Chiques, hipsters e curiosos: como bebi e fui feliz em Londres e Manchester
Não cometerei o mesmo erro de falar das delícias das andanças aos 45 do segundo tempo, como foi com o Bloody Mary, meu drinque em 2023. Quem acompanha a mulher por trás dessa coluna (sim, mãe solo desse espaço. Não é mole não) sabe que fui a um dos paraísos etílicos e não poderia deixar de compartilhar com vocês, que, como eu, veem o mundo no prisma de copos e taças.
Explorei Londres, pinguei em Manchester. E fui tão feliz que até dói a saudade, mate. Aos leitores e aos amigos (e aos amigos leitores), o que a Inglaterra me deu de especial aos goles.
Fancy ou não fancy: eis a questão
Roteiro é coisa que a gente pensa, planeja e... joga fora. Por influência de listas, prêmios e alguns colegas que devem ganhar em libras (a conversão tão, mas tão real do... real), tinha colocado Lyoness, The Connaught, Kwant e afins no topo da lista. O que rolou? O oposto. Ou perto disso.
Por dicas de bons amigos dias antes de embarcar, e em plena bateção de perna na Terra da Rainha (do Rei, digo), larguei a roupinha mais fina, a cara mais madame que consigo ter e fui direto nos bares mais novos, alguns pouco conhecidos, mas que transbordaram tudo o que eu queria.
Boa bebida, boa gente, bons momentos.
Os 'rycohs'
American Bar do Savoy
LINDO, histórico e com tantas belezas imediatas: um senhor habitué que tomava um ostentoso chope, mãe e filha que encheram a cara de champanhe e um casal que comemorava o aniversário com martinis geladinhos antes de assistir a um balé no bairro dos teatros londrinos.
Para mim, um autoral à base de whiskey, rum, cherry e mais coisinhas (Jove and Jive) meio sem graça e White Lady (é óbvio que eu provaria uma criação do Savoy, mas não ia pegar pesadíssimo pelo $$).
O serviço foi bipolar: ora gentilíssimo e orgulhoso de espalhar talentos pelos bares da Europa, ora meio brabo por eu ter revelado que caipirinha tradicional não é batida, nem feita com suco de limão e xarope de açúcar.
Dei um gritinho no Savoy e talvez alguém por lá conte sobre a brasileira mala. De fato fui.
The Donovan Bar
Como meio mundo sabe: Salvatore Calabrese, eu te amo (e entrevistei o homem quando nem sabia que Londres tava no meu destino próximo).
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberInfelizmente, o maestro não estava no Donovan naquele dia, mas me sentar naquele balcão perfeito foi, sem dúvida, um ponto altíssimo na viagem que acabaria no dia seguinte.
Um ótimo apimentado (Red, da carta EVOKE) e, claro, um impecável Breakfast Martini.
Do lado de dentro, dois italianos (um que me fez jurar que vou conhecer Nápoles). Do lado de cá, eu... e Agostino Perrone. Sim, a lenda do Martini. Fiquei encabulada de me denunciar tiete e jornalista. Acabei pulando o bar dele (The Connaught) no roteiro, afinal. Perdi.
Schofield's
"O que você quer?". Foi essa a recepção no melhor bar do Reino Unido, segundo o Top 50 Cocktail Bars, na inesquecível Manchester. Me ofendeu zero. O jeito direto dos ingleses me diverte ainda mais quando lanço meu brasileiríssimo sorrisão e a galera se desmancha. A gente tem esse poder.
No balcão do bar escurão, de luz baixa e som no talo, fui atendida por gente incrível (Liza, minha girl crush das coqueteleiras britânicas), provei queijos ingleses espetaculares e bons drinques sem pagar com a alma - os mais caros não passavam de 15 libras.
Felicíssima no Jabberwock e no Fortune Teller, com vermute produzido por eles, voltei para o hotel cruzando as agitadas ruas da cidade, que antes das 22h já vê pubs com multidões nas portas e que ouviu Ian Curtis passar como um cometa.
Valeu cada minuto.
Os descolex - que valem a pena
Blinker
Ao lado do Schofields, o Blinker foi outro super bem recomendado em Manchester - sexto na mesma lista de melhores bares do Reino Unido. E foi na minha primeira noite que comecei a explorar a cidade (linda) indo a pé até lá e enfrentando em menos de 10 minutos frio, chuva, vento, e frio de novo.
Entrei pingando, busquei balcão e me senti em casa com a potência Gab's Casado. A head bartender venezuelana conhece do riscado, lançou dicas certeiras e me indicou um dos melhores Bloody Marys da vida (calma).
Mais uma vez surpresa com a comparação de preços Londres x Manchester, fui de Jack Rose (sempre vou olhar que fazem com Calvados), mas a pimenta, que marcou meus favoritos da viagem, emocionou. Picante, à base de agave, pimenta vermelha, tequila reposado, limão e coentro: eu moraria em você.
Mulher solo bebedora no balcão, sem encheção, aulinha ou circo? Aceito.
Tayër + Elementary
Tinha altas expectativas em relação ao oitavo melhor bar do mundo, se acordo com o 50 Best Bars 2023? Sim, claro. Deixei, como previsto, minhas calças em libras no local, mas foi, sem dúvida, uma experiência pra lá de especial.
Para quem não sabe, são dois bares em um.
O da frente (Elementary), um balcão para beber falando alto, bebericando de tudo e sendo apenas feliz. Por lá, fui atendida com surpreendente atenção (muito, muito, muito cheio) e fiz um esquenta de mini drinks - One Sip Martini e sua azeitona gorda, recheada com queijo azul, e o Rudi Paparazzi, com Amaro, Quiquiriqui e mezcal.
O dos fundos (Tayër), o laboratório de experimentos de Monica Berg (que aliás, estará entre nós por esses dias) e Alex Kratena (meu anfitrião carinhoso no bar).
Por lá, sozinha diante de um dos balcões mais especiais do planeta hoje, me emocionei com um balé concentrado e hospitalidade zero afetada. Jasmin, pinho, tequila, vodca, sherry, Lilet e limão para começar. Tequila, açafrão e vermute para terminar. Não posso negar: saí nas nuvens. Muito menos pelo álcool, muito mais pelo êxtase criativo.
A Bar With Shapes For a Name
Confesso, não é meu estilo de drinque o que o 35° melhor bar do mundo pelo 50 Best Bars oferece.
Fui de Batawari - whisky, manteiga, xarope e palo santo - e com o gasoso Pastel - vodca, ruibarbo, lima e eau de vie de raspberry. O minimalismo é, sem dúvida, uma atração. Mas devo ter dado o azar de ter experimentado somente exemplares suaves demais para o meu paladar que gosta de um tico de agressividade.
Valeu demais, no entanto, pelo ambiente. Fim de tarde, alguém lia daqui, um casal bebericava e fofocava de lá, uma animada mesa de senhoras ao fundo e a trilha "Estrelar", de Marcos Valle, iniciou uma conversa com uma das jovens mulheres mais legais da indústria, a grega Maria Kontorravdis.
O Brasil é um dos lugares-desejo do prolífico Remy Savage, sabem? Fica dica.
Satan's Whiskers
Sabe um bar que todo mundo gosta? É esse. E voei pra ele na minha primeira noite londrina - tchau, Big Ben. Quero mais é circular pelo Cambridge Heath. Indicado por 9 entre 10 bartenders locais, conquista pela equipe descolada e multicultural (indiana, neo-zelandês e inglês naquela noite). Ainda sem saber o que pedir, me mandaram um tiki — definitivamente, não é meu tipo de drinque.
Conversa vai, conversa vem, interagindo sobre o cruel clima inglês (chuva na lata de novo), despretensiosamente tento de novo a sorte no balcão ornamentado por figuras de diabinhos e Voodoo Lady me esperava. Mezcal, amaro Montenegro, bergamota e lima: matou a pau nas mãos de Mia.
Para finalizar, um pesto dryzinho dos deuses.
Os locais que não lotam (ainda)
Equal Parts
O primeiro de Londres e da viagem dava o prenúncio de uma cena especial. "Não é para todos os paladares, mas acho que você acha aqui o que está procurando", respondeu ao meu desafio: quero provar o que só vou encontrar em Londres.
Nas mãos, o Flor (Fat Wash de vodca, óleo de azeitona, tomate e sherry), na frente Gianluigi, que desenhava num papelzinho uma lista de bares a explorar. "Somos irmãos", me disse. E me ganhou.
E me encheu de provinhas surpreendentes guardadas em um frigobar abaixo do balcão - um xarope de cenoura, outro de repolho roxo infusionado no rum. A brincadeira de ingredientes tem inspiração do avô, agricultor da terra-mãe Itália - como MUITOS profissionais da bebida na Inglaterra.
Depois, Red Raw Chilli Paloma (a tal bebida da moda, como dizem hoje): tequila reposado, pimenta vermelha, chilli, soda de grapefruit... e o licor italiano chamado Braulio.
"Loucura é nosso estado de espírito", disse meu italiano favorito, pelo menos do primeiro dia da viagem.
happiness forgets
No porão de um bar de vinhos, o happiness forgets pode ter letras minúsculas, mas coquetelaria e hospitalidade em caixa alta. Cheguei cedo, fui para o balcão sem aperto e apertei os olhos para enxergar o cardápio na luz baixa de um fim de tarde altamente londrinho.
Atendida com simpatia, mas desta vez sem muito papo - o que não acho ruim. No fim da viagem já tinha voltado ao meu jeitinho introspectivo e zero vontade de fazer a diplomata. A pegada mais álcool no álcool, a simplicidade da carta, o bilhetinho sorridente ao final do serviço, a trilha ("gente, aqui tocam Clash o tempo todo")... conquista total.
Fui de Harry Palmer e Lafayette - e namorei, como em todos os outros, uma seleção ENORME dos sem álcool.
Saí feliz e quentinha pela Hoxton Square, em um dos bairros mais antigos de Londres (Hackney). O clima era de tanta consonância que voltei ao hotel no vermelhão mesmo e ainda cumprimentei uns caras que mijavam no mictório público. Londres tem disso.
Stray
Deus sabe que fui a Manchester pela música. Na manhã do inesquecível 30 de março, fiz um tour pelos pontos importantes no nascimento - e fim - de bandas como Joy Division, The Smiths, Oasis.
À tarde, fui atrás de algo para meu objeto de afeto (que tanto me mostrou de boa parte das bandas de lá). Com um vinil (infernal viajar com ele), baixei num bar recomendado pela venezuelana do Blinker na noite anterior: "Você vai tomar o bloody mary mais cool da sua vida".
Dito e feito. Foi lá, sentada de frente pra rua, encantada pela cidade que eu deixaria na manhã seguinte, que provei o tal, com pimenta sriracha, suco de tomate San Marzano (o melhor do mundo) e uma espuma de wasabi e salsão. Inesquecível. Assim como 2023, 2024 teve o Bloody Mary de peso pra conta.
**Trilha (tripla) sugerida para harmonização com essa coluna: "Moonage Daydream", David Bowie, "London Calling", The Clash e "Transmission", de Joy Division.
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