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Polvo do deserto: bizarra planta que chocou Darwin vive milhares de anos

Welwitschia, a planta nacional da Namíbia - evenfh/Getty Images/iStockphoto
Welwitschia, a planta nacional da Namíbia Imagem: evenfh/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

30/07/2023 04h00

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17º27'S, 12º05'L
Deserto do Kaokoveld
Epupa, Kunene, Namíbia

O Kaokoveld é um deserto costeiro que se estende do norte da Namíbia ao sul de Angola. Ele era uma tripinha de terra bem pouco conhecida pelo mundo exterior até o fim do século 20, explica Garth Owen-Smith, um reconhecido ambientalista que trabalhou décadas pela preservação dos patrimônios naturais da Namíbia.

"Isolado pela Costa dos Esqueletos e por serras acidentadas e com um sistema de permissão de entrada rigoroso, ele foi romantizado como um lugar onde a vida selvagem abundava e as tribos locais ainda não eram afetadas pelo mundo moderno", escreveu, no livro "An Arid Eden", seu relato sobre a luta pela fauna e flora desse "Jardim do Éden árido".

"Embora isso fosse verdade antes de 1970, desde então os moradores da região e seus recursos naturais sofreram mudanças dramáticas, que resultaram no colapso da economia pastoril e quase levaram ao extermínio dos grandes animais", continua Owen-Smith, que morreu em 2020.

Girafa em Palmwag, na Namíbia - 2630ben/Getty Images/iStockphoto - 2630ben/Getty Images/iStockphoto
Girafa em Palmwag, na Namíbia
Imagem: 2630ben/Getty Images/iStockphoto

A descrição impressiona de cara ao mencionar um lugar chamado COSTA DOS ESQUELETOS. Trata-se de um trecho do litoral do sudoeste da África, extremamente árido, que era conhecido, tempos atrás, pelas carcaças de baleias e focas apodrecendo na praia. Mais tarde, esqueletos de navios vieram fazer companhia à paisagem tétrica (já falei do cemitério de navios de Angola, mais ao norte).

Além de tudo isso, o Kaokoveld é lar de uma das espécies mais bizarramente incríveis da flora africana. Como acontece tantas e tantas vezes, os nomes pelos quais ela é conhecida nos dizem bastante. Em africâner, a planta também se chama tweeblaarkanniedood, que significa algo como "duas folhas e não morre". Mas o nome popular mais difundido é welwitschia, em homenagem a um botânico austríaco.

Que planta é essa?

Gravura em madeira de 1897 mostra a Welwitschia  no deserto - ZU_09/Getty Images - ZU_09/Getty Images
Gravura em madeira de 1897 mostra a Welwitschia no deserto
Imagem: ZU_09/Getty Images

O cientista Friedrich Welwitsch, em uma missão patrocinada pelo governo português para suas colônias no sul da África, se deparou com essa planta em Angola em 1859. O europeu teria ficado tão perplexo que só conseguiu ajoelhar e observar incrédulo, com medo de tocá-la e perceber que aquilo era fruto de sua imaginação, escreveu, em 1873, o botânico inglês Henry Trimen.

Charles Darwin a descreveu como a planta mais estranha do mundo, "o ornitorrinco do reino vegetal". O que explica tamanha esquisitice é o que faz dela uma sobrevivente única. A welwitschia parece um amontoado de folhas mortas jogadas na areia, mas porque o que vemos é a extremidade superior de uma planta que se estende pelo subsolo e tem uma capacidade de absorção de água absurda.

A welwitschia tem apenas duas folhas, que crescem durante toda a vida e se dividem, nas pontas, em tiras esfarrapadas que se enroscam, o que dá a impressão de que a planta tem muitas folhas desgrenhadas (daí seu apelido "polvo do deserto"). Mas o que ela tem muito, além da esquisitice, é a idade.

A welwitschia vive centenas, até milhares de anos. Alguns espécimes chegam a completar dois milênios. Tão velhos que os cientistas precisaram de carbono-14, normalmente usado para datar fósseis, para determinar a idade.

Welwitschia  - Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto - Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto
Welwitschia
Imagem: Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto

Em 2021, um estudo sobre o DNA da planta trouxe novos dados surpreendentes. O genoma da welwitschia é resultado de duas duplicações genéticas, que aconteceram há milhões de anos.

Essa duplicação é mais comum nas angiospermas do que nas gimnospermas, grupo ao qual a welwitschia pertence. Na planta, essa evolução genética permitiu a ela desenvolver características essenciais para sobreviver a um clima extremo. A capacidade de absorção de água das folhas é tão impressionante, por exemplo, que elas conseguem captar a umidade da névoa formada no início da manhã e tirar disso seu sustento.

Andrew Leitch, coautor do estudo, declarou ao "El País" que as descobertas podem ajudar a entender (e estender) a nossa sobrevivência. "Identificar genes que permitam sobreviver em condições hostis será útil quando procurarmos cultivar em zonas cada vez mais distantes", disse.

Patrimônio

Welwitschia fotografada no deserto da Namíbia - Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto - Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto
Welwitschia fotografada no deserto da Namíbia
Imagem: Vera Shestak/Getty Images/iStockphoto

O fascínio da ciência pela welwitschia tem 160 anos e se espalhou. Colecionadores se tornaram uma ameaça à planta, por isso aquelas localizadas na porção angolana do Kaokoveld estão mais protegidas, porque a guerra civil que castigou o país por décadas espalhou minas terrestres nesse território.

Em termos culturais, a welwitschia também é relevante. Ela está no brasão de armas da Namíbia e virou nome de aeroporto e de gente. Welwitschia "Tchizé" dos Santos, por exemplo, é uma ex-deputada angolana, filha de José Eduardo dos Santos, que comandou o país entre 1979 e 2017.

No ano passado, após a descoberta de grandes reservas de petróleo no país, o governo da Namíbia lançou um fundo soberano que servirá, em parte, para investir em infraestrutura. O nome do fundo é Welwitschia.

Não nos surpreenderemos se a planta virar uma referência comum para a turma das palestras motivacionais. Afinal, sua feiura e esquisitice sintetizam, na natureza, aquela palavrinha da moda, "resiliência". Sobreviver e prosperar por séculos a fio em um dos ambientes mais inóspitos do planeta é para poucas. Os coaches piram.



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