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Ilha de Páscoa: vinho 'invade' vulcão que abrigava estátua moai famosa
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27º10'S, 109º25'O
Vulcão Rano Kau
Ilha de Páscoa, Valparaíso, Chile
Em 1869, a rainha Vitória teve a honra de conhecer Hoa Hakananai'a, um moai que os ingleses retiraram da Ilha de Páscoa e ofereceram a sua soberana. A bordo da fragata Topaze, a estátua saiu da vila Orongo, cruzou quase meio Pacífico até Valparaíso, contornou o Estreito de Magalhães, atravessou o Atlântico inteiro até chegar a Plymouth e, depois, Londres.
A rainha, impressionada com a peça de 2,5 metros de altura e mais de quatro toneladas, recomendou que ela fosse destinada ao Museu Britânico, de onde nunca mais saiu. Primeiro, ficou em um pedestal na entrada principal. Durante a Segunda Guerra, protegida no interior do prédio. Em 1966, no Departamento de Etnografia. Em 2000, em uma área de destaque do museu.
Os mais de 150 anos em solo britânico são peixe pequeno se compararmos com a existência do moai antes dos ingleses. Estima-se que ele tenha ficado cerca de 600 anos na cratera do vulcão Rano Kau, no sudoeste da Ilha de Páscoa.
Hoa Hakananai'a é uma das mais de 800 estátuas feitas na ilha entre 1100 e 1600. É relativamente pequena, se comparada a outras que permanecem no território. Mas, por ser uma das estrelas de um dos principais e mais visitados museus do mundo, ela acabou se tornando o moai mais conhecido, visitado, fotografado e estudado do planeta.
A maioria dos moais fica no entorno do vulcão Rano Raraku, mas o endereço original de Hoa Hakananai'a era outro vulcão, Rano Kau.
Outro fator que o torna único são as intrincadas gravuras na estátua — além do fato, gostemos ou não, de ela ter passado por uma epopeia que começou já com sua remoção (boa parte estava enterrada). Em seguida, rapanuis a transportaram em um trenó adaptado até a costa. Depois, os marinheiros ingleses a levaram de balsa ao navio para, aí então, a viagem começar. Um outro moai, menor, também foi levado no Topaze.
Originalmente, Hoa Hakananai'a ficava com a face voltada para a cratera do vulcão, de costas para o mar. É considerada uma obra-prima de uma civilização às vésperas do fim, símbolo do sincretismo que dominou a ilha em determinado período.
O fim e o começo
Por volta de 1600, a construção de moais parou do nada. Provavelmente a população exauriu os recursos da ilha: derrubou quase todas as árvores e caçou quase todos os animais.
O culto a esses grandes espíritos protetores perdeu espaço para um outro, mais ligado a escassez e penúria, que era a nova realidade da ilha. O culto do homem-pássaro girava em torno de uma competição anual para trazer, de outra ilha, um ovo de trinta-réis-das-rocas sem quebrar. Hoa Hakananai'a foi incorporado ao novo ritual e ganhou, séculos depois de ter sido esculpido, entalhes que explicam os elementos do homem-pássaro.
Quando o Topaze chegou, em 1868, a ilha, que chegou a ter 15 mil habitantes no passado, contava com só algumas centenas de pessoas. Os europeus vinham frequentando Rapanui desde o século anterior, o cristianismo já estava se espalhando. Nesse contexto, os líderes locais quiseram dar, não se sabe por quê, a velha estátua aos ingleses.
Hoje na Galeria 24 do Museu Britânico, Hoa Hakananai'a está virada na direção de sua terra natal, distante 13,6 mil quilômetros. Nem todos estão felizes, como é de se imaginar.
Luta e inovação
Assim como outros grandes museus enciclopédicos da Europa e dos Estados Unidos, o British Museum tem sido alvo constante de protestos, lutas e pedidos por repatriação de objetos de valor inestimável para as culturas das quais eles foram adquiridos. Ou surrupiados, pilhados ou comprados de forma ilegal.
Em 2018, os rapanuis reivindicaram o moai. A governadora da ilha, Laura Alarcón Rapu, fez um pedido oficial de devolução. Representantes locais visitaram o museu, e a curadora do departamento responsável pela arte da Oceania retribuiu o gesto no ano seguinte. Mas as conversas não andaram muito depois disso.
Carlos Edmunds, presidente do Conselho de Anciãos de Rapanui, explicou ao "The Guardian", à época, que Hoa Hakananai'a não é uma mera pedra esculpida. É muito mais.
Ele encarna o espírito de um ancestral, quase um avô. É isso que queremos de volta à nossa ilha."
O espírito protetor de Rano Kau segue longe de sua cratera natal. Formada há cerca de 2,5 milhões de anos, o vulcão moldou a ponta sul da ilha. Seu lago, uma das principais fontes de água potável disponível, deu sustento a Orongo, vilarejo de casas de pedra e centro do culto do homem-pássaro no século 19.
Invasão das uvas
O microclima em suas encostas íngremes abriga abacaxis, figos, laranjas e um punhado de outras plantas. Desde o ano passado, agora elas têm também parreirais. A Ilha de Páscoa é a nova fronteira do vinho chileno.
Uma dupla de empreendedores, formada por um engenheiro agrônomo e um vinicultor, plantou mudas de chardonnay e de pinot noir. A inspiração veio da descoberta de que a uva selvagem chegou à ilha por meio de agricultores franceses vindos do Taiti.
O desafio é grande porque não se sabe se o vulcão propiciará um terroir viável. A cratera já vinha se mostrando útil para proteger os pomares dos fortes ventos da ilha. O solo vulcânico e o clima subtropical, além da baixa umidade, ajudam a desenhar um cenário favorável, em tese, para a produção da bebida. Agora é esperar pelo resultado.
No passado, os polinésios dominaram o Pacífico e colonizaram arquipélagos distantes, como o Havaí e a Nova Zelândia. Chegaram a Rapanui entre 700 e 900 e passaram quase mil anos isolados do resto do mundo, até que os europeus igualassem seus talentos de navegação e chegassem à ilha na Páscoa de 1722.
Em pouco tempo, os europeus levaram Hoa Hakananai'a, trouxeram uvas, cristianismo, doenças e o mundo dos rapanuis mudou para sempre. O que vem a seguir?
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