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Antes da era dos arranha-céus, quais eram os prédios mais altos do mundo?
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48º34'N, 45º05'L
Catedral de Estrasburgo
Baixo Reno, Grande Leste, França
O Burj Khalifa é o edifício mais alto do mundo. A essa altura (rá!), isso é um fato pra lá de conhecido. Até porque esse prédio de Dubai está no topo da categoria desde 2010. Já é bastante tempo: apenas o Woolworth, em Nova York, o Sears, de Chicago, e o Empire State, também em Nova York, mantiveram o título por mais tempo (17, 25 e 40 anos, respectivamente).
Mas, ao considerar construções mais antigas, o Burjão empalidece. Alguns templos religiosos foram o prédio mais alto do planeta por muitas décadas - às vezes, por séculos. Santa Sofia, em Istambul, ficou mais de 100 anos no topo. O Panteão, em Roma, mais de 400.
Sem contar a pirâmide de Quéops, no Cairo, que é bem mais alta e que reinou por eternos 3,8 mil anos como a estrutura mais alta do mundo. Mas aí está o asterisco do título mundial: uma pirâmide é uma estrutura, não um edifício, segundo os conceitos do Council on Tall Buildings and Urban Habitat, considerada a grande autoridade no assunto.
Estrutura é uma coisa. Aqui entram as antenas, estátuas e pirâmides. Já os arranha-céus formam um ranking à parte, ao lado de construções bem conhecidas.
Antes da era dos superprédios dos Estados Unidos e da Ásia, quem dominou os céus foram as catedrais europeias. Por um bocado de tempo, não havia no mundo um edifício mais alto do que algum templo cristão na Europa.
Curiosamente, um deles acabou se tornando o prédio mais alto do planeta sem querer. Como?
A Catedral de Estrasburgo é muitas coisas. Para Victor Hugo, uma "maravilha gigante e delicada". Para Goethe, uma "árvore de Deus sublimemente alta e vasta". Uma joia gótica de arenito que pode ser vista da Floresta Negra e dos Vosges, a 30 quilômetros de distância.
Mas ela não foi concebida para ser a maior do mundo. Ao longo dos mais de dois séculos entre o início e a conclusão da obra, sempre houve algumas catedrais ainda mais altas.
Corrida catedrais
Em 1439, quando foi dada como concluída, a catedral tinha 142 metros de altura. Havia outros quatro templos ainda maiores.
A antiga Catedral de Saint Paul, em Londres, foi o primeiro prédio a ultrapassar as pirâmides egípcias, encerrando a liderança faraônica — apesar de o recorde de mais tempo como o mais alto do mundo estar, literalmente, a milênios de distância de ser superado.
(Pausa para você pensar o que são três mil e oitocentos anos e comparar com os meros 13 verões do Burj Khalifa.)
Antes mesmo do fim das obras, em 1314, a Saint Paul, com 149 metros, já havia sido ultrapassada pela Catedral de Lincoln, também na Inglaterra, que chegou a 159 metros em 1311. O que já evidencia uma corrida medieval semelhante à que existe desde o século 20 entre arranha-céus (e, nos últimos tempos, também entre rodas gigantes).
O outro colosso do período era a Igreja de Santa Maria, em Stralsund, na Alemanha. Concluída entre o século 13 e 14, atingiu 151 metros.
Então vieram os desastres. Em 1549, o pináculo da Catedral de Lincoln colapsou. Pelos 20 anos seguintes, Santa Maria foi o edifício mais alto do mundo, até que uma outra igreja, na França, inaugurou uma torre de 153 metros.
São Pedro, em Beauvais, é um templo do século 13 que teve a pretensão de se tornar o maior do mundo. O problema é que faltou preparo para tamanha ambição e a torre veio abaixo em apenas quatro anos, em 1573.
A igreja jamais foi concluída. Ainda assim, é uma das construções góticas mais impressionantes do interior da França.
Com o fracasso da São Pedro, a alemã Santa Maria recuperou o trono e nele ficou 74 anos. Porém, em 1647, um incêndio derrubou o campanário desse imponente exemplo do gótico de tijolos típico das igrejas luteranas do norte da Alemanha.
O título voltaria para a Saint Paul, mas o pináculo dela também sucumbira, em 1561. Mais tarde, em 1666, no Grande Incêndio de Londres, completamente destruída, a igreja foi demolida de vez. No lugar, surgiu a moderna Saint Paul, um dos marcos mais conhecidos da capital britânica.
Os quatro templos mais altos do mundo estavam danificados ou destruídos. Assim, Estrasburgo, inesperadamente, se tornou o maior de todos.
Os maiores edifícios do mundo entre os séculos 12 e 19
- Antiga Catedral de St. Paul (Londres) - ~ século 12-1311 - 149 m (pináculo caiu em 1561. Destruída em 1666)
- Catedral de Lincoln - 1311-1549 - 159 m (pináculo caiu em 1549)
- Igreja de Santa Maria (Stralsund) - 1549-1569 - 151 m
- Catedral de São Pedro (Beauvais) - 1569-1573 - 153 m (torre caiu em 1573)
- Igreja de Santa Maria (Stralsund) - 1573-1647 - 151 m (torre caiu em 1647)
- Catedral de Nossa Senhora de Estrasburgo - 1647-1874 - 142 m
A catedral
A primeira versão da Catedral de Estrasburgo era uma grande igreja em estilo românico, que começou a subir no século 11. As vigas de madeira, no entanto, eram um perigo. Foram quatro incêndios, seguidos de reparos e modificações.
No século 13, ela foi ampliada e sua nave recebeu novos elementos, característicos do gótico, o estilo em ascensão no momento. O coro e o transepto, concluídos pouco antes, mantiveram um perfil românico tardio. Concluída em 1275, a nova igreja se tornou uma das obras mais modernas da França e de todo o Sacro Império Romano.
"A harmonização desses elementos com o antigo transepto impôs um particular desafio artístico", segundo Rolf Toman, Barbara Borngässer e Achim Bednorz no livro "Churches and Cathedrals". "Seu protótipo foi claramente inspirado na Basílica de Saint-Denis, perto de Paris, já que ambas têm pilares com colunas engrenadas que se estendem ininterruptas até a nascente da abóbada, um trifório envidraçado e janelas decoradas com rendilhados", explicam.
Desde então, a catedral testemunhou alguns momentos importantes da história francesa e europeia. No século 16, Estrasburgo tinha o status de cidade imperial livre, dentro da vasta colcha de retalhos que era o Sacro Império Romano. A autonomia permitiu ao governo local abrigar líderes e seguidores da Reforma, entre eles João Calvino.
Por mais de 150 anos, essa catedral católica foi uma igreja protestante. A França anexou Estrasburgo em 1681, e o próprio Luís 14 esteve presente à missa que celebrou o retorno do templo aos católicos.
Na Revolução Francesa, foi vandalizada, como tantas outras igrejas. Pouco antes, em 1874, ela perdeu o posto de edifício mais alto do mundo para a São Nicolau, de Hamburgo, que, após uma renovação, ganhou uma torre de 147 metros. Dois anos depois, ela também seria ultrapassada.
Na Segunda Guerra Mundial, o templo de Hamburgo foi bombardeado. Hoje, suas ruínas continuam como umas das mais altas estruturas da cidade alemã.
No início daquele conflito, com a França já conquistada pelos nazistas, Adolf Hitler visitou a Catedral de Estrasburgo. Ele queria transformá-la em um monumento ao povo alemão - algo que ela sempre foi, mas que a mente artrópode de nazifascistas é incapaz de captar. Afinal, o centro histórico de Estrasburgo, como um todo, é uma grande demonstração da mistura das culturas francesa e alemã. É o que faz dela um patrimônio da humanidade, inclusive.
Já no fim da guerra, em 1944, bombardeiros britânicos e americanos atacaram a cidade, atingindo a catedral. Somente nos anos 1990 ela foi plenamente restaurada.
O prédio que é símbolo da cidade testemunhou a Reforma Protestante, a Revolução Francesa e a ascensão e a queda do nazismo. Mas foram eventos ocasionais na história que a tornaram o edifício mais alto do mundo por mais de 200 anos. E sem querer.
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