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Marquezine mixologista? A profissão que a gigante da vodca não reconheceu

Bruna Marquezine em campanha da Absolut - Reprodução/Instagram
Bruna Marquezine em campanha da Absolut Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista e editora de Nossa

23/05/2023 04h00

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Não bastasse perder seu maior mestre (rest in power, Derivan), a mixologia brasileira ainda foi baqueada por mais um episódio triste na semana passada.

Em posts publicados na quinta 18, Dia Nacional da Coquetelaria, chamou atenção na campanha "O Mundo dos Coquetéis de Absolut, Born To Mix" da vodca Absolut, veiculada desde o começo do ano, como o texto se refere à sua embaixadora, a atriz Bruna Marquezine, como sua mixologista — assim mesmo, sem aspas.

Se não houve barulho no post do Instagram de 14 de fevereiro e no vídeo disponibilizado em 1° de fevereiro deste ano, desta vez, a reação dos profissionais dos drinques foi imediata, como é possível ver nos comentários dos posts da semana passada.

Questionada, a marca se justificou nas redes sociais e afirmou que se tratava de uma abordagem "lúdica" (print abaixo) em resposta relegada ao campo de comentários, com muito menos destaque que a campanha alvo das reclamações, obviamente.

Bruna Marquezine em campanha da Absolut - com resposta - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Procurada pela coluna no sábado (20) de manhã, a comunicação da marca enviou seu pronunciamento oficial na noite desta segunda (22). Segue na íntegra:

"Absolut expressa seu respeito e valorização pela comunidade de mixologistas e bartenders, pedindo desculpas àqueles que se sentiram ofendidos pela nossa recente campanha "O Mundo dos Coquetéis de Absolut, Born To Mix". Como uma marca com mais de 100 anos de existência, reiteramos nossa admiração pelos verdadeiros embaixadores do setor de destilados.

A campanha, uma iniciativa global, convida todos os públicos para o mundo da mixologia, utilizando personagens que simbolizam diferentes coquetéis.

Sabemos que a mixologia é uma área em crescimento no Brasil e nos orgulhamos de contribuir para essa trajetória. Apreciamos o debate gerado em torno da campanha, pois valorizamos a diversidade de opiniões e acreditamos que é por meio dessas conversas que construímos um mundo melhor. Pretendemos envolver ainda mais os profissionais do setor na elaboração de nossas campanhas, fortalecendo a conexão de Absolut com a comunidade de mixologia e bartenders."

Por que incomoda

Imagine você, em sua profissão, qualquer que seja ela, ser "substituído" em uma campanha grande de uma marca enorme por alguém de um outro métier, muito diferente do seu, que não estudou para fazer o que você faz, que não ralou no seu campo de atuação e que não domina seu ofício? Revoltante ou não?

Nada contra a atriz e esta coluna quer deixar claríssimo esse ponto. Em tempos de relevância em redes sociais, é nada além de natural nomear embaixadores e unir a figura da marca a um rosto famoso, descolado ou o que for a persona desejada. E esse papel ninguém discute.

Porém, dentre os muitos talentos de Bruna, não há conhecimento público de que estes incluam conhecimento sobre a alquimia das bebidas, ou a produção de combinações, ou a hospitalidade ou anos de perrengues atrás dos balcões, certo? Imagina o contrário: um mixologista "atacar de ator" em um filme da Bruna, por exemplo. No mínimo, doloroso, não atrizes e atores?

Mixologista - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Poderia ela, ainda que de forma "lúdica", ser chamada de mixologista? Absolut, com anos de bagagem e público amplo, não enxergou como o termo foi banalizado na campanha?

Ainda sabemos tão pouco sobre este mundo que pareça simplesmente "misturar umas bebidas aí"? Não poderia o papel de embaixadora de Bruna, sua fama e seus talentos serem aproveitados para, ao lado de mixologistas, apresentar o universo atrás da tacinha que chega linda no balcão do bar?

Por ora, a Absolut errou a primeira vez, lá no início da campanha, por não estar sensível à profissão mixologista e, diante dos comentários de profissionais que consomem e promovem a gigante da vodca todos os dias, errou de novo ao insistir na "abordagem lúdica" para uma realidade de mais sangue e suor que propriamente sonho.

p.s - tchau, cerveja: uma explicação do Siga o Copo

Um parêntese enorme para quem acompanha a coluna e sentiu saudades.

A minha função aqui sempre foi contar que por trás de cada copo, há gente e história.

O Siga o Copo nasceu como um blog de mulheres na cerveja (afinal, primeira "casinha" foi Universa). Ampliou a conversa para cerveja para todo mundo. E, na pandemia, quebrou a cara, se decepcionou e largou mão.

(E isso não é papo de homem falando que largou o universo artesanal pela misoginia. Nunca vi barbado hétero branco ser questionado nesse mundo. Mas enfim).

Uma mestra do mundo das cervejas disse a essa autora que achava bom que eu tivesse amenizado o tom ultimamente e que tivesse escrevendo menos com o fígado. Com todo amor e respeito a ela e ao carinhoso comentário, se eu não escrever com ele, não tem motivo para esse espaço existir.

Para mim, a cerveja, no momento, está estritamente no campo do hedonismo: sem pensar, cheirar o copinho e cerrar os dentes atrás de espalhar a cultura da bebida.

Pode ser que semana que vem eu mude de ideia e agregue tudo o que ocupar a vontade — afinal, você, leitor, pode querer seguir até o copo de leite. Por enquanto, vamos aos drinques, aos vinhos, ao que mais aparecer. A cerveja pede descanso.

*Trilha sugerida de harmonização com essa coluna: Don't Let Me Be Misunderstood, com Nina Simone

Quem quiser bater um papinho, sou a @sigaocopo no Instagram.