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Seria a ilha mais isolada do mundo, onde só há pinguins, um paraíso fiscal?
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54º 25'S, 3º20'L
Cabo Circuncisão
Ilha Bouvet (território da Noruega), Antártida
Ela é a ilha mais isolada do mundo. Fica a mais de 2 mil quilômetros de qualquer assentamento humano, e foi descoberta só no século 18, para depois ficar décadas perdida de novo.
Ainda assim, aparentemente, virou um paraíso fiscal. Mesmo que a única instituição existente no local seja uma estação científica com capacidade para seis pessoas passarem, no máximo, quatro meses.
A menção mais antiga à ilha é de 1739, quando o navegador francês Jean-Baptiste Charles Bouvet de Lozier a descobriu no primeiro dia do ano. Naquela época, a Igreja Católica celebrava, em primeiro de janeiro, a circuncisão de Cristo (hoje a data é lembrada somente pelos ortodoxos). Por isso, a península avistada pelo francês foi batizada de Cabo Circuncisão.
Infelizmente, o explorador errou ao registrar sua localização (ressaca de Réveillon?). Com isso, sucessivas expedições fracassaram nas décadas seguintes em tentar chegar novamente ao lugar.
Somente em 1808 um baleeiro inglês localizou a ilha. Em 1825, outro navio da mesma empresa voltou e seu capitão a batizou de Liverpool. Avistou ainda uma outra, que chamou de Thompson.
Outras viagens se seguiram, mas bem poucas, coisa de meia dúzia, ao longo do século seguinte. Em 1927, uma expedição norueguesa foi a primeira a explorar a ilha mais a fundo. Permaneceu em terra firme, coletou amostras para análises científicas, fincou bandeira e, a despeito dos britânicos que chegaram antes, reivindicou a soberania daquele pedaço de 49 quilômetros quadrados, com 93% coberto de gelo.
Não se sabia se os ingleses haviam ancorado em Liverpool ou em Thompson, o que enfraquecia sua defesa de posse do local. Na verdade, devido aos nomes e as localizações diversas que a ilha recebeu ao longo de quase 200 anos, muitos duvidavam inclusive de sua existência. Os noruegueses, finalmente, provaram que ela estava lá, sim.
Como o local era longe demais e desinteressante demais para motivar qualquer tipo de rusga diplomática, os ingleses abriram mão da disputa. Então ela ficou para os noruegueses, que homenagearam seu descobridor e a rebatizaram de Bouvet.
Hoje, Bouvet e outras ilhas constituem um território dependente da Noruega na Antártida. O país ainda tem outros dois territórios com o mesmo status, ambos no Ártico: Jan Mayen e Svalbard (que já foi tema aqui no Terra à Vista).
Mais tarde, ficou comprovado que Thompson é uma ilha-fantasma. Não existe, apesar de ter aparecido em mapas até os anos 1940. Sua existência, fictícia, se devia a algum erro de observação.
Isso aumentou ainda mais a solidão de Bouvet. A ilha fica 2,6 mil quilômetros ao sul da África do Sul e a 2.250 km de Tristão da Cunha - que é, por sua vez, a ilha habitada mais isolada do mundo.
Reserva ameaçada
Bouvet é um cenário tão desolador e alienígena que ela aparece em "Alien vs. Predador" (2004). Mas a ameaça à ilha é algo bem mais humano do que extraterrestres endoparasitoides ou ETs que caçam outras espécies por esporte.
Decretada como reserva natural em 1971, ela é um paraíso aviário. O isolamento, aliás, é uma questão de ponto de vista, porque dezenas de milhares de pinguins migram todos os anos para Bouvet a fim de se reproduzir. Para eles, a ilha é uma festa.
Em 1979, um satélite americano detectou um estranho flash na região. A princípio, acreditava-se que era um meteoro ou alguma falha técnica no equipamento. Mas o mais provável, descobriu-se mais tarde, é que tenha sido um experimento nuclear secreto entre a África do Sul e Israel, que teriam explodido uma bomba atômica perto das Ilhas Prince Edward, arquipélago sul-africano 2,5 mil quilômetros a nordeste de Bouvet.
Assim como Bouvet, essas ilhas são consideradas uma área importante para a preservação de aves. Mas o que são alguns milhares de pinguins e albatrozes quando você pode cuspir um cogumelo atômico sobre a Terra, não é mesmo?
Contas no exterior?
No ano passado, foi a vez de outro país "se meter" com o território norueguês de maneira curiosa. Para não dizer esdrúxula.
Em 2021, os registros tributários apontaram que quase 2,5 milhões de dólares australianos (o equivalente a cerca de R$ 8,9 milhões) em contas bancárias da Austrália pertenciam a cidadãos que vivem em Bouvet. Como pinguins não pagam impostos, seria Bouvet um novo paraíso fiscal?
O Australian Taxation Office (ATO), equivalente à nossa Receita Federal, tinha outra explicação, conta o site australiano ABC News. O órgão percebeu também que outras ilhas desabitadas tinham registros de contas bancárias que, somadas, acumulavam muitos milhares de dólares australianos.
O problema aconteceu com Bouvet e também com a Ilha Heard e as Ilhas McDonald. Trata-se de um grupo de ilhas vulcânicas igualmente depressivas na Antártida e que, juntas, constituem um território pertencente à Austrália.
Segundo o ATO, o que aconteceu foi uma bobagem corriqueira. Na hora de preencher os formulários para abrir a conta, o cliente ou o funcionário do banco selecionou "Antártida" em vez de "Austrália".
É uma falta de atenção das mais típicas na internet, graças às caixinhas com barras de rolagem que aparecem quando temos que selecionar o país de origem em tudo que é tipo de cadastro. Fulano australiano digita "A" para filtrar as opções e seleciona o continente gelado, e não o seu país, sem perceber.
Em 2019, de acordo com o ATO, apenas 0,0058% dos titulares de contas reportáveis foram listados como residentes fiscais em jurisdições desabitadas. Ou seja, não é que seja lá um problema muito grave. É mais um fato curioso, desses que você gosta de ler aqui na coluna que eu sei.
Então, preste atenção quando fizer qualquer cadastro on-line. Até porque, em muitas dessas listas de seleção de país em html, o Brasil vem logo depois de Bouvet.
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