O que a Argentina tem? Os tragos daqui têm muito a aprender com os de lá
Assim como nos clichês, há de se acreditar no hype. Se algo está em tanta evidência, é porque tem valor por lá, acredite. Não é diferente quando se fala de bares e bebidas.
Por isso, aos bebedores brasileiros, é interessante ficar de olho no que nossos "amigos e rivais" argentinos estão fazendo - e como estão sendo reconhecidos por isso.
É inegável que uma trindade portenha atraiu os olhos da coquetelaria mundial. Para citar somente uma premiação, a 50 Best Bars, Tres Monos, CoChinChina e Florería Atlântico despontaram em 2023 em 11°, 26° e 30° lugares, respectivamente.
Os brasileiros, por sua vez, conquistaram 56° (TanTan) e 58° (SubAstor), mas já viram dias melhores e correm para serem mais consistentes, como Alex Sepulchro contou por aqui.
Mas em que a coquetelaria "hermana" - e a de outros latinos - está à frente da nossa brasileira? Ou, pelo menos, tem sido mais reconhecida por isso?
Todos juntos y misturados
Brasileiros desunidos sempre serão vencidos, como opina Alex Mesquita, que divide o coração entre Rio e Buenos Aires, e que, aqui no Brasil, comanda os drinques do carioca Elena e do Grand Hyatt, em São Paulo.
O ingrediente essencial do sucesso dos bares do lado de lá é união, como também afirmou Sepulchro na entrevista citada acima.
Na Argentina, não há o ego que tem no Brasil. Aqui, você tem um puta bar e eu estou a uma quadra do seu bar e não te indico. Existe aquele grau de superioridade que atrapalha o cliente de conhecer outros trabalhos e ajudar todos os bares, acredita Mesquita.
Desde sua chegada ao vizinho, em 1994, o mixologista via nomes consagrados se unirem não só para levar para o mundo outros profissionais locais, como também para difundir esse conhecimento aos novatos - entre eles, o jovem Alex na Universidad del Cocktail.
"O brasileiro só agora está parando para pensar e realmente se ajudar e é tarde para pensar nisso. Devia ter começado há dez anos", acredita.
Não é difícil ver uma real comitiva argentina com Sebastián Atienza, Charly Aguinsky e Gustavo Vocke (Tres Monos), Inés de los Santos (CoChinChina) e Tato Giovannoni (Florería Antlántico) juntos e espalhados por guests pelo mundo - aqui no Brasil, com frequência.
Tato, aliás, foi escolhido como ícone da indústria no mesmo 50 Best 2023 e o 4° na lista da dos mais influentes do mundo pela Drinks International's Bar World 100 2023 - ao lado do de Inés (33°) e Sebastián (41°), além dos brasileiros Márcio Silva e Thiago Bañares.
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Quero receberNos latinos, a diferença. Numa sexta, um exemplo
"Os clientes querem saber o que está por trás desse hype e o grande diferencial é essa coisa dos caras estarem metendo a cara para atender. O que eu tenho visto é gente jovem mais preocupada em quanto tempo o cliente de ficar no balcão e menos em somente vender drinques", celebra Mesquita.
Não se trata somente de bebidas ótimas. É a tal hospitalidade, que muito se fala, mas nem sempre se sente.
Quando um Tres Monos se destaca no prêmio especial de hospitalidade no 50 Best 2023 (além de 11° na lista), não foi só um recado argentino ao mundo, mas latino - logo, também brasileiro.
"Aqui a gente tem essa coisa de olhar nos olhos, abraçar mais, beijar mais. Europeus, americanos, asiáticos são mais distantes", diz Alex.
Em outro destaque argentino, o CoChinChina, a coluna teve uma das melhores experiências de atendimento no ano passado.
Numa sexta agitadíssima, de bar lotado, música alta, a recepção agilíssima de Luisina Alvarez conduzia um (eu), seis, oito, uma festa toda às mesas, à espera ou ao cantinho disponível no balcão 360º (o melhor lugar sempre).
Lá dentro, jovens e atentos bartenders - um atendia a própria mãe, sentada ao meu lado, orgulhosíssima da concentração e destreza do filho. Facu, por exemplo, conseguia superar o falatório e a música para me explicar cada detalhe dos ótimos drinques.
Tarde da noite na capital portenha, Luisina fez questão de esperar esta bebedora entrar em um táxi. Se há maior delicadeza que essa, a de ver um cliente ir em segurança, desconheço. Se me senti mais à vontade como mulher que bebe solo com frequencia, não lembro. Mil pontos. "Ojo", Brasil.
"Es Nuestro"
Além de união de "concorrentes" e hospitalidade, faz diferença na repercussão de argentinos e de outros destaques como peruanos e colombianos a apresentação para o mundo do que só eles têm.
A exemplo dos trabalhos de La Sala de Laura, de Bogotá (Colômbia), e do SubAstor, de São Paulo, ambos abordados nesse espaço aqui, e de muitos outros destaques como o Alquimico (Cartagena) e Lady Bee (Lima), a trindade premiada argentina expõe orgulhosa as combinações de ingredientes típicos com bases alcoólicas muitas vezes produzidas por eles ou por parceiros.
Na carta de verão do Tres Monos, apresentada com brilhos nos olhos por Agostina Gerling (sim, vou citar cada mulher da indústria com fervor), vários clarificados criativos. Um com yuyos de Entre Ríos (plantas medicinais), outro com saquê produzido na casa - que também faz seu gim e começa agora a produção de whiskey.
Não é tão fã de drinques, mas quer baixar por lá mesmo assim? Vai de sidra (como disse o amigo Sergio Crusco, é legal!) - uma espetacular produção também deles, é claro, e que também está em um dos drinques da carta (que já teve um à base de Dulce de leche, lembrai).
No CoChinChina, um dos melhores da carta é um Penicilin com tintura de palo santo e raiz-forte (que não é só wasabi, tá?) krein, muito comum na culinária alemã e na judaica ashkenazi (gostinho de Pessach <3).
Já o Florería Atlántico, há dez anos presente entre os 50 melhores do mundo, hoje aborda sazonalmente ingredientes indígenas pesquisados por Giovannoni e pelo historiador Felipe Pigna.
...e é nosso também
Não por coincidência, a entrevista com Alex aconteceu durante um dos muitos guests de vizinhos aqui no Brasil em 2023 (que sigam em 2024!).
Na ocasião, os comandantes do Mamba Negra, de Medellín, traziam para o público paulista combinações com feijoa (a nossa goiaba-da-terra) e pipilongo (pimenta ancestral).
Queria dar aqui um grande puxão de orelha: os bartenders brasileiros não gostam de levar isso [ingredientes nacionais] pra fora, revela Mesquita.
"Precisa entender que se ele chegar em qualquer bar ou concurso lá fora com um elemento que ninguém tem, seja uma priprioca, um cumaru, pimenta de cheiro, jabuticaba, é decisão de copa do mundo. Você leva o caneco", acredita.
E, sim, mais uma vez vai ter uma ode à cachaça nessa coluna. O trabalho de elevar o destilado a patamar de gim ou vodca no coração dos bebedores começa aqui, no nosso quintal.
"A cada dez bares que eu visito no Brasil, menos de quatro têm coquetéis que não sejam o trivial: caipirinha - caipiroska assassinando nossa caipirinha - e uma batidinha com cachaça duvidosa. Ok, é uma iniciativa a ter, mas poxa você não ver um Rabo de Galo?", questiona Mesquita.
O legado de Derivan, ao emplacar estes dois drinques para conhecimento do mundo todo, ainda não tem sido tão bem defendido nem aqui, nem globalmente, segundo Alex. "Conhecimento, acesso a bebida tem. Tá faltando o 'vou fazer'", diz.
Ah, e você que torce o nariz para o que é nosso e faz olho de gringo brilhar, entre muitas e muitas garrafas de destilados do mundo todo disponíveis à equipe do CoChinChina, a reportagem flagrou uma vistosa Velho Barreiro. Semanas depois, no mesmo lugar, Márcio Silva, num preview de seu Exímia, levantava aos céus um litrão de caipiriña, para delírio do bar.
Alguém anotou o placar dessa Copa América?
*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: meio "Toco y Me Voy", com Bersuit Vergarabat, meio "Aqui É o País do Futebol", com Wilson Simonal.
*Agradecimentos especialíssimos ao Visit Argentina pelo rolê no Tres Monos (e por me reencantar com Buenos Aires e delirar em Mendoza) e a Arnaldo Lorençato, por dividir uma paixão pelo comer e beber bem e ter me ajudado aos 45' do 2º tempo a conhecer o CoChinChina. Assim como nos bares, a generosidade entre colegas de profissão só faz todo mundo crescer.
Quem quiser bater um papinho, sou a @sigaocopo no Instagram.
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