Topo

Terra à vista!

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Como ganância, crise e sexta-feira 13 faliram parque megalomaníaco em Bali

A entrada do Parque abandonado Taman Festival - Instagram/Reprodução
A entrada do Parque abandonado Taman Festival Imagem: Instagram/Reprodução

Colunista do UOL

26/03/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

8º39'S, 115º16'L
Parque abandonado Taman Festival
Denpasar, Bali, Indonésia

Colônia holandesa desde o século 17, Bali passou boa parte desse tempo ignorada nos documentos da Companhia Holandesa da Índia Orientais. A poderosíssima empresa estava muito mais interessada em outras ilhas que formariam a Indonésia moderna, como Sumatra e Java.

Só no século 19 os europeus iniciaram uma administração efetiva de Bali, o que levou a conflitos com a antiga cultura local. A ilha era lar de reinos hindus e budistas havia 900 anos.

A partir de então, foram algumas intervenções militares. Em uma delas, em 1906, os holandeses dobraram o sul da ilha com uma invasão que deixou mais de mil mortos, mulheres e crianças incluídas.

Trinta e tantos anos mais tarde, o Império Japonês conquistou a Indonésia durante a Segunda Guerra Mundial. Além da brutalidade imperialista de sempre, o que essas invasões tiveram em comum foi que elas usaram a praia de Sanur, na capital da ilha, Denpasar, para o desembarque.

Vista aérea da praia de Sanur, Bali, Indonésia - MariusLtu/Getty Images/iStockphoto - MariusLtu/Getty Images/iStockphoto
Vista aérea da praia de Sanur, Bali, Indonésia
Imagem: MariusLtu/Getty Images/iStockphoto

Com o fim da guerra, nacionalistas liderados por Sukarno declararam a independência, em 1945. O próprio Sukarno, que governou a Indonésia por 22 anos, inaugurou o primeiro hotel de Sanur, e um dos primeiros de toda Bali, dando impulso ao evidente potencial turístico desse canto do planeta.

Sanur tem praias com mar turquesa, templo hindu, jardim de orquídeas e, hoje, uma boa oferta de restaurantes à beira-mar, resorts e hotéis de alto padrão. É um dos principais destinos da ilha, popular entre famílias por suas águas calmas.

Nos anos 1990, o balneário parecia apostar nesse nicho, com um investimento massivo em um parque de diversões. Mas o negócio se mostrou uma tragédia, e hoje é atração apenas para os adeptos do chamado turismo extremo, que gostam de lugares abandonados e cheios de história (como muitos leitores desta coluna, aposto).

No lugar certo (talvez), na hora errada (erradíssima!)

A bilheteria do Tamam Festival - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
A bilheteria do Taman Festival
Imagem: Instagram/Reprodução

As obras do Taman Festival começaram em 1996 e dragaram cerca de US$ 100 milhões em valores da época (US$ 194 milhões, corrigidos pela inflação). Localizado em Padang Galak, próximo a Sanur, o parque foi inaugurado em outubro do ano seguinte. Era bonito e moderno, mas ainda faltava muito o que fazer.

Panfletos da época diziam que ele teria a primeira montanha-russa inteiramente invertida do mundo, um show holográfico de lasers, a primeira microcervejaria da Indonésia, a maior piscina do país, um simulador que faria o público mergulhar nas selvas da Pré-História de Bali e ainda um espetáculo de vida selvagem, com 150 crocodilos e mais de 500 aves. Uma Disney equatorial para encher de orgulho a Indonésia e se encher de turistas do Sudeste Asiático.

Quando foi inaugurado, o Taman Festival não tinha montanha-russa, cervejaria nem show de luzes. Mas por que prometeram tantas atrações? Porque podiam.

No Sudeste Asiático de 1996, era assim. "Uma atmosfera carnavalesca de investimentos", segundo uma matéria de 1998 do The Wall Street Journal.

Tamam Festival, em Bali - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Taman Festival, em Bali
Imagem: Instagram/Reprodução

Bali estava crescendo e sempre havia dinheiro a ser ganho. Até que não havia mais.

Em meados de 1997, uma onda de falências na Tailândia levou o governo a gastar US$ 30 bilhões para proteger a moeda do país. Não deu certo, a crise se espalhou e atingiu vizinhos como a Indonésia, que precisou de auxílio do Fundo Monetário Internacional.

Bali queria que os turistas chegassem, não o FMI. Era para ser um verão de bonança, não do evento que entrou para a história como Crise Asiática de 1997.

Mas, três meses depois e incompleto, o parque foi inaugurado. Os administradores acreditavam que as bilheterias trariam mais fluxo para um caixa em frangalhos. Não rolou. Os esperados 1.200 visitantes por dia eram apenas 200 nos fins de semana.

"A festa acabou, esmagada pela crise econômica e pelo êxodo de turistas assustados com relatos de tudo: desde incêndios florestais até turbulência política", dizia o "Wall Street Journal".

Aos trancos e barrancos, por seis meses, o Taman Festival seguiu em funcionamento. Até que um raio destruiu o equipamento a laser, ainda não instalado. Avaliado em US$ 5 milhões (US$ 9,3 milhões em valores atuais), ele iluminaria o céu de Sanur com 67 milhões de pontos de luz.

Foi um baque grande demais. Era sexta-feira, 13 de março de 1998.

Naquele ano, havia outdoors por toda Bali vendendo os encantos do parque. Mas ele já se parecia com uma cidade-fantasma. Não demorou muito para fechar de vez.

Pós-parque

Parte das ruínas do parque vistas de cima - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Parte das ruínas do parque vistas de cima
Imagem: Instagram/Reprodução

Nas últimas décadas, a natureza fez seu trabalho e engoliu o Taman Festival. "Trepadeiras estrangulam os prédios em ruínas. O poço dos crocodilos secou e a capela matrimonial está coberta de grafites", diz uma reportagem da revista Vice.

É possível visitar o parque. Pagando uma pequena quantia às pessoas que assumiram a função informal de vigia-guia, dá para explorar as carcomidas atrações e conhecer seus segredos com quem manja do terreno. Ou, se quiser entrar por contra própria, não é difícil desviar dos guardas.

Pilhas de vidro quebrado no chão, revoadas de mosquitos, luz solar atravessando tetos furados e o barulho das ondas do mar ao fundo dão uma atmosfera serena. Já as histórias de câmeras que param de funcionar misteriosamente e os relatos de fantasmas vagando nesse malfadado parque de diversão podem dar certos calafrios.Segundo a "Vice", o vigia mantém um pequeno santuário e faz oferendas regulares aos deuses. O "canang sari" é um costume balinês que faz parte de um senso de comunidade local em que as pessoas devem preservar a terra que ocupam. O santuário está sempre limpo e varrido, enquanto o resto do parque é absorvido pela selva.

Muitas histórias misteriosas são contadas sobre o Tamam Festival - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Muitas histórias misteriosas são contadas sobre o Taman Festival
Imagem: Instagram/Reprodução

Há 25 anos, quando ainda havia esperanças de que Taman Festival se reerguesse, guias de turismo mais experientes já duvidavam do empreendimento. "Afinal de contas, quem vem para Bali para andar de montanha-russa ou assistir a um show de laser?" perguntavam, irônicos.
De lá para cá, ainda vieram os atentados terroristas de 2002 e o tsunami de 2004. Bali se recuperou, e a pergunta daqueles guias segue válida. Mas, hoje, a paradisíaca Bali também oferece atrativos aos fãs de ruínas modernas.



Índice de posts da coluna Terra à Vista (explore o mapa):