Rafael Tonon

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Opinião

Perseguição a imigrantes apavora restaurantes: 'Por favor, não nos dedurem'

Mal o presidente Donald Trump assumiu e o pânico já se instalou para parte da população dos Estados Unidos: trabalhadores que não têm ido ao trabalho por medo de serem presos, mães que deixaram de mandar seus filhos para a escola com receio de deportações.

A razão é a ofensiva antimigratória da administração Trump que promete reprimir e extraditar estrangeiros sem documentos no país. Uma espécie de Inquisição moderna contra imigrantes.

Um dos setores mais afetados é o dos restaurantes: muitos deles reportaram que não puderam abrir as portas na semana passada por falta de pessoal. O trabalho imigrante, tanto autorizado quanto não autorizado, é essencial para esse tipo de negócio no país.

Entre todos os funcionários que atuam no setor, o número de imigrantes é de 21%, segundo a Associação Nacional de Restaurantes. Mas a cifra parece longe do real, se pensarmos que ela só engloba aqueles que estão legalizados. Faltaria incluir os que não têm documentos, que são maioria.

Muitos donos de restaurantes estavam relutantes em falar com as autoridades do Serviço de Controle de Imigração (ICE, sigla em inglês) temendo que seus negócios e trabalhadores pudessem ser afetados.

Uma reportagem do New York Times deu conta de que numa cozinha de um restaurante famoso de Chicago, um bilhete na parede indicava o tamanho da preocupação por parte de muitos funcionários.

"Não deixe o ICE entrar no prédio!", dizia o recado, escrito à mão. "E nada de dedurar!", pedia, em solidariedade aos companheiros ilegais.

Muitos chefs e empresários contratam advogados especializados em imigração e tiveram que reunir seus funcionários para explicar a situação e seus direitos — uma forma de tentar reverter o pânico.

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Poster convoca protesto contra medidas anti-imigrantes em comunidades em Chicago
Poster convoca protesto contra medidas anti-imigrantes em comunidades em Chicago Imagem: Scott Olson/Getty Images

De Chicago a São Paulo

Nos EUA, assim como um pouco por todo o mundo, muitos restaurantes também são geridos por imigrantes — que oferecem trabalho a seus conterrâneos que chegam para tentar uma nova vida.

O setor gastronômico atrai imigrantes por ser uma das poucas áreas que não exige o domínio imediato do idioma local ou qualificações rígidas, como certificados.

Enquanto profissões como enfermagem ou motoristas de transporte têm barreiras mais altas, cozinhar e vender comida permite uma integração mais rápida. Afinal, a comida é uma linguagem universal que atravessa fronteiras.

Em São Paulo, por exemplo, os restaurantes abertos por imigrantes ajudam a contar a história da cidade: muitos dos mais antigos foram fundados por pessoas fugindo de crises e guerras.

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Esses estabelecimentos começaram servindo comida para suas comunidades, mas logo caíram no gosto dos moradores locais, moldando a identidade gastronômica da cidade.

Quibes ao lado de coxinhas em balcões de padarias e pastéis dividindo espaço com temakis são apenas alguns exemplos de como a imigração redefine a culinária local.

Hoje, muitos dos restaurantes italianos, libaneses, japoneses e sírios que conhecemos nasceram dessa tradição, que continua a se renovar.

É uma questão de números: 41% dos restaurantes dos EUA são geridos por minorias étnicas, segundo uma detalhada pesquisa feita pela escola Escoffier — contra 30% na representação de outros setores. Há mais imigrantes gerindo restaurantes que lojas e outros comércios, por exemplo.

Os asiáticos superam qualquer número nesse sentido: se comparados também a outros segmentos do serviço no país, estão super representados em mais de 196%.

É um número estarrecedor para pensarmos que, sem imigração, não há restauração. Na América, na Europa, e até mesmo em países asiáticos, não poderíamos sair para comer se não fosse o trabalho ou o empreendedorismo dos imigrantes.

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Little Village, em Chicago
Little Village, em Chicago Imagem: Scott Olson/Getty Images

Consciência do comensal

Nas reportagens dos jornais e nas conversas de amantes da gastronomia, fala-se sobre a importância da diversidade de ingredientes, de receitas, o que é sempre válido.

No entanto, pouco se discute o fator humano por trás da gastronomia. Falamos sobre pratos, menus e serviços, mas raramente reconhecemos a força de trabalho que sustenta o setor, reduzida a estatísticas ou ao rótulo de "mão de obra".

Mas fechamos os olhos para a diversidade de negócios — e de empresários e pessoal — que é preciso ter para um segmento de alimentação mais diverso e próspero.

Por isso, na próxima vez que for sair para jantar fora, talvez valesse levar esse tema em consideração: buscar aquele restaurante aberto por imigrantes no bairro que nunca visitou.

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Mais do que oferecer pratos, os restaurantes geridos por imigrantes representam resiliência, inovação e a rica troca cultural que define a gastronomia.

Reconhecê-los e valorizá-los é uma forma de preservar a diversidade que torna nossas cidades mais vibrantes — e nossas mesas, mais ricas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

236 comentários

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Helio Hissao Shinsato

Muitos dos brasileiros que migraram para os EUA e conseguiram a cidadania votaram no candidato neo-n., e apoiam a expulsão de quem ainda não foi legalizado. Eles viraram americanos e sentem-se integrados... Só que o neo-n. dos EUA não os considera brancos. Os neo-n. que foram daqui para lá e apoiam Bozo e Tramp também serão alvo dos neo-n. Talvez tenham que usar uma ‘estrela’ na roupa, como na Alemanha dos anos 30...

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Alexandre Kise

Impressiona a similaridade com o que aconteceu na Europa em 1939. 

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Francisco Antonio da Silva

Quem semeia ventos colhe tempestades. Um deles, o Bozo,  está próximo de ir pra cadeia. O outro poderoso difícil de prever o que vai com ele. A única certeza é de que não será nada bom.

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