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Reportagem

Certinho ou ousado, Martini é viagem a passado e futuro dos drinques

Quem viu "Meia Noite em Paris", de Woody Allen, terminou o filme pensando "para qual época e lugar do mundo eu me transportaria?". Aos que assistiram ao primeiro episódio do reality "Shaking The Bar", a nostalgia de um dos concorrentes foi rebatida com um "o melhor da coquetelaria é agora".

Eu fico no meio do caminho quando o assunto é bebida: adoro ter em mãos um clássico, a receita original, a atmosfera de outros tempos - e a bendita historinha por trás de cada pedaço do drinque. Mas me encanto com quem sabe a cartilha e, com propriedade, dá suas próprias tintas e pinceladas.

E pode notar nas cartas de drinques dos bons bares por aí: o Martini se encaixa nesses dois mundos e leva entusiastas e neófitos para o balcão, ora como obra de arte intocável, ora como tela em branco.

O clássico democrático

A história do Martini começa no final do século 19, quando o vermute revolucionou a coquetelaria e gerou a trindade clássica Manhattan x Rob Roy e, claro, Martini.

Este ingrediente "essencial" deu, antes de tudo, origem ao Martinez, com base de Old Tom gim, e foi "secando" (dry) com gim e vermute secos e virando o Dry Martini - que já era coquetel mais popular da fervilhante Nova York na primeira década dos 1900 e pré-Lei Seca.

A proporção de vermute pra gim é muito diferente do que a gente tá acostumado a beber hoje. A brincadeira era que se passasse com uma garrafa de vermute ao lado do gim gelado, o drinque estava feito, conta Caio Carvalhaes, head bartender de Tan Tan, Kotori e The Liquor Store (São Paulo).

A variedade de proporções experimentada ao longo dos anos e tendências hoje oferece uma gama democrática aos bebedores.

"O que a gente propõe na Liquor é um caminho para falar um pouco sobre possibilidades do Dry: diferentes vermutes e proporções que geram diferentes coquetéis", conta sobre a trilha de Martinis oferecida no cocktail bar que comporta apenas 10 sortudos por vez.

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A brincadeira das proporções também é marca do Locale Café (São Paulo), que oferece desde o 1-1 ao apenas com gotas de vermute e a versão mais servida mundo afora, com 5 partes de gin para 1 de vermute.

Isso possibilita que todos tenham um Martini de seu agrado, daqueles que estão mais habituados com o cocktail aos que querem conhecer de forma menos intensa e serem introduzidos de forma gradual ao Dry Martini, aponta Nicholas Fullen, um dos sócios do Grupo Locale.

Martin Miller's Dry Martini, do Caledonia Whisky & Co.: azeitona, cebolinha ou alcaparrão?
Martin Miller's Dry Martini, do Caledonia Whisky & Co.: azeitona, cebolinha ou alcaparrão? Imagem: Maurício Porto

As variações do clássico também estão nas guarnições, como as clássicas azeitonas, cebolinhas, limão e salmoura de azeitonas (Dirty <3). A escolha aqui é gosto e ocasião - ora mais seco e tradicional, ora mais inovador e ousado.

Mexido ou batido? Gelado

Na cultura pop, o clássico desfilou nas telonas, aparecendo em "A Ceia dos Acusados", "A Malvada" e na icônica cena de "High Society", em que Frank Sinatra e Bing Crosby preparam um martini (o ápice da elegância):

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Mas foi mesmo o eterno 007, James Bond, que deu um nó: "Shaken, not stirred" (batido, não mexido) era o que ele pedia dos livros de Ian Fleming às adaptações para o cinema.

E pelo menos no que diz respeito aos estudos de mixologia, Bond, James Bond, estava errado - na verdade, o que o agente secreto cravou de verdade foi o Vesper.

Segundo os grandes manuais de coquetelaria, combinações como a de gim e vermute não precisam ser batidas e faz parte do show ver a mistura incorporada ao gelo, diluída na medida, chegando à temperatura correta (ge-la-da) e, depois, servida na taça.

Sotaque italiano made in USA

Dry Martini e seu decanter, do Baretto
Dry Martini e seu decanter, do Baretto Imagem: Bruno Geraldi
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E por falar em gelado (prerrogativa de um bom Martini) e vindo para o lado de cá da Linha do Equador, a Big Apple inspirou o Dry Martini mais certeiro e tradicional de São Paulo: o do Baretto, bar do Hotel Fasano (São Paulo).

"Entra e sai moda e o dry martini continua sendo um dos mais queridos e pedidos", conta Bolinha, bartender à frente do balcão há mais de 20 anos.

Como conta à reportagem, o drinque "não tem segredos, mas cada detalhe faz a diferença". Dos ingredientes, ao preparo, até o modo de servir - renovado há 15 anos.

Gero Fasano estava no Bar do hotel Carlyle, em NY, e foi impactado por um mini decanter. Então teve a ideia de trazer para o Baretto.

Nosso Dry Martini é servido parcialmente na tradicional taça martini, o restante vai para um delicado mini decanter sobre um bowl de prata com gelo. Isso assegura o perfumado aroma, a textura com pegada firme e relativa untuosidade, além do frescor, mesmo quando levamos dez ou vinte minutos para beber.

Os novos Martinis

Se o Martini sempre esteve nas cartas em forma do clássico ou de versões "millenial" como o Espresso Martini e Appletini, ou o Breakfast Martini do mestre Salvatore, hoje ele encontra cenário ideal para se espalhar e chegar a mais bebedores.

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"O ganho de popularidade do Martini é um caminho natural na evolução do palato geral do consumidor, que foi introduzido de forma massiva há alguns anos com o Gim Tônica. Agora, com mais conhecimento e acostumado ao gim, ele busca opções mais robustas e complexas", acredita Nicholas.

E hoje a variedade de gins disponíveis dá palco para uma infinidade de versões do clássico.

Fords Marguerite, do Caledonia Whisky & Co.
Fords Marguerite, do Caledonia Whisky & Co. Imagem: Maurício Porto

No Caledonia Whisky & Co. (São Paulo), bar especializado em whiskies que incorporou a alta coquetelaria de corpo e alma, desenhou uma carta que incorpora coquetéis com 13 gins diferentes e 13 versões de Martini para cada um deles.

"Gim é um dos destilados mais importantes na coquetelaria. E os Martinis são alguns dos coquetéis mais icônicos com esse destilado. Uma coisa levou a outra", conta Maurício Porto, o Cão Engarrafado, mais uma vez aqui na coluna.

A gente acha que contar a história do Martini é, de certa forma, contar a história da coquetelaria, afirma.

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O Ford's Marguerite, por exemplo, usa vermute com infusão de cevada, para fazer referência aos Old Tom. Já o Busy Bee usa uma técnica moderna, um ar de shissô feito com lecitina, para mostrar que o martini não ficou parado no tempo.

Alison Oliveira, o head bartender do Caledônia, dá mais detalhes de como o bar se voltou para as muitas possibilidades.

O conceito Martini não fica só em coquetéis 'secos' ou uma bebida extremamente gelada. O que realmente não poderia ter em um Martini é água tônica. Não faz sentido! De resto, pode tudo, guardadas as devidas proporções de decência, opina.

"Pensamos muito em utilizar técnicas da cozinha de alta gastronomia para produzir insumos dos coquetéis", conta. Entram aí desde o preparo de vermute por 12 horas a 60 graus no sous-vide, à utilização de ingredientes inusitados, como a pimenta de macaco utilizada para temperar o Citadelle Chocolate Martini.

Citadelle Chocolate Martini, do Caledonia Whisky & Co.
Citadelle Chocolate Martini, do Caledonia Whisky & Co. Imagem: Maurício Porto

Salinidade e umami também estão do outro lado do balcão. O Stirred Not Shaken - uma brincadeira com o pedido do 007 e mexido duas vezes - oferece um toque salgado, com solução salina e toque turfado. E o Roku Ikura Desu Ka leva umeboshi e Bitter Umami.

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Se mixologia é arte, que ainda surpreenda e emocione. Se é ciência, que evolua. E os Martinis guardam em suas taças todo esse mundo.

*Trilha sugerida de harmonização com essa coluna: That's Life, Frank Sinatra.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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