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A praia que é, ao mesmo tempo, ponto turístico e campo de refugiados
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21º24'N, 91º58'L
Praia de Cox's Bazar
Cox's Bazar, Chittagong, Bangladesh
Apenas 10 quilômetros separam o maior campo de refugiados do mundo da atração turística mais popular de um dos países mais populosos do planeta. Cox's Bazar, em Bangladesh, é uma praia que há 350 anos se destaca como um balneário popular no subcontinente indiano.
No século 17, essa região foi conquistada pelo Império Mugal (ou Mogol), o mesmo Estado sunita que dominou boa parte da Índia e ergueu muitos de seus templos e edifícios mais conhecidos (leia-se: Taj Mahal). Xá Shuja teria se encantado com a beleza cativante daquele pedaço de litoral.
Shuja era filho do Xá Jahan e da princesa Mumtaz Mahal. Eles mesmos, Ben Jor. Pode cantarolar: "Tê tê, têtêretê tê tê, têtêretê tê tê, têtêretê tê?"
Com 120 quilômetros de extensão, a praia já foi tida como a mais longa do mundo. Mas calma, gaúchos, ela é muito menor que a Praia do Cassino e seus mais de 210 quilômetros. (O "Guinness", porém, não dá bola para o assunto. Registrou o recorde de maior jardim de orla -- o de Santos --, da maior cadeira de praia, da maior prancha de surfe e mais uns 300 outros, mas nada de praia mais longa.)
A praia passou pela mão de outros conquistadores, incluindo Portugal, mas foi sob os ingleses que ela passou mais tempo. O capitão Hiram Cox, da Companhia Britânica das Índias Orientais, chefiou o posto avançado que controlava a região. Em sua administração, ele abrigou refugiados arracaneses, povo que vivia nesse pedaço de litoral desde bem antes da chegada dos mugais e hoje é um dos grupos minoritários de Bangladesh.
O plano consistia em instalar os refugiados em áreas cultiváveis e pesqueiras e criar zonas comerciais, a fim de ter algum tipo de controle fiscal e tributário. Cox morreu em 1799, e o primeiro desses mercados foi batizado em sua homenagem. Em torno dele, surgiu a cidade de Cox's Bazar.
O turismo de massa começou após o fim do domínio britânico, em 1947, quando Bangladesh era o Paquistão Oriental, uma província muçulmana separada do Paquistão por 1,6 mil quilômetros de território indiano. Essa esquisitice pós-colonial acabou em 1971, com a independência do país.
Não foi um processo pacífico. A guerra deixou centenas de milhares de mortos, e Cox's Bazar foi alvo de bombardeios intensos da marinha indiana.
Com a volta da paz, essa praia no Golfo de Bengala virou uma atração querida dos bengalis. Em um dia comum, trabalhadores, executivos, estudantes e vendedores ambulantes se esparramam pela areia a perder de vista. Nos feriados, muitos madrugam em ônibus só para chegar e ver o mar. Quem nunca?
Na década passada, a tensão voltou. Em 2012, Cox's Bazar mostrou ao mundo que, se as redes sociais podiam engajar as pessoas a lutar por mais democracia e liberdade, elas também podiam (e eram até melhores nisso) estimular o ódio e o extremismo. Um homem teria postado no Facebook a foto de um exemplar do "Corão" em chamas, ofendendo os muçulmanos. Em reação, radicais atacaram e destruíram templos e casas de budistas.
Cinco anos mais tarde, como que relembrando os tempos de Cox, uma nova leva de desesperados chegou. Os rohingyas, fugindo do genocídio provocado no vizinho Mianmar, formaram o maior campo de refugiados do mundo. Em 2018, eram 725 mil pessoas.
No ano passado, um incêndio no acampamento desalojou 45 mil pessoas, o que dá uma amostra da precariedade desumana que elas encaram. Imagine uma grande cidade em que todos os habitantes vieram de outro lugar, fugindo para sobreviver. Ao se instalarem nessa nova cidade, os moradores de um bairro inteiro são desalojados e perdem tudo, de novo, por causa de um incêndio.
Algumas colinas separam o campo de refugiados da praia, que mantém os ares de balneário, apesar de tudo. São dois mundos completamente diferentes.
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