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Na Estônia, cidade excluída da Constituição virou um micropaís nos anos 90
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57º54'N, 22º03'L
Antigo Reino de Torgu
Saarema, Sääre, Estônia
Se as nações fossem adolescentes, a Estônia seria aquele que fica "só nos compiuter". Desde o fim do século passado, a ex-república soviética vem construindo uma reputação de país digital, desburocratizado, pós-moderno e o escambau.
O governo alega que 99% de seus serviços estão disponíveis online. O cidadão só precisa comparecer fisicamente a alguma repartição se for casar ou se divorciar. Para todo o resto, faz de casa, como se vivesse em uma quarentena opcional. Internet nas escolas é algo comum há 21 anos. Dinheiro físico quase não existe mais. Criptomoedas, que antes tinham na Estônia um paraíso, estão em vias de ser regulamentadas, o que mostraria o amadurecimento desse mercado. Voto impresso e auditável? Na Estônia, desde 2005 é possível votar online de qualquer lugar do mundo e quantas vezes quiser, porque o registro mais recente anula o anterior.
Mas além dessa mística de país digital incrível, a Estônia tem algumas presepadas burocráticas em seu currículo que renderam boas histórias. É o caso do Reino de Torgu.
Em 1991, esse pequeno país báltico conquistou a independência da União Soviética. Seria preciso redigir uma nova Constituição e estabelecer uma série de reformas políticas e econômicas a fim de conduzir a nova Estônia, que ficou sob regime soviético por 50 anos (e, antes disso, por 200 anos como província do Império Russo) ao livre mercado e ao mundo capitalista.
Naquela época, a península Sõrve, na ilha de Saaremaa, era dividida em dois municípios, Salme e Torgu. Acontece que, quando a Constituição foi redigida, esqueceram de incluir Torgu. Um significativo espaço de 140 quilômetros quadrados, equivalente à área urbana do Recife, foi deixado de lado.
Legalmente, tecnicamente, Torgu ficou sem um governo central. Foi excluída do novo país e virou um Macaulay Culkin esquecido no mapa-múndi.
Os cerca de 500 habitantes, surpresos e um tanto indignados com a negligência, aproveitaram a oportunidade para criar seu próprio micropaís. Surgia assim o reino de Torgu, cujo rei era Kirill Teiter, um jornalista local. O lema de sua majestade, rei Kirill I de Torgu, era "por que não?".
Os habitantes se empenharam em criar toda a parafernália simbólica dos estados modernos. Teve bandeira e teve brasão, estrelado por um cruzamento de caracol com dragão. Teve moeda, pareada com o valor de meio litro de Viru Valge, a mais tradicional vodca estoniana. Pelo visto, não havia problema em basear a cotação em um produto "estrangeiro", da agora vizinha Estônia.
A aventura durou tanto quanto o Candlebox e outras bandas de um sucesso só do auge da onda grunge. Em 1993, a Constituição foi revisada e Torgu foi oficialmente incorporada ao território estoniano.
Em 2017, todos os 12 municípios da ilha foram aglutinados em um só, Saaremaa. Torgu voltou à Estônia, mas hoje perdeu até o status de cidade.
Só que a história colou. A bandeira e o brasão podem ser vistos aqui e acolá e o povo celebra o reino em datas comemorativas. Existe um total de uma (01!) foto em todo o Instagram marcada com #torgukingdom. É essa aí em cima, que mostra toda a pompa monárquica de uma micronação que, pelo menos no imaginário local, segue viva.
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