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Descoberta sem querer em pomar, estátua de 500 anos vira treta política
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20º54'N, 97º37'O
Hidalgo Amajac
Álamo, Veracruz, México
Como uma civilização pouco conhecida e pouco estudada em seu país de origem acaba no centro de uma polêmica entre políticos de relevância nacional e organizações sociais que vêm ocupando a principal avenida do país? Esta é uma história que passou 500 anos em sono profundo, mas despertou amores e humores nos últimos dois.
Quando raiou o primeiro sol de 2021, uma família de agricultores no interior do estado de Veracruz, no México, se reuniu para traçar um plano de remoção da grande pedra que havia em seu pomar. César Cabrera já tinha percebido que ela não sairia tão facilmente, então seus filhos engenheiros prepararam uma remoção mais profissional, com laços, tiras e trator.
Impressionados, eles viram que se tratava de uma estátua de uma mulher. Notificaram a prefeitura e, três dias depois, María Maldonado Vite, arqueóloga do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), chegou à vila de Hidalgo Amajac, em Álamo, a quatro horas e meia de distância da Cidade do México.
Maldonado constatou, impressionada, que a estátua, pertencente à civilização huasteca, era autêntica e estava em ótimas condições, apenas com um arranhão causado pela escavadeira. A obra tem 2 metros de altura, mas a mulher esculpida tem só 1,30 m (o resto é a base). Os braços estão juntos ao corpo, com as mãos sobre a barriga, uma posição que remete à deusa Teem, relativa à fertilidade e às colheitas na cultura huasteca.
O diferencial da escultura é o penteado ornamentado, que, junto com o colar e os brincos, mostra que a obra não representa uma divindade, mas uma mulher de elite, uma governante. Infelizmente, os detalhes a respeito dessa pessoa acabam aí, pelo menos por ora.
A fenomenal descoberta de uma estátua intacta de cerca de 500 anos em um pomar em Veracruz ganhou o devido destaque na imprensa. Ela passou uma temporada em exibição no Museu Nacional de Antropologia, na capital, e depois ganhou um memorial para ser admirada em sua própria comunidade de Hidalgo Amajac.
Passados mais de dois anos, já era para a Jovem de Amajac, como ficou conhecida, estar longe dos holofotes, quietinha em seu canto, admirada apenas pelos locais e os poucos turistas da região. Não fosse um porém.
Tchau, Colombo
Pouco antes do 12 de outubro de 2020 (menos de três meses antes da descoberta da Jovem de Amajac), a estátua de Cristóvão Colombo no Paseo de La Reforma, principal avenida da Cidade do México, foi retirada para um restauro geral. Nunca mais voltou.
Cada vez menos celebração e mais manifestação, o dia oficial em que os europeus desembarcaram na América (12 de outubro de 1492) é uma data politizada em muitos países do continente. No México, já havia pedidos constantes para a remoção do monumento ao homem que simboliza séculos de opressão, escravidão e morte — mas que também, é inegável, marcou o início do México moderno (e de todos os países do continente).
Em 2020, os protestos marcados conclamavam para a derrubada da estátua. O governo se antecipou ao povo e decidiu mandar Colombo para o banho — e de lá para um parque mais afastado do centro pulsante da metrópole.
Em 2021, chefe de governo da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, anunciou que o vácuo deixado pelo navegador genovês seria preenchido por um monumento às mulheres indígenas, em memória aos 500 anos da derrota dos astecas para os espanhóis, em 1521. "Tlalli", assinada por Pedro Reyes, representaria uma mulher da civilização olmeca. O artista teria apenas alguns meses para concluir a obra.
Reyes é um reconhecido artista mexicano, mas muita gente viu problemas no anúncio. Uma carta aberta assinada por 300 personalidades mexicanas detonou a iniciativa. Dizia que o governo não fez uma consulta pública e, para piorar, convidou um homem. E um homem branco.
O plano foi cancelado e, no meio da polêmica, coletivos feministas tomaram a rotatória onde ficava Colombo e a rebatizaram de Glorieta de las Mujeres que Luchan. No pedestal vazio, instalaram uma menina de punho erguido. No México, esse tipo de intervenção é conhecido como antimonumento.
Para acalmar os ânimos, Sheinbaum, de olho em seu futuro político (ela é vista como uma possível sucessora do presidente, Manuel López Obrador) anunciou que criaria uma comissão para definir o futuro do local. Mas, de novo sem consulta pública, ela decretou que o lugar vago de Colombo seria ocupado por uma réplica da Jovem de Amajac. Abaixo, uma simulação de como seria a obra:
Mais uma vez, ela encontrou resistência. A rotatória/rótula/rotunda/giradouro etc. já havia sido tomada pelas manifestantes, que grafitaram os nomes de dezenas de ativistas e de mulheres assassinadas. A praça virou ponto de encontro de feministas, local de apoio a parentes de vítimas de feminicídio e centro de informação sobre mulheres desaparecidas. Esses grupos anunciaram que não arredariam o pé dali.
Lideranças indígenas declararam apoio a Sheinbaum para instalar a Jovem de Amajac na praça. Mas não todas. "Não queremos ser legitimadas em pedra, e sim com justiça", declarou Argelia Betanzos, ativista mazateca e filha de um preso político.
A proposta não andou muito em 2022, mas no mês passado, às vésperas do 8 de março, a governante voltou a defender a instalação da obra e respondeu enfaticamente àquelas que a criticavam: "As mulheres que não a querem são profundamente racistas e classistas. Nós lutamos contra todos os preconceitos, todos, porque não queremos preconceito. Nem machismo nem racismo nem classismo, isso se chama humanismo mexicano."
A situação voltou a esquentar, as feministas se recusaram a deixar a praça, mas, após negociações entre as líderes, tudo caminha para que a Jovem de Amajac e a menina do antimonumento fiquem juntas na praça onde Colombo reinou por mais de 140 anos. Isso sem contar que a Paseo de la Reforma vem ganhando, desde 2020, estátuas de importantes (porém pouco conhecidas) mulheres da história mexicana. O conjunto é conhecido como Paseo de las Heroínas.
Os Huastecas
Em entrevista ao jornal espanhol "El País", a arqueóloga Maldonado disse que espera que toda a polêmica em torno da estátua sirva também para que a antiga civilização huasteca, representada hoje por cerca de 170 mil mexicanos de estados como Veracruz, Hidalgo e Querétaro, seja mais conhecida.
Os huastecas constituíam um ramo dos maias que migrou para o noroeste. Organizaram-se em cidades-estados e foram conquistados pelos astecas no século 15. Deixaram alguns sítios arqueológicos importantes.
Quanto à Jovem de Amajac, sobram mistérios a respeito. A estátua estava intacta, quando, normalmente, no fim de um governo, elas eram mutiladas, para marcar o fim daquele ciclo. Para não ter sido danificada, a jovem deve ter sido uma das últimas, ou a última, governante huasteca local. Ou então a estátua foi escondida e assim ficou por cinco séculos.
Uma mulher no comando também era raro, como hoje. Ela pode então ter sido filha de um governante que não gerou homens ou então a viúva de um líder. É um mistério.
Para Sheinbaum — uma cientista especialista em engenharia de energia que contribuiu com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Nobel da Paz em 2007) e a primeira mulher a comandar a quinta maior região metropolitana do mundo — a Jovem de Amajac pode ser um legado político. Para milhões de mulheres indígenas no país, pode ser um início simbólico de justiça. Ou só uma "legitimação em pedra".
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