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Neste improvável rodeio, quem agarra touro pelo chifre vira dono do animal

12º22'N, 123º37'L
Grande Arena de Rodeios de Masbate
Masbate, Bicol, Filipinas

O evento se chama "juego de toro". Nele, as pessoas correm atrás (e muitas vezes fogem) de touros soltos nas ruas. Quem conseguir agarrar um com as próprias mãos, vira dono do animal.

Parece Pamplona, mas as pessoas não estão falando em espanhol, mas em masbatenho, o idioma dessa província que ocupa algumas ilhas localizadas no meio das Filipinas.

Se onde há touros, há vaqueiros, Masbate é a prova viva. Mas como isso foi acontecer?

Que lugar é esse?

Os moradores entram no clima de rodeio, uma tradição na cidade
Os moradores entram no clima de rodeio, uma tradição na cidade Imagem: Reprodução Instagram @sherwincaalam19

A história das Filipinas é curiosa. O país, um arquipélago formado por 7,6 mil ilhas no Sudeste Asiático, foi colônia espanhola entre 1565 e 1898. (Numerólogos de plantão atentarão para o fato de que Madri reinou sobre essas ilhas por 333 anos, número já descrito na internet como "meio besta".)

Em três séculos, os espanhóis não conseguiram impor seu idioma — nas Filipinas de hoje, além do filipino e do inglês, falam-se quase mil idiomas e dialetos. Mas eles impuseram o próprio nome do país, uma homenagem nada sutil ao rei Filipe 2º, e a religião: quase 90% da população é católica.

Entre os séculos 16 e 19, quando esse distante arquipélago estava ligado aos nossos vizinhos de América Latina por meio do Império Espanhol, a cultura vaqueira abriu a porteira do curral filipino. Segundo o "Manila Times", mais tradicional jornal em língua inglesa do país, os colonizadores introduziram gado nas Filipinas por meio da rota Acapulco-Manila.

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Ao longo de 250 anos, o Galeão de Manila levava, em viagens constantes, especiarias do Ceilão (hoje Sri Lanka), das Molucas e de Java (Indonésia), seda, marfim, porcelana, laca e madrepérola da China e do Japão, tapeçarias e roupas de algodão da Índia e do Sudeste Asiático. Na volta, trazia prata, tabaco, milho, cacau, cana-de-açúcar, tomates e pimentas, além de bois e cavalos, explica a Fundación Museo Naval, da Espanha.

A Cidade de Masbate era um porto colonial especializado no transporte de gado. Assim, a ilha se tornou o epicentro pecuário do país. As florestas foram dizimadas para a boiada passar. Enquanto nas outras ilhas as pessoas usavam cavalos para transportar produtos coloniais, em Masbate os cavalos serviam no pastoreio do gado.

Uma colonização depois da outra

Em 1896, a luta anticolonial esquentou. Os filipinos ganharam apoio dos Estados Unidos, então um emergente nesses assuntos de guerras distantes e colonização. Os EUA derrotaram os decadentes espanhóis, se empolgaram e não largaram o osso: viraram os novos colonizadores das Filipinas, e só saíram de lá em 1946 (mesmo assim, mantiveram bases militares).

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Ao longo do século, a pecuária filipina perdeu relevância, então em 1993 Masbate começou a sediar um rodeio anual para estimular o turismo local e resgatar essa cultura vaqueira meio dormente. A festa tem toda a herança hispano-mexicana, mas com os moldes americanos de entretenimento de massa.

O que não é muito diferente dos rodeios brasileiros. Historicamente, esse esporte surgiu da influência do México, em fins de período colonial, sobre o sul dos EUA, onde apareceram as grandes competições. Nos anos 1950, Barretos começou a realizar rodeios de influência americana com o mesmo objetivo que Masbate, promover a economia e a cultura em torno da pecuária. Da cidade paulista o formato se espalhou pelo interior do Brasil, que virou potência no assunto.

Nos últimos 30 anos, salvo o hiato pandêmico, peões e peoas de todos os cantos das Filipinas demonstram suas habilidades em Masbate. O público veste calças jeans, camisas de flanela e chapéus de caubói. A fumaça das grelhas provoca filas, as pessoas fazem danças coreografadas.

Podia ser Texas ou Jaguariúna, mas é Masbate, que, assim como no Brasil, preserva um ou outro aspecto da cultura local. Um historiador filipino explicou ao "New York Times" que virtudes conhecidas desse povo, como a paciência, ganham evidência na arena.

A influência é tão grande que existem até filmes de faroeste no cinema filipino. "Alamat ni Leon Guerrero" (1982), por exemplo, traz a história desse "Cavaleiro Solitário filipino", segundo a descrição do IMDb. "Lito Lapid interpreta o lendário pistoleiro combatente do crime que defende os oprimidos e pune os opressores e os tiranos." Mais velho oeste, impossível.

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Masbate e além

A província também é conhecida pelas belas praias. Bicol, a região da qual ela faz parte, tem um vistoso vulcão ativo, em estilo cone perfeito, chamado Mayon. É um ponto turístico requisitado, que forma, com os resorts especializados em esportes aquáticos e atividades de mergulho, um roteiro interessante de ecoturismo nesse país ainda pouco explorado, que, a se julgar pelas festas de peão, tem semelhanças curiosas com o Brasil.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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