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Negroni Sbagliato: conhecemos o bar onde nasceu este drinque que viralizou

Negroni Sbagliato do Bar Basso, em Milão - Juliana Simon/UOL
Negroni Sbagliato do Bar Basso, em Milão
Imagem: Juliana Simon/UOL

Editora e colunista de Nossa*

25/11/2022 04h00

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"A negroni... sbagliato...with prosecco".

Emma D'Arcy, de "House Of Dragon" (HBO), pode se orgulhar de alguns grandes feitos nas telinhas, mas um deles está no mundo dos coquetéis.

Com a frase acima, entoada lentamente, um drinque quase ofuscado pelo parente mais famoso voltou a ficar em evidência — e desponta como um dos mais buscados do Google.

O vídeo viralizou há cerca de um mês, mas o Negroni Sbagliato tem mais de 50 anos de história, desde que foi criado no Bar Basso, de Milão — e foi ele que explorei bebericando, claro, um exemplar originalíssimo da receita.

Mas por que Sbagliato?

Mirko Stocchetto - Reprodução - Reprodução
Mirko Stocchetto
Imagem: Reprodução

Em italiano, "sbagliato" significa errado e foi assim que o barman Mirko Stocchetto batizou seu Negroni nada tradicional, em 1972.

Ao invés do gin, que compõe a receita do "primo de Florença" criado em 1919 e cuja história você já viu aqui no Siga o Copo, a versão de Mirko leva espumante (mais propriamente, prosecco, como cita sensualmente D'Arcy).

Falecido em 2016, aos 86 anos, Mirko viu sua invenção tornar-se bastante popular na Europa, mas não a viu como uma verdadeira "febre mundial", em tempos ágeis das redes sociais.

A Meca do Negroni "errado"

Fachada do Bar Basso, em Milão - Jwslubbock  - Jwslubbock
Fachada do Bar Basso, em Milão
Imagem: Jwslubbock

Quem passa em frente ao Bar Basso não imagina que ele foi centro de uma estrondosa invenção. Trata-se de um bar numa esquina movimentada de uma área pouco turística da cidade italiana. A fachada é um letreiro em letra cursiva de neon, com cadeiras de madeira que cercam as duas portas de entrada.

Lá dentro, um mergulho para outros tempos (talvez da década de 40, quando ele foi aberto e recebia uma legião de artistas e arquitetos locais). Seja no balcão de época, que parece nunca ter mudado, ou no enorme lustre que ilumina com dificuldade o ambiente.

Ambiente do Bar Basso, em Milão - Juliana Simon/UOL - Juliana Simon/UOL
Imagem: Juliana Simon/UOL
Ambiente do Bar Basso, em Milão - Juliana Simon/UOL - Juliana Simon/UOL
Imagem: Juliana Simon/UOL

Pudera: aberto em outro espaço como uma osteria em 1933, renasceu no endereço da Via Plinio no pós-guerra, em 1947.

A carta revela umas boas centenas de opções e combinações (segundo a dona, mais de 500). E não é só o Negroni Sbagliato que parece ter sido criado por lá. Mirko também seria o "pai" do Rossini — variante do Bellini, que leva morangos no lugar de pêssego —, uma homenagem a ao compositor de óperas (outra marca milanesa) Gioachino Rossini.

Quase famosos

A reportagem chegou ao local por volta das 14h de uma quarta-feira e o movimento nem de longe faria desconfiar a fama local: numa mesa um encontro de amigos que tomavam vinho, na outra, a jornalista que tentava arrancar um sorriso de Giorgio, um senhor garçom que há 50 anos está por lá, ao perguntar se era mesmo lá o lugar que inventaram o "drinque do momento".

A resposta foi um estrondoso... muxoxo.

Guardanapo do Bar Basso, em Milão - Juliana Simon/UOL - Juliana Simon/UOL
Guardanapo do Bar Basso, em Milão
Imagem: Juliana Simon/UOL

O drinque, pelo menos, estava a perfeição e foi executado pelo jovem Angelo com tamanha rapidez que não deu tempo de sacar o celular e implorar por um vídeo — não que ele estivesse também lá tão disposto. Aqui uma coisa que se aprende sobre Milão: lá ninguém está afim de fazer um grande auê para turistas. E eu respeito isso.

Achou o copo curioso? Sim, outra marca desse lugar. Nos anos 80, Mirko inventou e patenteou esse cálice giga que abriga a santíssima bebida. O gelo normal? Não vai ser nesse bar histórico, mas "zero hipsteria", que você vai encontrar aquele gelo quadrado e límpido, fetiche de barman.

Negroni Sbagliato do Bar Basso, em Milão - Juliana Simon/UOL - Juliana Simon/UOL
Negroni Sbagliato do Bar Basso, em Milão
Imagem: Juliana Simon/UOL

Entre goles do Sbagliato, é possível observar a diminuta cozinha que produz um pequeno cardápio — de um chef só, o Fabio. A pedida do dia era um salmão grelhado com salada — não exatamente mlianês, como a cotoletta ou o risoto, mas aqui o destaque é mesmo se sentir no bar do bairro.

Nas paredes são incontáveis os recortes de jornais antigos, de placas e prêmios, de fotos que revelam que o lugar era mesmo um ponto de encontro dos mais agitados a qualquer hora do dia.

No presente, porém, é um tanto complicado pedir autorização para fazer fotos e vídeos do local sem te olharem com uma cara de "mas o que diabos você quer?" e deixarem apenas porque nem eles estão muito afim de falar em inglês, nem você tão preparada para discursar em italiano. Isso até você dar cartaz de que amou tudo e ganhar um sorriso carinhoso da caixa Roberta.

O bar do bairro Cittá Studi talvez queira mesmo ser aquela joia intocável, que não se deixa levar pelas modernidades, pela ilusão de fama mundial ou pela voz inebriante que repete em memes "Negroni... sbagliato.. with prosecco".

* A jornalista viajou a Milão a convite da Pirelli