em Berlim, casas de comida tradicional no Centro de Lisboa, um boteco da vida inteira numa esquina do Rio de Janeiro. Nova York, Auckland, Bangkok, São Paulo.

É um terremoto que atingiu todo o segmento globalmente, mas que faz ruir alguns projetos — enquanto há quem celebre mesas lotadas, reservas com meses de antecedência.

A maré não anda boa para os empreendimentos da gastronomia: primeiro, porque os preços dos alimentos ficaram mais caros, assim como as contas em geral (água, luz e gás). E repassar o valor aos clientes pode ser um tiro no pé.

Claro que a inflação destruiu os restaurantes. Há pesquisas que apontam que os preços a pagar por parte deles aumentou quase 25% nas contas do mês. Os valores de certos ingredientes básicos disparou.

Mas quando o preço de determinados pratos duplica ou triplica — ou quando as porções diminuem — é difícil ver o aumento como algo que não tenha um certo oportunismo.

Principalmente porque, mesmo indo menos a restaurantes — o fluxo em geral diminuiu; só em setembro, o volume de vendas do setor de bares e restaurantes brasileiros caiu 4%, segundo o Índice Abrasel Stone —, a percepção é que se gasta mais ainda ao sair para jantar fora, o que tem feito muita gente reduzir os pedidos.

Ou ter que escolher ainda mais entre um restaurante e outro, o que significa que alguns estão a amargar a falta de clientes em dias que deveriam estar apinhados de gente.

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Imagem: Getty Images
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Os dois lados do balcão

Os restaurantes vivem tempos de oscilações e as nossas contas inflacionadas (tanto na geladeira quanto no final do jantar) podem ter nos empurrado nessas direções extremamente divergentes.

Em meio às reclamações sobre o custo de comer fora, surgiu uma reavaliação pessoal do que queremos de uma visita a um restaurante — o que ganhamos com a experiência e quanto isso realmente vale. Em tempos de apertar os cintos, tudo o que não é necessário passa a ser questionado.

Nós, clientes, ficamos mais seletivos, pensamos melhor onde investir nosso limitado dinheiro e queremos, assim, que uma saída valha mais como "um programa" do que apenas uma refeição. Jantamos fora menos do que costumávamos — e provavelmente menos do que gostaríamos.

Do outro lado do balcão, a situação cria uma pressão e um descontentamento enorme por parte dos donos de restaurantes e chefs que, principalmente depois da pandemia, passaram a questionar o modelo de seus negócios.

Ou até se querem, de fato, se dedicar a eles da mesma maneira: trabalhar muito e incansavelmente, passar horas de pé e longe de suas famílias, ganhar menos do que a rotina e o esforço deveriam.

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Sucesso para quem?

Em um artigo publicado na semana passada no The New York Times, o escritor e ex-crítico gastronômico Frank Bruni relata um fenômeno recente entre chefs e cozinheiros.

Muitos encontraram caminhos alternativos em busca de reconhecimento e sucesso profissional. "Nos últimos anos, eles [os chefs] viram os restaurantes se tornarem mais difíceis e caros de operar, enquanto o mundo da comida se diversificou e apresentou novas rotas a serem exploradas", escreveu.

Para Bruni, "há muitas saídas criativas, empregos lucrativos e oportunidades de se conectar com entusiastas da comida muito além dos restaurantes". Muitos dos chefs relatam, claro, qualidade de vida e cuidados com saúde mental como fatores decisivos.

Foi uma notícia bombástica no setor de restauração espanhola quando o chef Dani García anunciou o fechamento de seu restaurante homônimo em 2019, justamente depois de alcançar a terceira estrela Michelin — o Olimpo da gastronomia onde quase todos os chefs sonham em chegar um dia e que pouquíssimos ascendem.

Na época, em uma entrevista que fiz com ele, ele se dizia "cansado do mundo da alta cozinha", que exige uma pressão enorme por excelência, trabalhos inesgotáveis e uma expectativa "quase inalcançável". Muitos seguiram o mesmo caminho no decorrer dos anos.

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Com a ressaca da pandemia, depois de terem redescoberto o prazer de estarem em casa mais tranquilos com suas famílias, os chefs (como antes os garçons e profissionais da sala) passaram a questionar se fazia sentido voltar para as suas rotinas de trabalho exaustivas.

Somaram-se a isso, claro, fatores econômicos, especialmente no atual mercado em que o dinheiro e o esforço necessários para fazer um restaurante decolar e mantê-lo no azul desencorajam muitos cozinheiros de sequer tentar.

A matemática sempre pesou contra os restaurantes. Dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), apontam que 8 em cada dez restaurantes no Brasil fecham nos dois primeiros anos.

Passar dos 5 anos, ainda mais, é um objetivo alcançável para poucos — o que explica o fato de poucos restaurantes ficarem antigos.

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Imagem: Getty Images/Bloomberg Creative

Preço das estrelas

Um recente estudo recente publicado no Strategic Management Journal, Déa conta que os restaurantes que recebem estrelas do guia Michelin — o mais cobiçado da gastronomia — têm ainda mais probabilidade de fechar.

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Pesquisadores da Escola de Administração da University College London (UCL) rastrearam restaurantes de Nova York muito bem avaliados que abriram entre 2000 e 2014.

Eles descobriram que aqueles que ganharam uma estrela Michelin tinham mais chances de fechar do que aqueles que não ganharam — mesmo considerando a localização, o preço e o tipo de culinária.

No final de 2019, 40% dos restaurantes premiados com estrelas Michelin de 2005 a 2014 haviam fechado. A fama, ao que parece, é mesmo efêmera.

Novos rumos

É sobre isso que pensam os chefs e empresários hoje: vale mais um reconhcimeto imediato e passageiro, ou investir em uma carreira mais longeva e bem-sucedida, ainda que longe das cozinhas profissionais.

Os caminhos são muitos e mais diversos hoje do que passar horas e dias a preparar os mesmos pratos de novo e de novo.

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Entre projetos pop-up e escrever livros, apresentar programas e criar canais no YouTube, os chefs buscam novas alternativas — amparados pelas redes sociais ou guiados por seus objetivos pessoais.

Querem provar, afinal, que há vida além dos restaurantes. O fechamento de muitos deles pode representar algumas histórias que terminam, nem sempre com final feliz.

Mas ao mesmo tempo indicam novos rumos e possibilidades para muitos profissionais do setor que sabem que suas vidas não precisam se resumir as paredes coberturas de ajulezo de uma cozinha com investimentos milionários.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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