'Na moda' antes dos 30, Felippe Mascella desromantiza vida de bar e prêmios
Em uma noite do verão saárico paulistano, caiu a energia do bar. Larga misturador, bailarina, coqueteleira e corre para disjuntores. Voltam as charmosas lâmpadas que iluminam o balcão industrial e as mesinhas, o ar-condicionado - graças - e a ótima música de um dos bares de Luiz Felippe Mascella.
Ele não sabia, mas essa conversa aqui começou ali, naquela hora que eu observava o balé da barra. Seguiu por uma longa entrevista no dia seguinte de uma ressaca e, depois, em uma troca de mensagens por Instagram, como boa raspa do tacho millenial.
O sujeito de a-pe-nas 29 anos não se abala, se deslumbra ou se intimida com muita coisa, nem mesmo com uns minutos de merda que poderiam espantar a clientela que já lotava balcão e mesas.
Para quem, tão novo, tem sido celebrado como um dos maiores expoentes não só da coquetelaria, como dos negócios de alimentação e bares, o "pé no chão" impressiona.
A explicação, segundo ele mesmo, é ter visto e vivido de um tanto em família e hoje cortar muitos dobrados para orquestrar o celebrado Regô, o "cool" Terê e botar no papel e na real outros muitos projetos.
Dinastia à mesa
O jeito "resolvedor" e viciado em salões, mesas e balcões vem de família e seu nome é Luiz Antônio Mascella aka Lulão. Filho de um maquinista e uma professora de catequese, o patriarca dos Mascella se formou engenheiro, fez carreira na Votorantim, viajou o mundo inteiro e largou tudo para empreender em restaurantes, bares e pizzarias.
Entre essas casas, a Ritto, a escola dos filhos também "Luízes": Felippe e Affonso - o Lula do celebrado Picco, em Pinheiros.
"Minha família sempre foi de cozinha, de sentar na mesa, mas a gente começou a trabalhar porque meu pai nunca colocou dinheiro na nossa mão. Principalmente na minha, porque eu era um filho merda. Aprontava, ia mal na escola", lembra.
Apesar de sua "brisa" sempre ter sido a de trabalhar com bar e restaurante, olhando para a rotina hardcore do pai, Felippe enveredou para o marketing - faculdade que já odiava desde o segundo ano.
Aí veio o divisor de águas: um câncer de Lulão.
Vi meu pai emagrecer 40 quilos da noite pro dia. Como família, uniu muito. Mas também voltamos a trabalhar para ajudar ele. Eu ficava mais no salão, Lula mais no bar, conta.
Depois de um ano, quando Lulão pai começou a voltar, mais uma reviravolta: problemas na sociedade fizeram o patriarca quebrar. "Da noite pro dia não tinha mais como pagar a faculdade, o apartamento que a gente morava. Precisava de dinheiro", recorda. E é nessa hora que os Mascella começam os prolíficos voos solo.
Graças aos seus olhos azuis, como ele mesmo brinca, Felippe chega ao famoso restaurante Spot e tem seus primeiros contatos à sério com coquetelaria e um nome que leva como referência até hoje, o veterano da coquetelaria Ale D'Agostino.
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberNewsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberDividido entre faculdade, o corre do trabalho e a competição entre os belos funcionários locais (selecionados a dedo, como muita gente sabe), Luiz deixa a função em três meses, para se formar. E como os boletos nunca deixam de chegar, outra tábua de salvação surge: no Ritz, ele cresce, conhece melhores amigos da vida e em um ano e meio está com um pé na gerência.
Filho de empreendedor que é, no entanto, não resistiu à proposta de ser sócio em um bar na Vila Olímpia - a exemplo do irmão mais velho, que já fazia o Picco aparecer cada vez mais. Também como "aprendiz de Lulão", bate o pé como sócio, mas, ainda jovem, tem decisões contrariadas. Um dia, apresentado a clientes como funcionário, dá um basta.
Despiroquei. Liguei pro Lula e pedi para ir para o Picco, para aprender a barra. Fiquei de pia durante 3 meses. Só que eu lia receita, fui estudando, começaram a me deixar fazer e ganhei confiança.
Nascia um nerd da coquetelaria e um senhor um bartender.
Depois disso ainda voltou ao bar da Vila Olímpia, organizou a casa, mas já tinha com seu sócio Daniel uma outra ideia. E ela tinha nome e endereço.
Meu escritório é o centro
O Regô abriu em agosto de 2019. Não foi um sucesso logo de cara, mas em dezembro já tinha se pagado e já chamava atenção de marcas grandes, conta Felippe. Em março de 2020, a pandemia força o fechamento.
Durante o compasso de espera global pelo fim da covid, o Regô se sustenta com delivery de drinques e Felippe mergulha de vez nos estudos de coquetelaria, testes e receitas. Em agosto de 2021, a casa reabre e vira o que é hoje.
Nesse meio tempo, surge a ideia do irmão mais novo, o Terê, que abre no fim de 2022 também no centro ("o bairro mais legal de São Paulo", diz Luiz).
O denominador comum para as casas é a coquetelaria. No Regô, reinam os drinques simples, secos e amargos, e alcoólicos. ("Meu perfil", entrega) e a comida é um plus. No Terê, os coquetéis são mais frutados, carbonatados, refrescantes e andam juntos com os pratos elaborados por Priscila Bergamasco.
"Pouca gente faz o que eu faço, porque vai contra o mercado. O que vende mais? Suco docinho", se orgulha.
Quer provar as criações favoritas do criador? No Terê, vai de Cambuci Martini (gim, cambuci, vermute seco e bitter Angostura) e no Regô, de Sulista (Jerez fino, folhas de yuzu, vermute branco, sálvia e bitter Angostura).
Um não-romântico
Antes dos 30 todo mundo acha que vai ganhar o mundo. Quem fala que não, tá mentindo. Ou não?
Um detalhe que chama atenção pegando Luiz para conversar na calmaria, caos ou ressaca é o jeitinho pouco romântico ao falar da profissão bartender, ao explicar um drinque e ao "segredar" os futuros projetos.
Faço isso desde os 14 anos, amo minha profissão e o romance tá no fato de eu amar o meu trabalho, as pessoas, o serviço e tal. Mas é um trabalho como todos os outros. Às vezes pior, opina.
Além da parte mental de gerir um negócio, ter visto a rotina do pai e viver os perrengues da própria, aos 29 anos, o jovem contabiliza três hérnias de disco, um ressecamento no meio da coluna e cita ainda a lista de doenças de colegas nos joelhos, cotovelos, ombros.
"Então não acho que dá para romantizar. São cargas horárias excessivas com um salário de merda", crava. "Sou bartender por opção, ao contrário de muita gente. Faz mal para indústria essa romantização", opina.
Ao contrário de muitos veteranos, é direto e reto no que, para ele, define um bom bartender.
Pra ser um bom bartender, você precisa ter sido um excelente barback. E antes de ser um barback você precisa ser um puta garçom. Precisa dominar tudo: limpeza, higiene, serviço. E precisa ser tudo isso e educado porque o cliente está sentado olhando pra sua cara, diferente do garçom e diferente do cozinheiro.
Anotou?
"A gente tá com um problema de mão de obra porque todo mundo acha que é bartender, mas o serviço completo poucos fazem", opina.
"É algo novo eu estar na moda"
Selecionado como um dos Forbes Under 30 em 2023, Luiz reconhece que é um chamariz, mas, ao lado do reconhecimento, está um certo desconforto com os holofotes repentinos. Para quem não conhece, a lista premia jovens destaques em diversas áreas, como negócios, gastronomia e arte.
"É muito bacana ser reconhecido pelo seu trabalho, não vou mentir, mas me irrita um pouco a maneira como pessoas que antes cagavam na minha cabeça passaram a me olhar pra mim depois disso. Ficou interessante falar comigo", analisa.
Como bom empresário e "marqueteiro", aproveita a onda para espalhar a palavra de Terê/Regô por aí em muitos eventos, guests e o que mais aparecer por aí.
Antes da lista da revista de economia, Luiz ainda foi destacado como revelação de hospitalidade pela Veja São Paulo e seu Regô, o "bom e barato" pela Folha de S.Paulo em 2023. Mais uma vez, gratos reconhecimentos, mas longe de nortear o comportamento ou os drinques das casas.
Hospitalidade é educação, olho no olho, brincar e sorrir com o cliente. Posso perder tempo e até dinheiro hoje, mas posso ganhar o cliente pro resto da vida. Hospitalidade é fazer voltar, crava.
Sobre os drinques, Luiz rejeita os campeonatos, grandes premiações e questiona:
Será que ganha mesmo o melhor? Ou é o melhor para a indústria? Almejo prêmio para aumentar faturamento, mas não mudo nada pra ganhar. Se eu tiver que mudar algo, é porque tá algo errado.
*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: "Sure Shot", Beastie Boys.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.