Menor ponte levadiça do mundo tem menos de 1 metro: não passa quase nada
32º16'N, 64º52'O
Ponte Somerset
Sandys, Bermudas (território britânico ultramarino)
Dependendo do tamanho das suas pernas, em um passo você já a atravessou. Com apenas 56 centímetros, ela é tida como a menor ponte levadiça do mundo -- pelo menos até que o "Guinness" ou alguma outra instituição conteste a afirmação.
O espaço basta para a passagem do mastro de um veleiro pequeno. Parece um capricho pitoresco, mas essa ponte já teve sua importância, e hoje é um dos marcos mais queridos das Bermudas, território britânico localizado a leste do estado americano da Carolina do Sul.
A parte de fato levadiça integra uma ponte um pouco maior — mas não muito — que conecta a Ilha Somerset à ilha principal do arquipélago. Uma simples melhoria que significou uma economia de três horas de viagem para os residentes.
As Bermudas são formadas por cerca de 180 ilhas. As sete principais são conectadas por pontes, algo que podemos dizer que são uma tradição da engenharia local. Há 400 anos já se projetavam pontes no arquipélago.
Que lugar é esse
O navegador espanhol Juan de Bermúdez descobriu essas ilhas desabitadas no início do século 16. Os espanhóis não deixaram nada além do nome pelo qual elas seriam conhecidas. Queriam distância dos furacões e dos recifes traiçoeiros em suas águas.
(Caso esteja se perguntando: sim, a bermuda que você está vestindo agora ao ler este texto tem esse nome porque a peça de roupa foi popularizada por militares britânicos que a adotaram ao servir em ilhas tropicais como as Bermudas.)
Em 1609, o navio de um experiente explorador inglês, George Somers, foi vítima desse mar perigoso. Os sobreviventes passaram nove meses ali, e pouco depois uma companhia para explorar as ilhas foi criada. O empreendimento durou até 1684, quando o território passou a ser colônia da Coroa britânica.
Essa empresa, a Somers Isles Company, criou o primeiro parlamento das Américas, em 1620. Naquele mesmo ano, a assembleia decidiu construir três pontes para facilitar o trânsito. A Somerset estava entre elas.
Os habitantes das Ilhas Somers, como elas eram chamadas, dependiam da navegação para as atividades diárias, mas os ventos podiam ser cruéis. Tanto que colonos daquela época desenvolveram um novo tipo de vela, a bermudense.
Por que não fizeram a ponte inteira levadiça, mas só um pedacinho? Porque, para tanto, seria preciso um mecanismo mais sofisticado e, como aquele trecho de mar é estreito, não passa nada além de um barco a vela, eles não precisavam de algo maior. Então, quando alguém precisava cruzar a ponte, era só levantar a tábua solta no meio dela e depois colocar de volta.
Assim foi até meados do século 20, quando a navegação deixou de ser o meio de se locomover mais importante das Bermudas. Os carros chegaram, o que significou que a rua que passa pela ponte ficou mais importante do que a rota marítima sob ela.
A ponte acabou aposentada, mas jamais esquecida. Virou uma curiosa e popular atração turística local. Em 2009, figurou nas notas de dólar bermudense. Em 2015, foi designada monumento histórico.
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Quero receberFim da escravidão é festa
No ano passado, a ponte foi enfeitada com o vermelho e azul do Somerset e o azul-escuro e azul-claro do St. George, os times rivais que todo ano disputam o Cup Match, tradicional jogo que faz parte das celebrações do fim da escravidão nas Bermudas, em 1834.
O evento evoluiu para se tornar uma das festas nacionais mais divertidas do mundo. Após a abolição, famílias se reuniam para ver os times de críquete jogar, e em 1901 a copa foi criada, para formalizar uma disputa na data, com disputa de taça e tudo que tem direito.
Outro evento que integra a festa é a Bacchanal Run, um colorido carnaval de rua com ritmos caribenhos, como soca. É gente pintada, trio elétrico e isopor cheio de bebida, qualquer folião brasileiro se sente em casa.
Tamanha festa se deve a uma pessoa em especial. Mary Prince nasceu escravizada e foi levada pelo mundo, vendida de um proprietário para outro. Na Inglaterra, conseguiu fugir e convenceu abolicionistas a escreverem sua história.
O resultado foi um livro de sucesso, que saiu em 1831 e logo ganhou três edições. Era o primeiro relato em primeira pessoa em inglês de uma mulher escravizada, segundo a historiadora bermudense Kristin White contou ao site "Ebony". Prince foi também a primeira mulher, de qualquer etnia ou nacionalidade, a apresentar uma petição ao parlamento britânico. O livro foi publicado em português. "A História de Mary Prince — Uma Escrava das Índias Ocidentais" saiu aqui pela Editora Livrus.
Somerset teve importância no começo da colonização das Bermudas. Mas foi a ponte metafórica construída por Prince que livrou o arquipélago do maior horror da história da humanidade.
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