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REPORTAGEM

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Por que uma ilha no Canadá tem nome de satélite, e não de sua descobridora

Ilha Landsat - Nasa
Ilha Landsat Imagem: Nasa

Colunista do UOL

16/10/2022 04h00

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60º10'N, 64º02'O
Ilha Landsat
Parque Nacional Montanhas Torngat, Terra Nova e Labrador, Canadá

Grandes exploradores e descobridores de ilhas remotas não são apenas polinésios em canoas ou, milênios mais tarde, europeus em navios a vela. Pode ser também uma cientista analisando imagens de satélite em plena corrida espacial, quando as superpotências parecem mais interessadas em descobertas fora da Terra do que nela.

É o caso da cartógrafa canadense Elizabeth Fleming, que, em 1976, descobriu um pedaço de terra que aumentou um pouquinho a área do segundo maior país do mundo. No ano em que a Viking 1 aterrissou em Marte, a primeira nave a conseguir isso, a Nasa alterou o mapa do Canadá.

No ano anterior, a agência espacial, em parceria com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, lançou o primeiro satélite de observação da superfície terrestre. Em plena corrida espacial, voltar os olhos para o nosso planeta foi uma ideia que podia parecer inusitada, mas era importante.

Mesmo um país rico como o Canadá, há meros 50 anos, não tinha um conhecimento satisfatório de partes de sua costa, especialmente no norte, pouco habitado. Então, o governo decidiu usar as imagens do satélite para mapear áreas de interesse e investir em infraestrutura.

Fleming, em seu trabalho, percebeu diversos pontos brancos na costa nordeste do país. Deduziu que fossem icebergs, mas alguns deles não saíam do lugar - o satélite fotografa o mesmo lugar a cada 16 dias. Em funcionamento até hoje, é o empreendimento mais antigo de observação da Terra.

A cartógrafa, que também era piloto e uma das pioneiras da fotografia espacial, suspeitou que alguns daqueles espectros, meros pixels gravados a mais de 800 quilômetros de altura, pudessem ser algo mais importante. Ela informou o serviço hidrológico do Canadá, que resolveu investigar.

Landsat Island - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Dos cerca de 20 pontos, a maioria eram rochas parcialmente submersas. Mas um deles era, de fato, uma ilha. Minúscula, com 1.100 metros quadrados. Inexpressiva, desinteressante.

Mas, ainda assim, uma ilha.

O que faz dela importante é o feito em si. Os cientistas ficaram impressionados que o satélite conseguiu captar um local tão pequeno a uma distância tão grande - em vez de absorver a luz infravermelha, como a água ao seu redor, ele a refletiu. Isso explica o nome que deram à ilha, Landsat, em homenagem ao satélite.

E que tal o nome de sua descobridora?

Poderiam, em vez disso, homenagear a humana autora do feito? Difícil.

Fleming, afinal, era uma mulher trabalhando no machista meio científico dos anos 1970. Ela assinava apenas com o sobrenome ("assinar qualquer documento técnico como Elizabeth seria um beijo da morte", dizia) e ouvia groselhas como: "Você vai ter que abandonar tal projeto para cuidar de filho".


Para comprovar a hipótese de Fleming, um time do serviço hidrográfico canadense voou até aquela região inóspita, cujos mapas mais recentes datavam do começo do século e foram feitos pela marinha britânica. O helicóptero sobrevoou a ilha, e coube ao hidrógrafo Frank Hall descer nela.

Amarrado a um cinto, ele foi baixado até o solo congelado. Antes que pudesse tocar o chão, um urso-polar o atacou. O animal estava camuflado em todo aquele branco, e Hall só teve tempo de puxar a corda, sinalizando aos companheiros que o levantassem de volta imediatamente. Em determinado momento, cogitou-se inclusive que seu nome fosse "Urso-Polar" por causa do ataque. E mais uma vez, a cartógrafa foi esquecida.

Por pouco, a primeira pessoa conhecida a pisar na ilha não foi também a primeira a morrer nela. Quanto a Fleming, o mais próximo que ela chegou foi em um cruzeiro, em 2011, aos 86 anos.

A descoberta permitiu ao Canadá aumentar significativamente suas águas territoriais. Nos últimos anos, Fleming ganhou mais reconhecimento, mas a ilha mantém seu curioso nome de satélite.

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