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Nudistas, ricos e radicais: a seita de alemães que só comiam coco

VladGans/Getty Images/iStockphoto
Imagem: VladGans/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

19/03/2023 04h00

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4º14'S, 152º23'L
Kabakon
Ilhas Duque de York, Nova Bretanha Oriental, Papua Nova Guiné

O sol é a fonte de vida de todo o Universo. Nos trópicos, quando está a pino, ele atinge o máximo dessa carga energética. Nosso cérebro, por ficar mais próximo do sol, é o órgão mais importante do corpo humano. Para manter um corpo saudável, então, precisamos estar sempre próximos do sol tropical.

Mas também precisamos de uma alimentação saudável. Que fruto absorveria melhor a energia solar? Um que estivesse mais exposto e mais próximo do astro, que fosse grande, robusto e que brotasse no alto de árvores altas, cujas propriedades seriam tão benéficas que não precisaríamos comer mais nada?

O coco!

Ora, a solução para todos os problemas é morar num lugar ensolarado e viver só de coco.

Houve um tempo, 120 anos atrás, em que teve gente que largou tudo para seguir essa teoria até o fim. No caso, até o fim da própria vida.

O culto ao coco

Duke of York Islands - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Duke of York Islands
Imagem: Instagram/Reprodução

A rápida industrialização da Alemanha no fim do século 19 provocou o surgimento da "lebensreform", uma espécie de movimento descentralizado contrário às modernidades e ao urbanismo crescente. Abdicação de álcool e de tabaco e uma vida mais rural e ligada à natureza, com muita comida crua, liberdade sexual e negação a vacinas estavam entre as bandeiras. Ioga, medicina alternativa, teosofia e vegetarianismo, idem.

A corrente já foi classificada de moderna, mas também de reacionária. Um pastiche filosófico que atraiu um jovem chamado August Engelhardt, estudante frustrado de química e física e funcionário de uma farmácia. Em 1899, ele entrou para a Jungborn, uma associação de naturistas vegetarianos que pregava nas montanhas um estilo de vida desapegado de quase tudo.

O clube de nudistas acabou desmantelado por causa de alguns problemas (para começar, a prática era proibida por lei). Mas Engelhardt estava obcecado. Queria encontrar uma fonte farta e saudável de alimento cru.

Em 1902, com uma generosa herança, o filho de industrial que odiava as modernidades da Revolução Industrial embarcou em um navio a vapor rumo ao Pacífico. Passou por Ceilão (atual Sri Lanka) e desembarcou na Nova Guiné Alemã, uma colônia que entrara na esfera do império teutônico desde que comerciantes alemães estabeleceram entrepostos nessas ilhas.

A Nova Guiné, a segunda maior ilha do mundo, é habitada há mais de 30 mil anos. Portugueses e holandeses passaram pela sua costa no século 16, mas só no 19 os europeus chegaram para valer. Dividiram o arquipélago em três. O oeste ficou com os Países Baixos e corresponde hoje à província indonésia de Papua. O sul foi para os britânicos e o norte, para os alemães.

Engelhardt decidiu se estabelecer em Kabakon, nas Ilhas Duque de York, que integram o grande arquipélago Bismarck (os nomes atestam como a Nova Guiné foi dividida entre as potências). Com a herança, comprou uma propriedade de 75 hectares com uma plantação de bananas e, obviamente, cocos. Passou a morar em uma casinha de três cômodos, abandonou as roupas e manteve apenas sua biblioteca de 1.200 livros (que, segundo o jornal "Solomon Times", das Ilhas Salomão, chegou a ser uma das melhores de todo o Pacífico).

Lá, ele desenvolveu a teoria que abre a coluna desta semana. Desenvolveu uma úlcera na perna direita, que ele associou à sua dieta do passado, que maculava o corpo com outras frutas que não o coco.

Cansado de ser ridicularizado em sua terra natal, o jovem alemão seguia convicto de que viver com o mínimo de roupas sob o sol tropical era a opção mais saudável. Na Nova Guiné, abraçou o coco de vez como a fonte de alimento suprema. Mais que isso: criou um culto em torno do fruto.
"Ser o único coconívoro puro do mundo, entretanto, não é o suficiente para ele. Manter apenas para si esse conhecimento que poderia melhorar tanto o destino da humanidade o deixa infeliz", escreveu o botânico italiano Stefano Mancuso em "A Incrível Viagem das Plantas", (Ubu Editora) divertido livro que mostra como as plantas, do jeito delas, também migram.

Engelhardt passou a pregar para que outros europeus se juntassem a ele (os melanésios locais não lhe davam tanta bola). Com barba demais e roupa de menos, ele começou a atrair adeptos.

Duke of York Islands - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Duke of York Islands
Imagem: Instagram/Reprodução

Em 1905, o "New York Times" fez uma reportagem sobre o culto. "Ele acredita que o homem é um animal tropical, que não foi feito para viver em cavernas chamadas casas, mas para vagar como Adão, com o sol batendo durante o dia e o orvalho do céu como cobertor à noite."
Engelhardt, dizia o texto, achava que, com o tempo, esse estilo de vida os deixaria imunes a quaisquer doenças e que eles conquistariam a morte, como se fossem deuses. Com sol demais na cabeça, ele achava que seria imortal. O título da matéria, que chegou a dá-lo como morto, é digno de nota: "Fracasso de um Éden sem mulheres no Pacífico".

O fim

Canoísta rema na Duke of York Islands. - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Canoísta rema na Duke of York Islands
Imagem: Instagram/Reprodução

A Sonnenorden, ou Ordem do Sol, como foi nomeada, chegou a ter 15 membros. Ninguém teve um final feliz.

O coco é uma excelente fonte de gordura, ótimo em carboidratos. Mas tem poucas proteínas e nada de uma série de vitaminas essenciais. É saudável, mas longe de ser o alimento onipresente pregado pela ordem.

O coqueiro é útil na alimentação, no vestuário, na pesca. É uma das árvores mais importantes do planeta em termos culturais, e para os povos do Pacífico é, simplesmente, a árvore da vida.

Mas foi um bando de alemães que levou isso ao pé da letra de forma comicamente catastrófica. Um a um, os seguidores de Engelhardt sucumbiram.

Uns tiveram mortes coerentes com o que a seita pregava, foram vítima de insolação ou malária, enfraquecidos pela dieta bizarra a que se submeteram. Outros caíram pelo contexto em que viviam: teve quem morreu afogado e teve até um que morreu com um coco que lhe rachou o crânio.
Não vale rir. Apesar de lendas urbanas inflarem a quantidade de vítimas anuais, uma queda de coco pode, sim, ser fatal. Há poucos meses, em dezembro de 2022, um homem morreu assim na Índia.

Placa em Honolulu que faz alerta em inglês e japonês sobre queda de cocos - Domínio público - Domínio público
Placa em Honolulu que faz alerta em inglês e japonês sobre queda de cocos
Imagem: Domínio público

Quem ainda estava vivo pôs a mão na consciência e tratou de ir embora da ilha. Engelhardt ficou doente e precisou ser levado a um hospital papua. Recuperado, ele não desistiu da empreitada, mas o governo alemão, alarmado, passou a exigir um depósito antecipado para as despesas médicas e o transporte da volta.

Em 1914, Engelhardt era pouco mais que um solitário saco de ossos e feridas quando foi feito prisioneiro no despertar da Primeira Guerra Mundial. A Austrália, que desde 1906 administrava a porção britânica da Nova Guiné, invadiu a parte alemã — com exceção de um período na Segunda Guerra, com a invasão japonesa, Papua Nova Guiné permaneceria uma colônia australiana até 1975, quando conquistou a independência.

Não se sabe como, mas Engelhardt conseguiu sobreviver até 1919, quando morreu pesando pouco mais de 30 quilos. Ele tinha 43 anos.

August Engelhardt em foto de 1911 - Domínio público - Domínio público
August Engelhardt em foto de 1911
Imagem: Domínio público

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