La 'braba' es ella! A brasileira que pilota um dos melhores bares do mundo
Uma chuva insistente, um senhor friozinho às 17h da tarde de uma Arroyo quase deserta. Acredite: este bar já tem gente nas mesas e balcões.
E não é de hoje. Há 11 anos, o Florería Atlántico oferece a Buenos Aires um de seus refúgios etílicos mais charmosos. No leme deste barco, uma mulher. Uma brasileira.
Uma potência que não se deixa intimidar por um mundinho macho: Aline Vargas é a braba.
Em sociedade com o ex-marido, o bartender Renato "Tato" Giovannoni, colocou a capital portenha no mapa dos bons bares da América Latina e do mundo, além de ter aberto as portas para muito mais gente - Brasil, Peru, Colômbia, agradecei.
Sou a única brasileira e única mulher que está há mais de 10 anos na lista do 50 Best, seja bares ou restaurantes, se orgulha, sim.
Pero no mucho. Ao longo dos anos foram incontáveis os olhares para Aline como "esposa do Tato". Basta ler muitas das matérias sobre o bar e até o que se fala nos prêmios - o bar chegou a ser o terceiro na lista 50 Best em 2019 e hoje está em 30°.
O desafio agora é mostrar com quantos bastidores de sangue, suor e lágrimas se faz um bar de sucesso.
Florería do sucesso
Florería não é só um nome - o bar funciona num sótão de uma loja de flores na rua mais charmosa da Recoleta, entre galerias de arte, enormes apartamentos e em frente ao Hotel Casa Lucía, que se vale de um dos exemplares da rica arquitetura local: o Edificio Mihanovich, que já foi um dos mais altos da América Latina.
Atlántico também não à toa: o local era uma antiga zona portuária e próximo do antigo Edifício Bencich, construído pelo empresário croato-argentino Nicolás Mihanovich, que, de lá, observava seus barcos saírem para o mundo pelo oceano.
Ao despontar como um dos melhores do mundo (chegando a 3° lugar em 2019, com apenas seis anos de existência), saía da mesmice dos grandes bares de hotel, como os famosos de Londres e Nova York.
Aí chega a Florería e pau! Um barzinho que me custou 60 mil dólares para abrir foi crescendo e deu uma chacoalhada, relata.
Antes de surgir, porém, foram 10 anos de busca pelo lugar ideal. "Mas também quando conseguimos, a gente abraçou e foi. Aqui era o lugar, tinha que ser."
O ambiente foi pensado para conquistar um novo público, uma aura mais romântica e, claro, a vizinhança da belíssima rua.
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Quero receber"A gente abre de segunda a segunda porque tem turista que vem de longe só pra vir nesse bar. Eu vou estar fechada? Não dá."
Além do non-stop de dias, também se diferencia desde a pandemia abrindo às 16h e pela variedade de público que atrai desde o começo: mulheres sozinhas que tomam seus drinques na paz, senhoras de Chanel que comem camarão com as mãos, coreanos em grandes grupos, viajantes australianas.
Hoje fechamos às 2h da manhã. Deixa os meus marinheiros descansarem, brinca.
No pulso e no coração
Ora mãe, ora chefe, Aline lidera o time de quase 60 pessoas com pulso de ferro e coração de ouro. Se um bartender ansioso não consegue explicar tão bem os drinques da carta, é ela quem pede que ele respire e tome uma água. Às mulheres da equipe - seus "cinco pilares" - a cada chegada, um abraço.
A gente também sempre tem que cuidar, né? Por isso que também é uma equipe muito linda. O meu desafio hoje, não só porque eu sou mulher, mas também por ser back office, é mostrar que tem tudo por trás, o bar não tem uma vida, não funciona. A cortina não abre.
Especialista em hotelaria, Aline estudou na Suíça, abriu hotéis independentes de Nova York a Dubai. "Sempre fui de mata-fogo e esse sempre foi o que mais gostava. Aquela confusão, sabe? Você vai, apaga aqui, apaga ali", relembra. "E consegui trazer meu conhecimento para o Florería".
Inclusive o de independência - o Florería se orgulha de não ter por trás nenhuma grande marca de bebida. "É teu nome, teus problemas e as tuas vantagens. É assumir as regras completamente", filosofa Aline.
Sobre a presença feminina, Aline vê que muito avançou, mas longe de ser o suficiente. Há, por exemplo, uma dificuldade do mercado em reconhecer que negócios são uma coisa e o ex-casal (separado há dois anos), é outra.
"Construímos um montão de coisas juntos, mas ainda há muitos que esperam ser 'o bar do Tato'". Há, por exemplo, a confusão em pensar que o Florería Atlántico de Barcelona é uma "filial" do original portenho. "Não tem nada a ver", enfatiza.
Outra característica local, é formar gente e incentivar que espalhem "a palavra dos bares bem geridos" pelo mundo. Exemplo disso, é Sebastián Atienza, um dos comandantes do também premiadíssimo Tres Monos, formado na Florería.
"Começamos o bar eu, Tato, e mais cinco", relembra. Hoje, são muitas as trajetórias que se cruzam nos 11 anos de história. Até de pintor, que foi fazer curso de pão e hoje está na cozinha do Florería.
O desafio é ainda maior porque Aline comanda tudo isso de longe, entre São Paulo e Buenos Aires. "O primeiro ano foi a minha maior escola, uma coisa incrível, porque você aprende não só a delegar e a confiar. É um filho distância", conta.
Equipe atenta - e câmeras de onde quer que Aline esteja - flagra qualquer detalhe fora de lugar.
Beber bem, leve e lindo
"Do que você gosta?". A coluna não esconde sua preferência pelo "punch" do álcool no álcool, mas vez ou outra aprende: muitas vezes e cada vez mais, um carinho dos low ABV ou dos zero álcool te surpreende mais que um soco das bebidas pancada.
A coluna teve a oportunidade de não só provar os belos drinques da carta, como ter uma verdadeira aula com Andrés Quiñonez, um jovem bartender colombiano que desenhou, ao lado de Tato e de toda a equipe, as produções com muita (mas muita) pesquisa, viagens, referências e o resultado após quase um ano de trabalho é impecável.
O mote é a série de imigrações à Argentina, linha-mãe da casa. Desta vez, o foco está nas comunidades que surgiram, principalmente em Buenos Aires, na volta à democracia ao país, dos anos 80 e até hoje.
De olho em ingredientes e manifestações culturais de 13 países, um extenso cardápio surge em formas e cores diferentes e teores alcoólicos sempre de médio para baixo.
Para a investigação histórica, a casa contou com um especialista e frequentador de peso: Felipe Pigna. A partir disso, a equipe da Florería partiu para estudar cada comunidade e desenvolveu receitas com os ingredientes típicos e puros - também "imigrados" para o país.
"Não é só evocativo", conta Andrés no delicioso espanhol acelerado falado na Colômbia. "Decidimos contar essas histórias de forma real, buscando os ingredientes por todo o país", conta.
A árdua tarefa também criou laços com pessoas de ponta a ponta do país, microprodutores em sua maioria, e os ajudou a desenvolver produtos até então desconhecidos da melhor forma e com a garantia de retorno financeiro. A sustentabilidade é aqui.
O que estamos fazendo é um pouco diferente, revolucionário, se derrete.
A coluna poderia tentar reproduzir todas as explicações, mas muito melhor ler o trabalho editorial de 15 ricas páginas desenvolvido ao lado de Maite Jaureguialzo, com todos os detalhes - em espanhol, mas nada tão complicado que o nosso portunhol não ajude.
Da inspirada carta autoral, Uganda e China, para sempre em meu coração. Assim como o Penicillin Oceánico - um zero álcool de whisky (sem álcool), gengibre, mel, palo santo, suco de limão e algas marinhas tão perfeito que o paladar não poderia nem acreditar.
Já escutei gente chegar super mal-humorada e sair feliz, é terapêutico. Tem essa coisa de um barco, sempre navegando. Os passageiros entram, se encontram. E ele sempre tá em movimento. O Florería nunca tá estancado, conclui a "braba" Aline.
*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: "Freedom!'90", de George Michael - parte da (incrível) playlist do bar
Quem quiser bater um papinho, sou a @sigaocopo no Instagram.
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