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Reportagem

'Drinque é coadjuvante no bar': Ale D'Agostino rejeita os 'palestrinhas'

Nos anos 2000, ele era o bartender-sensação, o galã do Spot - como dizia a revista feminina - e depois o poderoso do efêmero Apothek. Hoje, o consultor, o empresário, o jurado do reality, o provocador do Instagram.

Porém, fora das receitas de drinques ou dos negócios, não é tarefa tão fácil ler Ale D'Agostino.

Nem mesmo nossos amigos em comum ou meus colegas mais veteranos da caneta-bloquinho-balcão conseguem definir o "bartender aposentado" (como Ale mesmo se define). Nem as redes sociais, que parecem incrivelmente artificiais — não só no caso de D'Agostino, claro — revelam quem ele é por trás dos muitos anos na indústria de bebidas.

Sob a vigilância da assessoria de imprensa — para mim ou para ele, não sei —, pergunto ao veterano bartender se, afinal, ele gosta de dar entrevista e se posso fazer do meu jeito (sem regra e roteiro).

"Gosto super, gosto de falar, falo bastante. Não, eu adoro", diz e repete, num tom que parece mais autoconvencimento que resposta. "Alguém falou que não?", indaga.

"Morro de preguiça de palestrinha"

Alê D'Agostino, n'O Carrasco
Alê D'Agostino, n'O Carrasco Imagem: John Ramatis

Em maio do ano passado, estava lá para provar a então nova carta do "bar secreto" o Carrasco, mas poderia ser a do Guilhotina, o que despontou em 15° em sua única aparição no 50 Best Bars há seis anos, ou algum lançamento dos engarrafados do APTK, ou no tradicional Terraço Itália, para quem também presta consultoria.

Em todos os trabalhos — e são muitos —, cabe a ele desvendar a essência dos bares, restaurantes, marcas e eventos em forma de drinques, desenvolver as cartas, treinar bartenders, dar uma magia e um nome famoso aos espaços alheios.

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Calculando 25 anos na área — "um quarto de século", diz, apertando os olhos — Ale pergunta meu gosto e indica d'O Carrasco um Dirty Negroni (um casamento de clássicos: gin, jerez, Campari, vermute branco, salmoura de azeitona). Bingo.

"Deve ser um trabalho vivo, estimular o público a sair dos clássicos e também ir atrás das escolhas do bartender".

Aos poucos e ainda meio cifrado, começa a revelar o que o público não vê nas palestras e publis: com uma longa estrada de produções e provas e muito álcool, ele está mais na fase de "coisas puras do que coquetéis".

O coquetel é o todo, né? Eu estou indo nas partes. É uma piração aí que às vezes eu entro. Gosto de tomar gin puro aqui com gelo e apreciar. Tem muita coisa num destilado e tô neste momento mais de degustação, contemplação. E aí, assim, às vezes até me ajuda a pensar o drinque em si, explica.

O motivo para essa volta às bases (inclusive a vodca, que rejeitou pura durante uma vida) não está somente na valorização delas, mas também por uma razão, digamos, comportamental. E, em mais um passo para um entrevista de verdade, reveladora:

Alguns drinques você mexe muito na base, mas alguns é só o mínimo possível. E, com isso, num bar movimentado, consegue oferecer uma bebida mais intensa sem explicar tanto. Eu morro de preguiça de palestrinha. É meio chata aquela coisa da catequização, entrega.

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O bar, então, não deve ser o ápice do cool? Longe disso.

Para Ale, bares e restaurantes são, potencialmente, os lugares mais democráticos que existem, "porque todo mundo tem fome, todo mundo tem sede, todo mundo quer o 'third place', que não é trabalho, nem casa".

Então ir ao bar, beber coisas que você gosta, deveria ser mais rotineiro, acredita. Não restrito à persistente bolha da coquetelaria.

O coquetel deveria ser coadjuvante da história. A gente tem que ver quais as intersecções que tem. E isso não quer dizer que ele tem que ser ruim. Eu acho que ele tem que ser muito bom, crava.

Exemplo disso são os bares que Ale considera mais marcantes pelo mundo - como Camparino, em Milão, o Harry's de Veneza, e o Savoy de Londres. "Não foram os melhores drinques que já bebi, porque o que importa mais não era isso. Mas o todo é inesquecível. A história está lá", descreve.

Se a identificação do público virá por modismo (da febre de Negronis, aos Cosmopolitans a la Carrie Bradshaw, ou Kir Royale de Emily em Paris), Ale acredita que pouco importa: a moda também é natural e cíclica, "seja roupa, cabelo ou bebida". Desde que tenha algo que atraia mais e distancie menos, tudo é válido na mesa de bar.

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Da boemia para a garrafa

Ale D'Agostino, no Guilhotina
Ale D'Agostino, no Guilhotina Imagem: BO Studios

Ale conta que o interesse pela coquetelaria surgiu na infância, graças ao Tom Cruise e seu Cocktail, de 1988 — filme recorrentemente citado pelos amigos dessa coluna, seja pela memória afetiva, seja pelo sarro.

"É bobinho, até engraçado, mas era uma coisa muito louca aquele visual. Então comecei a dar uma pirada e a fazer umas brincadeiras em casa. Obviamente, não com bebida alcoólica", diz Ale, cujo filho, quando pequeno, falou para a professora que a profissão do pai era "fazer Negroni".

Hoje, aos 12 anos, já é fã dos aromas que circulam pelas coqueteleiras e copos, ainda que álcool, legalmente e por gosto, não seja, ainda, para ele. Um encanto de família, talvez?

A esperança é que comece bebendo bem. E menos ressaca. Se bem que a gente aprende com umas ressacas também, tomando coisa ruim

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Paralelamente à paixão pela coquetelaria, Ale estudava Esporte na USP e se sustentava como garçom no Spot. Do salão para a régua, foi um pulo - "me encontrei".

E assim foram 18 anos à frente dos drinques do restaurante que já é um ícone de São Paulo. E também assim Ale viu muito evoluir no beber:

Hoje se bebe bem. Dos anos 70 aos 90, tudo ficou muito adormecido e antes era tudo muito parecido. Grandes grupos começaram a investir aqui, a internet ajudou muito também. O que nos distância é estrutura, educação e não ter acesso ao básico. Mas fazemos muito com menos.

Também viu surgir uma nova cena de bar, não mais exclusiva da boemia que lotava os estabelecimentos madrugada adentro.

Se, no começo dos anos 2000, o Spot fechava às tantas e os clientes se seguravam nos lugares para um último papo e cigarrinho, depois de 2009, com a proibição de fazer fumaça dentro dos estabelecimentos em São Paulo, tudo fecha mais cedo e a saideira em casa é uma realidade - animada, inclusive pelos engarrafados queridos do Ale.

E para quem acha que drinques prontos de alguma forma denotam um desânimo de Ale das artes do bar, ledo engano: em uma hora e pouco de conversa, pelo menos 20 minutos foram dedicados ao seu fascínio pelo maquinário da APTK.

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O cansaço do bar

Ale D'Agostino, no Guilhotina
Ale D'Agostino, no Guilhotina Imagem: BO Studios

Quase 20 anos de balcão deixaram, claro, reconhecimento, amigos, colegas, pupilos (alow, Felippe Mascella!) e um nome, mas também cansaço. E Ale encerrou este capítulo em 2017.

Em 2015, após produções artesanais de coquetéis engarrafados para facilitar a vida no Spot e para provar entre amigos, se organizou e lançou a APTK - que acabou dando origem ao Apothek, fechado pouco antes da pandemia, e sua última experiência como bartender.

Sinto falta de viver assim, então faço esses trabalhos de consultoria

Falta de bar? Falta de balcão?

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De trabalhar no bar? Isso não. Isso zero. Zero, zero, zero. Eu gosto de fazer drinque, falar de bar e da cultura que ele carrega, das conexões que ele cria.

Então o que cansa? Um motivo tão justo, quanto genuíno:

Monte de gente pedindo drinque. Hoje aguento 15 minutos, para preparar testes e fazer testes, brinca.

Mas não muito: "Começa a me dar quase crise de ansiedade."

A saudade retorna, porém, e D'Agostino revela outra: "Sinto muita falta de ter um lugar para receber pessoas. Sem papo. Sinto muita falta."

Não que Ale revele seus planos, mas um bar próprio de novo não parece mesmo estar entre eles. Por ora, celebra os dos outros, com alma, além dos imprescindíveis água em garrafa de vidro ("chique") e copos bons.

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Referências, estudos, gostos pessoais, clientes e lugares, como na criação de uma nova carta de coquetéis, entram na ciência pouco exata de uma personalidade. Talvez, afinal, tenha conseguido ler um pouco de Ale D'Agostino.

*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: "Low Rider", do War.

Quem quiser bater um papinho, sou a @sigaocopo no Instagram.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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