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Suposta descoberta da verdadeira Sodoma cria polêmica na Jordânia
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31º50'N, 35º40'L
Tell el-Hammam
Shuna do Sul, Balqa, Jordânia
A desgraça de Sodoma e Gomorra é das histórias mais emblemáticas e aterrorizantes das narrativas bíblicas. "Deus fez chover do céu fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra. Assim Ele destruiu completamente aquelas cidades e toda a planície, com todos os habitantes das cidades e toda a vegetação ao redor".
É apocalíptico, é carnificina, é assassinato em massa com altas doses de pirotecnia. Talvez por isso fascine tanto e, há tanto tempo, motive cientistas e aventureiros a tentarem desvendar se tal calamidade existiu de fato.
Em 2008, pesquisadores britânicos decifraram um disco de argila com escrita cuneiforme, talvez registrado por um astrônomo do século 7º a.C. O artefato cita acontecimentos na Suméria (atual sul do Iraque), como uma "bola de fogo" que caiu do céu. Dessa forma, uma queda de asteroide seria a origem do mito das cidades do pecado.
Houve uma série de outros estudos e diferentes teorias. É algo que já se especula há muitos séculos. O geógrafo Estrabão e o historiador Flávio Josefo, duas das grandes mentes dos tempos romanos, deram seus pitacos lá atrás, há 2 mil anos.
Flávio Josefo indicou que Sodoma ficaria no Mar Morto.
Na história bíblica de Sodoma, a família de Ló foi poupada da ira divina, mas, durante a fuga, sua mulher cometeu o ato falho de olhar para trás, pelo qual recebeu a pena de ser convertida em uma estátua de sal. O horror.
Isso daria uma força para a hipótese de Josefo. A região do Mar Morto é coalhada dessas "estátuas" — colunas de areia misturada com sal. Algumas foram moldadas pelo vento até criar formas que um imaginativo observador pode associar a silhuetas femininas.
Encontraram a verdadeira Sodoma?
Um novo estudo sugere agora que Sodoma ficaria na Jordânia e seria Tell el-Hammam, hoje um sítio arqueológico no Vale do Jordão, próximo ao Mar Morto. Essa hipótese está dando o que falar.
Um dia qualquer, 3,6 mil anos atrás, um asteroide se dirigia à Terra a 61 mil quilômetros por hora. Ao entrar na atmosfera, explodiu e formou uma enorme bola de fogo a 4 mil metros de altitude. O calor estava de matar, e a explosão foi mil vezes mais poderosa do que a Little Boy, que destruiu Hiroshima. Quem olhou para ela ficou cego na hora.
A temperatura subiu rapidamente para 2 mil graus celsius, o que significa que tudo que fosse de madeira e tecido pegou fogo na hora e que utensílios de metal e cerâmica começaram a derreter. Quase que imediatamente a cidade inteira estava em chamas.
Em segundos, uma onda de choque a atingiu a 1.200 quilômetros por hora, demolindo tudo que ainda estava de pé. Nenhum dos 8 mil habitantes humanos e nenhum dos outros animais sobreviveu. Os corpos foram fragmentados em pedacinhos. Um minuto depois, os ventos atingiram Jericó, derrubando seus muros e ateando fogo à cidade.
É assim que o arqueólogo Christopher R. Moore descreve a calamidade em um artigo no site "The Conversation". Ele explica que, para chegar a essas conclusões, foram necessários 15 anos de trabalho de centenas de pessoas e análises de materiais feitas por cientistas na América do Norte e na Europa. Entre os 21 coautores do estudo, que saiu na "Scientific Reports", publicação ligada à prestigiada "Nature", estão arqueólogos, geólogos, mineralogistas, paleobotânicos, geoquímicos e outros especialistas.
O artigo segue com informações, no mínimo, retumbantes. O asteroide que devastou Tell el-Hammam seria uma versão muito menor do que causou a extinção dos dinossauros. Artefatos de cerâmica e barro se liquefizeram a 1.500ºC, o que é quente o suficiente para derreter um carro inteiro em minutos.
A cidade e outros 100 assentamentos na região foram abandonados por muitos séculos após o desastre. Os cientistas sugerem que os altos níveis de sal depositados impediram qualquer tentativa de cultivo da terra. A explosão pode ter espalhado a água do Mar Morto — que tem esse nome justamente por causa da salinidade tóxica da água — por todo o vale.
Sem ter o que plantar e colher, a sobrevivência na região se tornou impossível por cerca de 600 anos. A situação só melhoraria quando as raras chuvas limpassem o terreno.
Estaria então o mistério de Sodoma resolvido? Infelizmente, não.
Desde que o artigo foi publicado, no ano passado, ele recebeu uma enxurrada de críticas de colegas. Disseram até que a reputação dos cientistas estava derretendo mais rápido que os utensílios de metal de Tell el-Hammam.
Os críticos explicaram que eles manipularam imagens, o que forçou a publicação de uma errata da parte dos autores. Um artigo na mesma "Scientific Reports" chegou com dois pés na porta já no título: "Nenhuma evidência mineralógica ou geoquímica de impacto em Tell el-Hammam".
Outros chamaram o estudo de pseudociência e o texto que o divulgou, de caça-clique. Disseram ainda que associar Tell el-Hammam a Sodoma poderia levar a episódios de saque e destruição de um importante sítio arqueológico.
Tell el-Hammam já tinha ocupação humana no Calcolítico, há cerca de 6 mil anos. Na Idade do Bronze, em 1800 a.C., era uma importante cidade murada. Já no período da dominação romana, quando a região foi anexada à província da Síria no século 2º d.C., Tell el-Hammam fazia parte da cidade de Livias. Em 2007, uma terma romana foi descoberta no local.
Ou seja, é um lugar de respeito para a arqueologia. Por isso, associá-lo a Sodoma, supostamente sem provas convincentes, pode ser visto como uma temeridade. Ainda mais que as ruínas ficam em uma cidade que já tem seu turismo religioso: Shuna do Sul (ou Ash-Shunah al-Janubiyah) preserva o ponto onde se acredita que João batizou Jesus, no rio Jordão.
Em 2007, Steven Collins, líder das escavações, que já afirmou que seu objetivo principal é confirmar que Tell el-Hammam é Sodoma (o que enviesaria toda a linha de pesquisa, segundo seus críticos), deu uma entrevista ao jornal "Washington Post". Nela, ele afirma que um dia a cidade "será um grande destino turístico, talvez com um grande sinal em rosa neon dizendo: 'Bem-vindos a Sodoma'".
O governo da Jordânia é parceiro da empreitada. O país tem ruínas riquíssimas para vender aos turistas. Mas, por enquanto, as "cidades do pecado" não estão entre elas.
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