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Reportagem

Com esqueletos de mil anos, caverna preserva o verdadeiro apocalipse maia

17º07’N, 88º52’O
Caverna Actun Tunichil Muknal
Reserva Natural Tapir Mountain, Cayo, Belize

ATM é uma sigla curiosa. Na medicina, corresponde à articulação temporomandibular, o encaixe da mandíbula com os outros ossos do crânio. É a única articulação do corpo humano interligada - ao mexer a articulação direita, a esquerda também se move.

Na física, atm (assim mesmo, em caixa baixa) é a unidade para medir a pressão atmosférica: 1 atm é a pressão atmosférica no nível do mar. No mundo anglófono, em especial nos Estados Unidos, ATM é a sigla para "máquina bancária automática". É o nosso caixa eletrônico, muitas vezes chamado também de "ATM machine" - o que é uma redundância, já que o "M" é justamente "machine".

Em Belize, ATM é algo bem diferente: Actun Tunichil Muknal, ou "caverna da sepultura de pedra". Um dos destinos mais impressionantes do país, ela oferece, como poucos lugares na Terra, uma mistura em doses semelhantes de turismo de aventura, natureza e arqueologia.

Que lugar é esse

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Imagem: Reprodução

Belize é um pequeno país que ocupa uma faixa estreita da Península de Yucatán, entre a Guatemala e o México. Diferentemente dos vizinhos, foi colonizado pelos ingleses (até 1973, aliás, o país se chamava Honduras Britânicas).

Antes dos europeus, isso era indiferente. Era tudo território habitado pelos diversos povos maias.

Na costa do país, fica uma das maiores barreiras de coral do planeta. No interior, selvas e montanhas em clima tropical chuvoso.

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A ATM fica num desses locais remotos, dentro da reserva natural Tapir Mountain. Ela foi descoberta no fim da década de 1980, poucos anos após a independência de Belize. As visitas do público ocorrem desde 1998.

As cavernas de Belize são um dos principais atrativos nacionais, mas a ATM tem algumas características que a tornam especial. Trata-se de um país pequeno, pouco menor que Alagoas, então há acesso a partir das principais cidades. Mas ele não é fácil. A partir de San Ignacio, no oeste, é uma hora de carro e depois uma hora de trilha atravessando floresta e rios rasos para chegar à boca da caverna.

Em seguida, nadar um pouco e subir pela margem do rio que corre por dentro da ATM por 1,5 quilômetro, passar por grandes galerias para, enfim, chegar à primeira sepultura que dá nome à caverna. São esqueletos de humanos cujas idades variam de 1 a 45 anos.

Essas pessoas foram sacrificadas em algum ritual maia há mais de mil anos. Alguns dos mais jovens têm sinais de deformação craniana artificial, prática que era feita por alguns povos para alongar ou dar outro formato ao crânio (aos nossos olhos contemporâneos, muitas vezes eles parecem aliens).

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Imagem: Commons

Quase todos foram mortos com pancadas na cabeça. É difícil precisar quando isso ocorreu, porque as ossadas ficaram calcificadas, grudadas ao chão. Mas as cerâmicas encontradas, algumas com marcas de rituais específicos de morte, são de 700-900 d.C, então os cientistas concluíram que as pessoas eram dessa época.

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Um pouco mais adiante na caverna, chegamos à Donzela de Cristal. O esqueleto de um jovem de 17 anos totalmente calcificado, o que lhe dá um brilho característico, é o ponto alto da ATM (o nome "donzela" se deve ao fato de anteriormente os cientistas acreditarem que se tratava de uma menina, por causa do tamanho dos ossos).

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Imagem: Reprodução

Com duas vértebras quebradas, o rapaz teve uma morte bastante violenta. O corpo foi jogado ali e ali permaneceu por mais de 1,1 mil anos. Quase tudo ficou inalterado por um milênio, e mesmo nesses 30 e poucos anos desde a descoberta, pouco mudou. A caverna jamais foi saqueada, o que é algo raro na história.

Sacrifícios

As circunstâncias ainda são um mistério, mas a hipótese mais aceita diz que essas pessoas morreram em sacrifícios para Chaac, a divindade ligada a chuvas e trovões, ou para algum deus de Xibalbá, o mundo inferior da mitologia maia. A ATM seria um portão para Xibalbá, uma fissura na terra de onde brotam rios de sangue e escorpiões.

Em 2021, um novo estudo trouxe uma outra perspectiva para os sacrifícios. Seriam parte de uma reencenação da origem do Universo segundo os maias. As pessoas faziam esses espetáculos teatrais para tentar de alguma maneira "reiniciar" o mundo. Uma seca os castigava naqueles anos, por volta de 820 d.C. Em 850, a área não era mais habitada.

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De certa forma, a ATM é uma caverna que mostra o fim do mundo maia. Não aquela papagaiada que dominou as redes sociais em 2012, mas o colapso de uma das mais importantes civilizações humanas.

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Imagem: Reprodução

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Imagem: Reprodução

Tamanho clima fantasmagórico colocou a caverna na rota dos programas da TV paga que adoram a temática. Os investigadores paranormais do "Ghost Hunters International" já se embrenharam na selva belizense para decifrar os estranhos sons da ATM (como um usuário do YouTube resumiu em um comentário, "entre água corrente e pingando e animais que vivem ali, seria estranho não escutar nada estranho na caverna").

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Os maiores perigos estão do lado de cá do plano existencial. Em 2012, um visitante derrubou a câmera e quebrou um osso que estava intacto havia mais de mil anos. Um outro pisou, sem querer, em um crânio. Isso, apesar do perigo, é um elemento fascinante da ATM: não há muitas faixas de segurança, vidros blindados e afins. Está tudo ali, quase in natura.

Justamente por isso, e para preservar o cenário, o uso de sapatos nos salões dos esqueletos é proibido. Levar câmera requer um cadastro prévio e um termo de segurança.

Quem não está tão interessado nos maias pode passar o tempo com a fauna local e seus peixes, morcegos e caranguejos, que dão vida às águas cristalinas desse lugar que ficou famoso por mostrar, sem rodeios, uma das formas de matar e morrer mais intrigantes das civilizações antigas.

A ATM é tida como uma das cavernas mais impressionantes do planeta. Chegar lá não é fácil, e o aumento dos eventos extremos está deixando ainda mais difícil. No fim do ano passado, uma tromba d’água deixou quase 200 turistas ilhados na trilha. Eles foram salvos pelos guias. Em outra enchente, um condutor foi morto.

Os eventos climáticos extremos, cada vez mais comuns, provavelmente acabaram com a civilização maia. Que Chaac nos proteja.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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