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Reportagem

Jesus fugiu da cruz e viveu como camponês no Japão? É o que diz esta cidade

40º27'N, 141º09'L
Tumba de Cristo
Shingo, Aomori, Japão


E se Jesus não tivesse morrido no Monte Gólgota? E se um irmão foi crucificado em seu lugar e Jesus tivesse conseguido fugir das autoridades romanas, viajado da Palestina até a Sibéria, cruzado aquela vastidão gélida por quatro anos, enfrentado inúmeras dificuldades, pego um barco na costa oriental russa, desembarcado em Hachinohe e viajado numa carroça até Shingo, um vilarejo inóspito no norte do Japão?

É isso que os chamados "Documentos Takenouchi alegam". Jesus não morreu na cruz, viveu por muitas e muitas décadas no Japão. Se Deus é brasileiro, seria Jesus um decasségui?

Jesus Japonês

Caminho para a suposta tumba de Jesus Cristo em Shingo
Caminho para a suposta tumba de Jesus Cristo em Shingo Imagem: Wilimedia Commons

No topo de uma colina de Shingo fica a tumba do homem que morreu aos 106 anos, casou-se com a filha de camponeses Miyuko, ostentava um enorme nariz e era conhecido localmente como Daitenko Taro Jurai. Foi assim que Jesus viveu, discretamente, o longo resto de sua vida no Japão, segundo a lenda.

Um túmulo adjacente indica onde teria sido enterrada a orelha do suposto irmão que se sacrificou no lugar de Jesus, Isukiri. Jesus também desembarcou em Shingo com uma mecha de cabelo de Maria, segundo a versão.

Mas a escolha pelo local não foi aleatória: Jesus teria ido ao Japão antes, aos 21 anos, a fim de estudar teologia. Ele chegou na bela Amanohashidate, uma tripa de areia na região de Kyoto, e foi discípulo de um grande mestre que lhe ensinou japonês e cultura oriental aos pés do Monte Fuji. Na casa dos 30 anos, retornou à Judeia, onde o resto da história como conhecemos se desenrolou (quer dizer, tirando a parte da crucificação, é claro).

Amanohashidate: aqui  Jesus teria sido discípulo de um grande mestre de cultura oriental
Amanohashidate: aqui Jesus teria sido discípulo de um grande mestre de cultura oriental Imagem: Getty Images/iStockphoto
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Esses anos perdidos de Jesus, entre os 12 e os 29, são um prato cheio para textos esotéricos, teorias conspiratórias e cultos alternativos. Como o Novo Testamento não fala dessa fase da vida de Jesus, as lacunas são preenchidas de acordo com a intenção e a imaginação dos autores. Ele pode ter ido à Índia ou passado um tempo com os essênios, um antigo grupo judaico, no deserto. Mas o mais provável, segundo os arqueólogos e historiadores especializados no tema, é que Jesus permaneceu na Galileia, trabalhando como carpinteiro.

Em Shingo, um vilarejo com cerca de 2 mil habitantes autointitulado "cidade-natal de Cristo" (mesmo que não exista nenhuma igreja em um raio de 10 quilômetros), o que vale é que Jesus morreu de velho ali, após uma tranquila vida cultivando alhos. Deixou três filhas, sendo que a mais velha se casou com um homem de uma família local chamada Sawaguchi, cujos membros se autoproclamavam os últimos descendentes de Jesus.

Um santuário e um museu, cuja loja vende tudo que é lembrança (tal qual grandes templos católicos mundo afora), atraem alguns milhares de visitantes todos os anos. O museu mostra como, ao longo dos séculos, Shingo foi um lugar diferente do resto do Japão, pelo menos de acordo com seus curadores. Seus habitantes usariam trajes como túnicas e véus, muito mais conectados à realidade de Jerusalém do que à de Kyoto. O dialeto local tem palavras que seriam derivadas do hebraico.

A origem da teoria

Placa indica o caminho da tumba de Jesus Cristo
Placa indica o caminho da tumba de Jesus Cristo Imagem: Wikimedia Commons

Cerca de 1,5% da população japonesa é cristã. Outros 67% são budistas e 70%, xintoístas. A soma passa de 100%, porque a maioria segue ambas as religiões, não existe conflito nisso. O xintoísmo é a crença original do Japão, baseada nas manifestações da natureza e sem um poder central ou uma sede.

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Logo que o budismo chegou ao arquipélago, o sincretismo começou, lá por volta do século 4º da Era Comum. Já o cristianismo desembarcou no século 16 e diferentemente do budismo, não obteve sucesso no país.

Em 1614, a religião foi banida, e os cristãos japoneses precisaram se adaptar à nova vida na clandestinidade. Aqueles que eram presos podiam acabar crucificados, queimados, decapitados ou torturados até a morte. Ainda assim, o cristianismo sobreviveu, de um jeito ou de outro, pelos séculos seguintes, em comunidades isoladas. Shingo seria uma delas.

Existe outra explicação. O xintoísmo estatal — que, segundo alguns especialistas, criou o xintoísmo como religião institucionalizada -, usado pelo Império Japonês durante a Era Meiji (1868-1912) como ferramenta patriótica de divulgação das maravilhas do imperador, teria gerado o Jesus japonês.

Como religião de adoração à natureza, o xintoísmo serviu bem o propósito de unificar o país nos anos de fervor imperialista, na virada para o século 20. Aliada à facilidade de assimilar ritos e credos estrangeiros, trazer Jesus para o norte do Japão não foi muito difícil. É o mesmo contexto que levou Moisés a receber os Dez Mandamentos, morrer e ser enterrado no Japão, como lembrou uma reportagem da revista "Smithsonian".

O culto em Shingo começou com um pergaminho que teria sido descoberto em 1936. O documento traz o testamento de Jesus e outras informações a respeito de sua morte na vila. Infelizmente, ou convenientemente, o pergaminho foi destruído na Segunda Guerra.

O prefeito de Shingo abraçou a causa, de olho no turismo, o que de certa forma funcionou. Em 2004, o então embaixador israelense no Japão, Eli Cohen, visitou o local e o presenteou com uma placa que homenageava, em hebraico, a ligação entre Shingo e Jerusalém.

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Hoje, mesmo que pouca gente dê bola para a teoria, Shingo pode ser um adicional curioso no roteiro de quem viaja pelo norte do Japão. A região de Hachinohe é conhecida no país pelas paisagens naturais e pela vida noturna.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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