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Reportagem

Entre luxo, famosos e 'enxame de jovens', Bolinha é o real bartender-raiz

Não se deixe enganar pela inicial timidez: Walter Bolinha é bom de papo. Há 25 anos à frente dos coquetéis do Baretto, o icônico bar do grupo Fasano, o paraibano de Areia começa a conversa escondendo o ouro - "não sei dar entrevista".

Mas não demora a revelar ingredientes essenciais aos bartenders: altíssimas doses de carisma e pés no chão para uma profissão que é, como dizem, mais transpiração que inspiração.

O apelido engraçado virou marca registrada e harmoniza com seu jeito suave e gradativamente solto.

"Surgiu ainda no primeiro Baretto [ainda na rua Amauri]. Eu tinha 100 e poucos quilos e um colega cozinheiro disse 'nossa, você parece uma bolinha'. Aí ficou né", revela Francisco Walter Alves de Lima. Para a imensidão de clientes, colegas e amigos, apenas Bolinha.

O novo nome pegou rápido, mas nem sempre foi unânime e já quase causou o fim precoce da carreira.

Quando comecei no grupo, atendi o telefone e me apresentei como Bolinha. O seu Rogério não gostou nem um pouco e até pediu minha cabeça. Aí alguém explicou e hoje se atendo 'Walter, boa noite' e do outro lado é chefe, levo bronca por não falar 'Bolinha', revela o bartender.

Sorte que "seu" Rogério (a lenda viva da restauração e hotelaria Gero Fasano) está mais light. No caso de Bolinha, a admiração ao "papai', como os funcionários chamam o chefe, é indisfarçável - "quero uma foto com ele pra colocar na entrada", brinca.

Vindo da Paraíba aos 17 anos, em 1992, descobriu os coquetéis ainda no Ruanne, de Emmanuel Bassoleil. De 1999 para cá, foi de Baretto a Gero, até o hotel Fasano, aberto em 2003. Aos 48 anos, funcionário mais antigo do bar e um dos mais velhos do grupo,

Bolinha está em casa.

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Sua Majestade, o clássico

Dry Martini, do Baretto
Dry Martini, do Baretto Imagem: Bruno Geraldi

Falar de Dry Martini em São Paulo e não citar Bolinha não faz nem sentido - e aqui já fiz isso. "É o que me enche os olhos", diz Bolinha, que adotou o minidecanter que garante o drinque sempre fresco por ideia do chefe, que viu a solução em uma das viagens a Nova York.

Mas o coração ainda tem espaço para Negroni, Old Fashioned, Fitzgerald, Sazerac, Cosmopolitan... uma carta de clássicos que ele sabe de cor e salteado e da qual não abre mão.

É um bar clássico, com coquetelaria clássica e isso tá no meu DNA. Prefiro fazer bons Dry Martinis, Negronis e o cara voltar com a segurança do que vai encontrar. Tem cliente nosso cliente que anda o mundo todo e sempre vem aqui atrás de um Sazerac bem feito, conta.

A resposta do público para seu "purismo" está em números - "tem dia que eu mando 100, 200 drys. Só de Fitzgerald tem saído uns 2 mil por mês. Tenho dois barris de 10 litros de Negroni envelhecido por 15 dias".

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Criar algo do zero só se o cliente insistir e dar pistas sobre o que gosta. "Com alguma experiência, até que eu acerto", diz, modesto.
O apreço pelo passado não se restringe aos drinques, mas também a mestres que, segundo Bolinha, uma geração tem deixado de dar a devida atenção.

Hoje os caras nem sabem quem foi o Jerry Thomas [considerado o "pai da coquetelaria"], Sasha Petraske, Sam Ross. Dá uma olhada para trás que tem muita coisa boa. O que os grandes bares do mundo vendem hoje? É isso, é o clássico, defende.

Difícil fazer um drinque para o Bolinha? Fiquem tranquilos, colegas de bar. Ele vai pedir uma cervejinha ou, no máximo, uma caipirinha. Mas nessa ele não admite erros. "É meu drinque preferido", entrega.

Posso atestar: difícil superar a produção do próprio. Conheci a caipirinha perfeita.

Meu mundo é hoje

Ainda que seja defensor ferrenho dos talentos do passado, Bolinha não está parado no tempo. Além de carisma e amar o que faz, ele considera imprescindível que um bartender estude sempre. E muitos hoje têm feito bonito, em sua opinião.

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Tem que ir atrás porque tem muita gente boa. Nosso melhor momento é esse, nunca apareceu tanta gente boa

Entre os nomes, contemporâneos como o saudoso Mestre Derivan e Marcelo Serrano, mas também nomes mais jovens, como Kennedy Nascimento.

E prepare a agenda, Marcio Silva: Bolinha quer você como convidado de honra no que quer que role na festa dos 25 anos. "É um cara bom, simpático, humilde pra caramba. Admiro muito ele", diz.

Essa constante atualização, mesmo para aprimorar os clássicos, é essencial com uma clientela cada vez mais conhecedora e interessada no que bebe.

"Os clientes de antigamente eram mais suaves. Hoje, se não tiver um pouco de conhecimento, enrolam a gente. Os jovens andam demais, conhecem muito e eles tão observando o tempo todo", analisa.

Que venham os jovens

E por falar na nova clientela, é ela quem tem definido a temperatura do Baretto pós-pandemia. Para quem reclama que a noite paulistana tem fechado cedo demais, está aí uma boa notícia.

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O horário mais cedo, das 19h às 23h é mais tranquilo, mas depois da meia-noite, aquela loucura. Parece que fecham todos os bares e todo mundo vem pra cá. Chega duas horas da manhã e tá tão lotado que não conseguem entrar. Bom né?

Mais cedo, o clima é ideal para os casais, para jantar e ouvir música. O serviço é caprichadíssimo e minucioso.

O Baretto, antes de abrir
O Baretto, antes de abrir Imagem: Daniel Pinheiro/Divulgação Fasano

"Depois disso, é a galera que só quer beber, bagunçar, fica mais fácil. Por volta das 2h30, 3h fechamos as portas. Mas a galera não sai. 4h, 5h, 6h da manhã, estamos aqui ainda. Público jovem faz muita amizade, são muito queridos. Fico ali no bar e eles nem sentam, nem querem sentar. Parece um enxame no balcão", conta o bartender que prefere mesmo é ficar concentrado no bar, sem circular tanto pelo salão.

Questionado sobre o que seria uma noite perfeita de trabalho, Bolinha, que está de segunda a sábado, das 19h até o fim na atividade, não hesita:

"Ontem foi uma noite perfeita. Casa cheia mas tranquila, com clientela boa, gastando bem, bebendo Cristal, Dom Pérignon. Não tem confusão, todo mundo alegre, ouvindo a música. Alguma coisa certa a gente deve estar fazendo", diz Bolinha.

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"Alright, alright, alright"

Negroni do Baretto
Negroni do Baretto Imagem: Divulgação Fasano

O hotel Fasano é parada de ricos e famosos do mundo todo e o Baretto, o bar oficial de muitos eles. Sendo assim, Bolinha é um "anfitrião" das estrelas, mas nada de deslumbre - "eu já me acostumei. São tantas histórias"", conta.

Dos mais queridos estão atores como o ex-007 Pierce Brosnan (e não, ele não pediu Vesper), John Travolta ("super tranquilo") e alguns que até atacam de bartender, como Matthew McConaughey, que aprendeu a fazer caipirinha com Bolinha ("foi comigo para trás do balcão").

Na ala dos mais queridos ainda está Bruno Mars, que fechou o Baretto, ficou só nas mesinhas e cantou só para quem já estivesse lá dentro. "Um privilégio", se derrete.

Discreto, Bolinha só deixa escapar um cliente mais, digamos, animado. "O Ashton Kutscher causou. 23h queria parar a banda e colocar o som dele. Tava sem gerente e deu uma confusão danada", relembra. Em 2012 o ator até "surfou" nas enchentes de São Paulo, como muita gente lembra.

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Arte, sobrevivência e paixão

Em entrevista ao meu amado amigo Bob Oliveira da Folha, em junho de 2019, Bolinha disse que seu grande plano era voltar para sua cidade-natal e montar seu próprio bar. "Qual nordestino não pensa isso, né?".

Mas hoje acredita que está cada vez mais distante desse sonho. Pai de Sofia de oito anos, João Vitor de 15 e o Olaf, o cachorro, de 2 anos, Bolinha cresceu e se estabilizou. "Tá mais fácil aqui e minha esposa não quer voltar pra lá".

Diante da glamourização da profissão em muitos aspectos, Bolinha, a princípio, rejeita que o futuro dos filhos pode ser o bar, apesar de considerar seu ofício uma arte.

"Quando a gente sai da Paraíba é atrás de alguma coisa, não estudou e veio de lugar pobre. Os meus filhos já são outra história. Meu filho já fala inglês, faz computação e já tá mais preparado". Mas e se ele se apaixonar por essa profissão, pelos coquetéis? "Azar dele", conta às gargalhadas.

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Mas pondera: "Eles vão ser o que eles quiserem. Mas eu digo: 'se não estudar, vai levar bandeja, vai ser um barman'".

Sobrevivente de um câncer no estômago, que o afastou por meses das atividades em 2016, Bolinha vê a vida diferente.

Sabe aquele ditado 'há males que vem pra bem?'. Mudou mente, família. Foi uma doença muito pesada: morre, não morre. Vive, não vive.

Com 20 quilos a menos ("quase ex-Bolinha", brinca), as restrições hoje são beber menos e se dedicar aos clientes e às caipiroskas da esposa, feitas religiosamente aos domingos.

"Trabalho muito, mas vale a pena deixar para os meus filhos um futuro melhor. Agora seriam mais cinco anos para me aposentar, mas quero continuar. Quando estou em casa, sinto falta dessa loucura. Se parar, ferrou".

Recado dado, "seu" Rogério. Bolinha não troca a juventude que lota o Baretto pela tranquilidade de um bar em Areia. Que venham os 25, 30 e além.

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*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: "Meu Mundo é Hoje (Eu Sou Assim)", na voz de Paulinho da Viola.

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