Rafael Tonon

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Opinião

'FBI' à mesa: evitar clientes-problema faz parte da rotina dos restaurantes

Em tempos de internet e redes sociais, são poucos os restaurantes gastronômicos que não fazem uma minuciosa pesquisa sobre os nomes de seus clientes antes deles chegarem para o jantar.

A ideia primordial é personalizar a experiência: saber os gostos pessoais, se trata-se de uma ocasião especial ou até quais países o cliente visitou. Assim, podem adaptar pratos ou até mesmo o serviço para tornar a visita ainda mais especial.

Tenho um amigo que foi a um desses restaurantes inovadores e recebeu um prato que era uma homenagem ao cão dele, que tinha falecido. Ele até chorou à mesa.

Críticos de internet a sumidos

Mas as informações nas redes podem indicar também maus comportamentos, e os restaurantes criaram uma espécie de "FBI" gastronômico para prever clientes-problema, numa ideia de fazer gestão de crises antes da bomba estourar no meio do serviço.

A pesquisa envolve não só as redes sociais do cliente, mas também a verificação de plataformas como Yelp e TripAdvisor para identificar potenciais situações ruins antes que elas se desenrolem — ou pelo menos evitar que aconteçam novamente.

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Imagem: Getty Images

Se o cliente sempre vai às redes fazer críticas negativas aos restaurantes que frequenta, por exemplo, o alerta vermelho soa, e estratégias são montadas para evitar problemas durante a refeição — ou até mesmo depois dela, já que muitos desses "críticos digitais" se manifestam publicamente apenas após a experiência.

Há atenção especial a usuários que escrevem apenas avaliações negativas ou àqueles que frequentemente atacam os funcionários do restaurante. Mais do que preferências de vinhos, as listas também contêm nomes que devem ser evitados.

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Um grupo particularmente visado pelos restaurantes é o de pessoas que fazem reservas e não aparecem — os chamados "no show". Na maioria das vezes, são clientes que fazem reservas em dois ou três restaurantes para, no dia, decidirem onde ir — e esquecem de ligar para os restaurantes e cancelar suas reservas.

Como alguns clientes têm esse comportamento recorrentemente em vários estabelecimentos, chefs chegam a criar grupos com os nomes para evitar cair na estratégia de novo. Identificados os reincidentes, suas reservas podem ser negadas antecipadamente.

O problema é tão sério para o faturamento dos restaurantes — no caso dos menores, por exemplo, uma mesa maior que não comparece pode representar um terço da receita da noite — que chefs já até criaram uma lista negra com o nome de clientes que fazem isso com frequência.

Os nomes são compartilhados em grupos de WhatsApp em documentos acessíveis para consulta — assim, o espertinho que reserva e não aparece não consegue mais marcar mesa.

Jogo de cintura

O problema maior, entretanto, surge quando o cliente-problema já está sentado à mesa. O cliente aparece e causa situações constrangedoras para os outros e, principalmente, para a equipe de serviço, que precisa lidar com a situação de forma discreta.

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Em um texto publicado nesta semana no Eater (em inglês), o escritor Timothy DePeugh compartilhou uma refeição recente que teve no restaurante Alinea, em Chicago, que ilustra bem o tipo de desafio que maîtres e donos de restaurantes gostariam de evitar.

Grant Achatz, do Alinea, em foto de 2015
Grant Achatz, do Alinea, em foto de 2015 Imagem: Melina Mara/The Washington Post via Getty Images

Um grupo de seis pessoas chegou atrasado para o menu degustação e, além de falar alto durante toda a refeição, um de seus componentes fez uma piada antissemita para quem quisesse ouvir.

O clima pesou e os outros clientes ficaram visivelmente incomodados com a presença deles ali. DePeugh percebeu que o serviço na mesa deles passou a ficar ligeiramente mais rápido e, em determinado momento, eles foram convidados para visitar a cozinha.

A ideia era tirar os clientes dali nem que fosse por alguns minutos. Além disso, uma visita exclusiva podia ser vista como algo especial, transformando a ação em algo positivo e menos desconfortável.

"É realmente triste que os adultos ajam dessa forma, mas isso acontece bastante", desabafou na reportagem o chef Grant Achatz, um dos proprietários do Alinea.

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Expulsos "no amor"

Em restaurantes — principalmente os mais sofisticados — ninguém vai ser expulso aos gritos ou retirado pelo colarinho bem engomado da camisa. Por isso, a equipe de salão precisa estar muito bem treinada para lidar com essas situações.

No fundo, vale sempre mais a cordialidade e o sorriso no rosto para evitar momentos ainda mais embaraçosos. Ou tentar superá-los com o máximo de diplomacia — afinal, hospitalidade é um equilíbrio entre oferecer uma experiência impecável e gerenciar conflitos.

Mas a melhor arma, defendem alguns chefs e donos de restaurantes, é tentar identificar esses clientes antes que eles apareçam.

Nem sempre dá para negar uma reserva ou impedir que se peça uma mesa para sentar e comer. Mas uma pesquisa pode deixar todo mundo preparado para situações assim, minimizando o risco de surpresas desagradáveis.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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