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Floresta torta é enigma em área que viveu os horrores da 2ª Guerra Mundial
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53º12'N, 14º28'L
Floresta retorcida de Nowe Czarnowo
Gryfino, Pomerânia Ocidental, Polônia
Quando eu trago aqui para o "Terra à Vista" algum lugar misterioso e sinistro, a explicação do enigma, muitas vezes, é simples. É o caso da cachoeira de sangue na Antártida, do astronauta esculpido em uma igreja centenária na Espanha, da sepultura nazista perdida na Amazônia ou da maldição de Stálin no Uzbequistão. Dessa vez é diferente.
Krzywy Las, ou "floresta retorcida" em polonês, é um bosque localizado perto da cidade de Gryfino, no oeste da Polônia, próxima à fronteira com a Alemanha. Seria mais uma mata qualquer da Pomerânia não fossem os pinheiros que cresceram de forma diferente, encurvados.
Seus troncos, próximos à base, se contorceram em um ângulo próximo de 90 graus, cresceram na horizontal, e depois, como se nada tivesse acontecido, voltaram ao padrão e subiram em direção ao céu, como as outras árvores.
São saudáveis, algumas chegam a 15 metros, mesmo com esse formato de foice que lhes tira um naco da altura. No início, eram cerca de 400 pinheiros com essa curvatura, mas hoje o número caiu bastante, pois muitos já morreram.
O que se sabe hoje: as árvores são da década de 1930. O que não se sabe: por que elas são assim?
Mistério no bosque
Existem algumas teorias a respeito. Gary Coleman, cientista da Universidade de Maryland (EUA), em entrevista ao "Washington Post", suspeita que seja uma resposta à gravidade. "Sempre que o caule é horizontal, a planta tem um mecanismo para se reorientar. O momento horizontal só ocorre por um período, como podemos ver. Parece que ocorreu quando elas eram mudas bastante jovens ou pequenas árvores", explicou.
Um evento localizado e forte o bastante, como uma nevasca, poderia deixar as mudas retorcidas. É uma hipótese que já foi levantada antes.
William Remphrey, cientista aposentado da Universidade de Manitoba (Canadá), descobriu uma mutação genética em aspens (grupo de árvores de regiões frias do Hemisfério Norte) que as deixava retorcidas. Ao "New York Times", ele disse que se o caso das árvores da Polônia fosse genético, como as que ele estudou no Canadá, seria esperado que as curvaturas continuassem para além da base da árvore.
Mas o que ocorreu foi, provavelmente, uma mudança momentânea de contexto, digamos assim. Uma nevasca poderia ter coberto as árvores ainda jovens. O peso extra durou todo o inverno e na chegada da primavera, já sem a neve, os pinheiros teriam retornado ao curso normal de crescimento.
Beleza. Mas o que dizer dos outros pinheiros da floresta que têm mais ou menos a mesma idade e cresceram na vertical? Se uma tempestade realmente causou isso, todas as mudas do mesmo gênero, na mesma área, teriam sofrido os efeitos, argumentam os especialistas.
Krzywy Las (pronuncia-se algo como "cheve las") tem outra característica cheia de mistério. Todas as "barrigas" das árvores apontam para o norte, o que levantou mais teorias.
Teria a região uma força gravitacional particular? Não, lembra o site do canal Discovery, por uma questão básica de ciência. A gravidade atrai para o centro, não em curva. Mesmo o fototropismo, o crescimento das plantas orientado em direção à luz solar, não explica o fenômeno, porque elas não cresceram inteiramente tortas, fizeram uma curva e voltaram ao padrão vertical de crescimento, o que deixa tudo mais estranho — e bonito.
A explicação mais aceita, mas jamais comprovada, é que se trata de uma manipulação humana. Fazendeiros locais teriam desenvolvido as árvores para ter uma madeira naturalmente curvada para ser usada na fabricação de móveis ou de barcos.
No século 19, a produção de barcos na região era relevante, e havia rotas regulares que ligavam Gryfino a Szczecin e a outras cidades através do Rio Óder. Portanto, é a hipótese que faz mais sentido.
Ainda assim, o mistério persiste. Podemos não saber com certeza a origem das árvores tortas, mas sabemos por que não sabemos. Ou seja, não conhecemos a explicação do enigma, mas sabemos por que isso ainda é um enigma.
As árvores, e praticamente toda a cidade de Gryfino, foram abandonadas com a chegada da Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1930, a Pomerânia fazia parte da Alemanha. Na década seguinte, tudo mudou, como se as curvas das árvores fossem uma metáfora do choque traumático de realidades que se sucedeu.
Selvageria europeia
A Polônia foi um reino cristão poderoso séculos atrás. Mas sucessivas invasões, a partir do século 18, reduziram o país a um cabo de guerra disputado entre outras potências.
A Pomerânia foi conquistada pela Suécia e depois pela Prússia, que em 1795 partilhou o antigo reino com os russos e os austríacos. Em 1918, após a Primeira Guerra, a Polônia ressurgiu como país independente, só para ser invadida e dominada pela Alemanha nazista, a oeste, e pela União Soviética, a leste 21 anos mais tarde.
Os nazistas usaram as florestas da Pomerânia para exterminar membros da resistência polonesa, judeus e pessoas com deficiência. Mas, à medida que eles enfraqueciam e recuavam para Berlim, com o passar da guerra, o Exército Vermelho marchava território polonês adentro.
As atrocidades cometidas na época são muito conhecidas, documentadas e trabalhadas tanto em meios acadêmicos como na indústria do entretenimento e na imprensa. Mas umas mais que outras.
As barbaridades dos nazistas contra as minorias dominadas e a fúria americana contra Hiroshima e Nagasaki são lembranças da guerra que nós reconhecemos com facilidade. A expulsão dos alemães da Europa Oriental, nos últimos meses do conflito e nos anos subsequentes, nem tanto.
A Polônia foi o país que mais sofreu na Segunda Guerra. Conquistada, desmembrada, massacrada, perdeu um sexto da população. As conferências de Yalta e Potsdam, que redefiniram o mapa e as áreas de influências dos vencedores, buscaram compensá-la por suas perdas.
Dessa forma, tudo que estava a leste do Rio Óder passaria a ser polonês. Essas províncias, como Pomerânia, Silésia e Prússia Oriental, eram reconhecidas como alemãs e eram habitadas majoritariamente por alemães havia séculos, explica o historiador britânico Keith Lowe no livro "Continente Selvagem - O Caos Na Europa Depois da Segunda Guerra Mundial" (Zahar).
"Era impensável que 11 milhões de alemães tivessem permissão de continuar a viver no interior das fronteiras da nova Polônia", escreveu. "Como Churchill observou, ao discutir o assunto em Yalta: 'seria uma pena estufar o ganso polonês de comida alemã a ponto de ele ter indigestão'."
O brutal avanço do Exército Vermelho, seguido da sede de vingança de poloneses e tchecos (além de húngaros, romenos, iugoslavos e bálticos), foi devastador para os alemães. A Pomerânia era chamada de "oeste selvagem". Assassinatos e estupros eram tão comuns que ninguém dava bola.
Havia relatos de mulheres estupradas por sete homens diferentes no mesmo dia. Por dez. Por 23 soldados. Em um vilarejo, um oficial afirmou ter salvado dezenas de mulheres que foram estupradas a uma média de 60 a 70 vezes — por dia. Não havia lugar mais perigoso para uma alemã do que a Pomerânia ou a Silésia.
As pessoas, na maioria mulheres, crianças e idosos, pois os homens adultos foram morrer na guerra, eram forçadas de uma hora para outra a abandonar suas casas e migrar para o outro lado da fronteira. Com pouca comida, elas se alimentavam de frutinhas, e muitas se infectavam com água contaminada em uma paisagem desolada, marcada por carcaças de animais nos campos e estradas e cadáveres de humanos brotando da terra.
Muitos morriam no percurso, de fome, de doença, até de choque térmico (dias de sol escaldante seguidos de chuvas gélidas). A guerra na Europa já havia, oficialmente, terminado, mas as pessoas pereciam em marchas da morte desse naipe.
Entre 1945 e 1947, a expulsão dos alemães dos novos territórios matou cerca de 2,1 milhões de pessoas. Mais da metade na Polônia.
Gryfino antes e depois
Uma cidade com mais de 700 anos de história reduzida a escombros. Gryfino teve destino semelhante ao de muitas outras na Europa. Em março de 1945, ela foi palco de uma intensa batalha. Ao fim da guerra, 75% de Gryfino estava destruído.
Poucos testemunhos arquitetônicos de uma cidade que chegou a integrar a Liga Hanseática restaram de pé. Entre eles, a Igreja da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria, do século 13, e os fragmentos da muralha de Gryfino, da mesma época.
Se as pessoas mal podiam salvar suas casas e pertences, expulsas sem saber se chegariam vivas do outro lado, uma suposta técnica de crescimento manipulado de árvores era a menor das preocupações. As pessoas que sabiam o real motivo daquelas árvores serem tortas desapareceram. Muitas foram assassinadas. Por isso o mistério persiste, testemunha de uma tragédia menos conhecida da Segunda Guerra.
Hoje, Krzywy Las é um querido ponto turístico da Pomerânia e um monumento natural da região. A queda da população de árvores tortas pode ter chegado ao fim, pois em novembro do ano passado um programa de revitalização plantou mil mudas no bosque. Quando crescerem um pouco, elas passarão por um processo de curvatura artificial, a fim de manter a cara única de Krzywy Las.
Felizmente, esse canto da Europa não é mais o caos e o inferno de 80 anos atrás. Polônia e Alemanha são aliados, membros da União Europeia e da Otan. Se você estiver em Berlim, pode chegar à floresta retorcida em menos de duas horas pela Autobahn. Vá de manhã para aproveitar a luz solar atravessando as copas, o que enaltece o clima de mistério de Krzywy Las. Um mistério que deve perdurar bastante.
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