50 Best: 'Churrascaria de bairro' pode mesmo ser o restaurante latino n°1?
Na noite de terça (26), em uma cerimônia realizada no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, a churrascaria argentina Don Julio voltou ao topo da gastronomia da América Latina ao ser eleita, pela segunda vez, o melhor restaurante do continente.
O anúncio surpreendeu alguns presentes, que apostavam em outros restaurantes para alcançar o topo do ranking dos Latin America's 50 Best Restaurants, a mais influente lista da gastronomia do mundo. Mas deu Don Julio. E deu polêmica.
Nas redes sociais, a repercussão da notícia gerou comentários diversos, mas o mais recorrente foi o fato de muita gente questionar como pode uma "churrascaria de bairro", como escreveu alguém no Instagram, ser o melhor restaurante do continente.
Nem precisamos entrar na seara da discussão sobre o que é ser "o melhor": na gastronomia, que não é uma ciência exata, medida por parâmetros objetivos, esse conceito é uma falácia. Sabemos disso.
"O melhor" é uma ideia relativa e reducionista, impossível de ser alcançada quando comparamos parâmetros, conceitos e pratos diferentes. Todos concordamos com isso (ou não?).
É impossível dizer que o X é melhor que o Y se não há condições de analisá-los de forma técnica, prática, em paridade, sob os mesmos critérios.
Mas o comentário (de que uma churrascaria não poderia estar entre os melhores) soa pedante — e até um pouco preconceituoso.
Porque o que determina a qualidade de um restaurante não é o que ele serve, mas como faz. O cuidado com os ingredientes, a coordenação do serviço, o respeito ao cliente que o visita: tudo isso importa.
Há excelência
Nesse sentido, o Don Julio poderia, sim, ser um dos melhores restaurantes da Argentina — senão da América Latina. Eles fazem parcerias ou criam muitos dos animais que depois servem na parrilla de 10 metros quadrados montada no fundo do salão.
As vacas das raças Aberdeen Angus e Hereford usadas nos cortes do menu são alimentadas apenas com capim, garantindo a qualidade dos bifes, e todas as linguiças são feitas na casa.
Os vegetais são cultivados organicamente em fazendas próprias, e a adega de vinhos conta com 14 mil garrafas de rótulos argentinos — alguns deles bastante raros ou de safras especiais.
Ou seja, atributos para estar no topo não faltam. Mas pesa a ideia de que o melhor, na maioria das vezes, significa ser mais sofisticado, mais "alta cozinha".
Honraria democrática
Como um restaurante que serve apenas uns nacos de carne grelhados poderia ser melhor que outro que elabora menus degustação mais inovadores? Ou que usa ingredientes raros?
Qualidade não é sinônimo de arrojo ou criatividade. Se partimos da ideia de que seria impossível determinar o melhor, essa simples premissa já abriria espaço para todos competirem.
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Quero receberPesem as críticas aos 50 Best (a falta de mais representatividade, o lobby feito pelos restaurantes para alcançarem o topo, etc.), há de se reconhecer que é uma lista democrática.
Ela permite que estejam no mesmo ranking A Casa do Porco, um bar casual no Centro de São Paulo, e o Maní, da chef (e apresentadora do MasterChef) Helena Rizzo, que tem uma cozinha sofisticada e uma estrela Michelin.
Há, entre os selecionados pelo mundo (as listas têm versões globais, mas também regionais, como Ásia e América Latina), restaurantes que servem comida de rua e outros que usam toalhas de linho branco engomadas diariamente para receber cerâmicas caras e talheres de prata.
Isso nos lembra que a gastronomia é diversa e desconhece limites — ela abarca conceitos vastos e diferentes para aplacar todas as fomes e desejos. E representar todas as opiniões e subjetividades, se assim quisermos.
Uma churrascaria pode, sim, ser melhor que um restaurante que serve magret de pato com redução de vinho do Porto. Assim como uma coxinha pode ser melhor que um prato de massa com trufas do Piemonte.
Podemos, sempre, discutir a qualidade e os parâmetros para avaliá-la. Mas diminuir um restaurante pelo tipo de cozinha que ele serve é pior do que tentar dizer que ele é efetivamente melhor que todos os outros.
Talvez seja isso que devêssemos comemorar: a possibilidade de a gastronomia transcender rótulos e paradigmas, permitindo que cada tipo de cozinha tenha seu lugar à mesa — seja uma churrascaria de bairro, seja um restaurante estrelado.
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