'White Lotus' de inverno? Québec faz campanha para sediar 3ª temporada

46º48'N, 71º12'O
Hotel Fairmont Le Château Frontenac
Québec, Québec, Canadá

Desde que "White Lotus" virou um sucesso de público e crítica, especular sobre as locações futuras virou um exercício recorrente entre quem a acompanha. A "ex-minissérie" — concebida para ter somente uma temporada mas esticada para além, num movimento que pode até não ser incomum no meio, porém é raro ser bem-sucedido como ela foi — já teve a terceira temporada confirmada. Mas onde ela será?

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Resumindo, "White Lotus" mostra ricaços em um hotel paradisíaco, ridicularizando costumes da elite americana e escancarando seus privilégios ao contrapô-los à realidade das comunidades locais, representadas pelos funcionários, o que acaba também expondo alguns podres da indústria do turismo. Tem sexo, drogas e mortes também, o que ajudou um bocado no sucesso da trama.

Poderia ser só uma novelinha de ricos brancos, fútil que só. Mas as qualidades técnicas e artísticas da produção se impõem, então acaba sendo uma comédia dramática com altas doses de vitamina D e "crítica social f**a".

A primeira temporada foi no Havaí. A segunda, na Sicília. E a próxima?

No Brasil, teve gente que amontoou argumentos para defender que Trancoso seria o destino ideal. Cenários paradisíacos, hospedagens de luxo e desigualdade social para dar e vender.

Bem, até aí, Trancoso tem seus méritos, mas não é que seja um diferencial nem mesmo dentro do Brasil, porque essas características, infelizmente, se replicam em dezenas de destinos turísticos, de Florianópolis a Jericoacoara.

Que o Brasil tem matéria-prima de sobra para oferecer de cenário e de histórias, sem dúvida. Mas nosso turismo teria que pedalar muito para entrar no radar da série da HBO — a Sicília está entre as dez regiões mais visitadas da Itália, o que, em se tratando de um dos países mais populares do turismo global, é muita coisa.

Não vemos uma quantidade relevante de americanos ricos passando férias em algum lugar específico do Brasil que indicasse que tal local poderia ser cogitado. Se "White Lotus" fosse sobre argentinos viajando milhares de quilômetros para pegar uma praia, seria outra história.

Especulações

No fim da segunda temporada, um diálogo levantou a hipótese de que a próxima temporada seria nas Maldivas. Pode ter sido algo plantado para aguçar nossa curiosidade apenas, mas faz sentido. É um destino paradisíaco, desejado, frequentado por endinheirados, e ainda fica em outro oceano, não repetiria os mares do passado.

A brincadeira de tentar adivinhar sobre a possível locação não rolou apenas no Brasil, é claro. O jornal britânico "Guardian" fez um exercício de especulação envolvendo diversos destinos na Austrália.

Na Grande Barreira de Corais, por exemplo, há hotéis com diárias acima dos mil dólares. Tem até uma Ilha Orpheus, com óbvias referências à mitologia grega e "alusões embutidas a sereias, mortes por picada de cobra e uma jornada ao mundo subterrâneo." Entre os perigos reais, o famoso cardápio australiano: crocodilos, águas-vivas mortais e arrecifes dilacerantes

O lugar mais indicado, na hipótese de um "White Lotus" australiano, seria outro: Byron Bay. "A capital do bem-estar no país já fez um nome global ao se tornar um ímã excessivamente 'instagramável' para celebridades."

Campanha

Em outros países, a conversa foi muito além. Naquela rede social de piadistas, teve gente defendendo que as cidades deveriam se candidatar a ser palco de "White Lotus" da mesma forma que competem para sediar Olimpíadas. Québec, capital da província de mesmo nome no Canadá, como se tivesse levado a sério a um exagerada brincadeira, lançou uma campanha oficial para sediar a série da HBO.

A agência de turismo da cidade criou um material promocional, vendendo-se como uma locação perfeita. Em uma apresentação ao criador da série, Mike White, o presidente da agência lembrou que o centro histórico de Québec é patrimônio cultural da Unesco e que, no meio dele, fica o "hotel mais fotografado do mundo". Para uma série que se passa em um resort de luxo, eis um argumento a ser levado em conta.

O Château Frontenac é, realmente, um dos edifícios mais reconhecidos do mundo. É um símbolo arquitetônico do Canadá, um colosso no alto da cidade velha, cercado de outros edifícios históricos.

Segundo a rede de notícias Global News, do Canadá, a agência de turismo argumentou também que séries de sucesso trazem impactos positivos imediatos à cidade. Em 2016, "Goblin", um dos hits da grande onda coreana, teve cenas filmadas em Québec, o que ainda atrai fãs às locações.

É claro que ser um lugar que por si só é um atrativo turístico, e tem uma infraestrutura para tal, facilita um tanto. Dubrovnik não atrairia tantos fãs de "Game of Thrones" se ela já não fosse um destino desejado. Se estivesse no meio de uma planície insossa e isolada do interior da Croácia, as coisas poderiam ser diferentes (mas, se fosse assim, também não teria atraído os produtores da série…)

O hotel

Com 18 andares, quatro restaurantes e 610 quartos, o Château Frontenac foi inspirado nos antigos castelos medievais do Vale do Loire, na França. Não é uma homenagem fútil, como se fosse um condomínio qualquer no Brasil. Québec era a capital da Nova França, a enorme colônia que os franceses tiveram na América do Norte, um território que chegou a ocupar uma larga faixa que ia da Terra Nova, no nordeste do Canadá, à Louisiana, no sul dos Estados Unidos. Mesmo depois que os britânicos conquistaram todas essas terras, o Québec pôde manter, por lei, em 1774, o idioma, os costumes e as leis francesas.

O hotel foi erguido em um contexto em que a Canadian Pacific Railway, companhia que estava construindo a malha ferroviária do país, encomendou alguns hotéis ao longo das ferrovias, entre os séculos 19 e 20. Com o intuito de estimular o turismo de luxo no território continental do país, todos eles tinham esse estilo de castelão francês.

Inaugurado em 1893, seu nome é uma homenagem ao conde de Frontenac, governador-geral da Nova França em dois períodos no século 17. Em 1943, nos 50 anos do hotel, e no ano seguinte, ele recebeu duas conferências que reuniram o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, e os primeiros-ministros britânico, Winston Churchill, e canadense, William Lyon Mackenzie King, para discutir estratégias dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.

Roosevelt e Churchill batizam suítes executivas do Frontenac. Outras personalidades da geopolítica que se hospedaram ali e nomearam quartos são Elizabeth II (que era rainha do Canadá, afinal) e Charles de Gaulle. Há também a suíte Trudeau-Trudeau, em referência a Pierre Elliott Trudeau, primeiro-ministro do Canadá em duas oportunidades, e a seu filho, Justin, o atual chefe de governo, e a Cornelius van Horn, presidente da Canadian Pacific Railway no fim do século 19.

Por fim, completam a lista de suítes executivas dois ícones da cultura pop. Alfred Hitchcock, que filmou "A Tortura do Silêncio" (1953) no hotel, e Celine Dion, que deu seu primeiro passo rumo ao estrelato internacional no saguão do Frontenac.

A cantora canadense já acumulava álbuns lançados e prêmios conquistados aos 18 anos, quando seu empresário agenciou uma apresentação dela para executivos da Sony. Dias depois, Dion fechou contrato, o que a levou a cantar a canção-título de "A Bela e a Fera", seu primeiro sucesso fora do Canadá.

Em 2001, a Canadian Pacific Hotels, após comprar a americana Fairmont, mudou de nome para Fairmont Hotels and Resorts. Em 2011, o Fairmont Le Château Frontenac foi vendido a uma empresa canadense do ramo imobiliário. Nos últimos anos, ele vem passando por um extenso processo de restauro e modernização.

Será que vai ser o suficiente para convencer os produtores da HBO? Enquanto fãs no mundo todo aguardam um novo destino ensolarado e litorâneo, a série os surpreenderia com um cenário mais urbano e frio. Se tivermos um "'White Lotus' de inverno", é um grande passo rumo á "olimpiadização" da série.

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