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Reportagem

Lenda prevê que Igreja terá só mais seis papas antes do fim do mundo

41º51'N, 12º28'L
Basílica de São Paulo Extramuros
Ostiense, Roma, Itália

Ela fica um tanto longe das principais atrações de Roma (do Coliseu, por exemplo, são cerca de 5 quilômetros). Mas está na lista de todos que vão à capital italiana com um foco mais religioso. Afinal, é uma das quatro basílicas papais da cidade, o nível mais alto na hierarquia dos templos católicos.

O próprio nome da São Paulo Extramuros (ou San Paolo fuori le Mura, se preferir) indica que ela fica além dos limites históricos de Roma. Até o século 8º d.C., ela se conectava à cidade por um pórtico que levava à entrada sul, a Porta de São Paulo.

Tantas referências ao santo têm razão de ser. A basílica foi erguida onde o apóstolo Paulo foi enterrado após ter sido decapitado ali perto (segundo a tradição cristã, na década de 60 do tempo comum).

A primeira versão da basílica foi erguida no século 4º, a mando de Constantino, aquele famoso por ter sido o primeiro imperador romano convertido ao cristianismo. Ela foi reconstruída e ampliada por imperadores seguintes. No século 9º, era o maior e mais belo templo cristão.

Basílica de São Paulo Extramuros, nos arredores de Roma
Basílica de São Paulo Extramuros, nos arredores de Roma Imagem: Wikimedia Commons

Isso se deveu ao pontificado de Leão 1º (440-461), que concluiu diversas melhorias no templo, como mosaicos e uma série de nichos, que deram início a uma tradição que dura até hoje: a basílica preserva retratos de todos os papas desde então.

Uma lenda urbana diz que essa homenagem é maldita, pois funciona como uma ampulheta para o dia do juízo final. Quando o último papa retratado morrer, é o fim. Mas não dá para cravar quanto tempo nos restaria.

Que lenda é essa?

Os medalhões com as imagens dos papas, na Basílica de São Paulo Extramuros
Os medalhões com as imagens dos papas, na Basílica de São Paulo Extramuros Imagem: Wikimedia Commons
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O papa Leão 1º foi canonizado como São Leão Magno. Trabalhou pela unidade da religião em um tempo em que havia muitas discussões a respeito, especialmente quanto à natureza humana de Jesus. Como bispo de Roma, atuou para impedir que Átila, o rei dos hunos, destruísse a cidade, em 452. Por essas, ele ficou conhecido como Leão, o Grande.

Em seu pontificado, surgiu essa tradição de homenagear os papas em retratos na Basílica de São Paulo. Antigamente, não havia periodicidade nem padronização. As coisas eram mais largadas, digamos assim: de tempos em tempos, novos afrescos eram adicionados com as imagens dos pontífices mais recentes, e também para substituir os antigos que se deterioraram, a fim de completar a lista e deixá-la atualizada.

Em 1823, um incêndio destruiu o edifício quase completamente. Pouca coisa restou, como alguns mosaicos e as portas de bronze, feitas em Constantinopla no século 11.

Ilustração da basílica destruída por um incêndio
Ilustração da basílica destruída por um incêndio Imagem: Getty Images

A basílica foi reconstruída ao longo de muitas décadas (ainda havia acabamentos por concluir no começo do século 20). Mas desde 1840 ela já estava reaberta aos fiéis.

O papa Pio 9º, que liderou a Igreja de 1846 a 1878, reiniciou o costume dos retratos, agora de maneira mais sistemática. Dessa vez, eles passariam a ser feitos em mosaicos e seguiriam um padrão, dispostos em nichos do mesmo tamanho que percorrem uma fileira ao longo do perímetro do templo.

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O trabalho ficou a cabo do pintor Filippo Agricola. Ele tinha um desafio e tanto: como era o rosto de pontífices mais antigos? Quando não havia fontes fidedignas da aparência de determinado papa que vivera em algum momento dos 1.800 anos anteriores, ele tinha que se virar. Dava-lhe um rosto baseado na arte do achismo.

Agricola concluiu o serviço em 1875. Novos papas desde então foram ocupando os nichos que sobravam.

Os espaços finitos para os retratos dos papas deram origem à lenda
Os espaços finitos para os retratos dos papas deram origem à lenda Imagem: Wikimedia Commons

Eis a origem da suposta maldição. Os espaços são finitos.

É curioso porque é algo rotineiro no trabalho de designers e editores, ou também de decoradores ou até de vitrinistas de lojas. Como os papas estão enfileirados em uma linha que percorre as paredes da basílica, o espaço disponível para os retratos vai acabar.

Poderiam inaugurar uma nova fileira de nichos assim que a anterior estivesse completa? Poderiam, claro. Mas e o senso estético? E a aflição visual que isso causaria?

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Não, melhor deixar pra lá. Quando o papa que ocupar o último nicho morrer, é o fim. Acabou-se o mundo. Finito.

Não dá para dizer que Agricola não pensou no futuro, porque já se vão quase 150 anos desde que ele concluiu a obra — e ainda há nichos vazios. Ao lado do retrato do papa Francisco, restam seis espaços. Ou seja, a humanidade tem seis pontificados ainda pela frente, além do tempo que sobra ao atual pontífice.

No detalhe iluminado, o Papa Francisco. À esquerda, o primeiro dos seis espaços livres para os próximos papas
No detalhe iluminado, o Papa Francisco. À esquerda, o primeiro dos seis espaços livres para os próximos papas Imagem: Wikimedia Commons

Depois, é o apocalipse. Tanto para os seguidores do Vaticano quanto para os 83% (!) da população mundial que não é católica — não deixa de ser curioso ver como teorias da conspiração podem tratar o mundo todo como se fosse uma extensão do Ocidente cristão.

Mas sigamos com a confabulação, sem quebrar o clima nem problematizar. Dá para cravar quanto tempo "ainda temos"?

Quanto dura um papa?

Basílica de São Paulo Extramuros: os primeiros papas retratados foram quase na 'adivinhação' das fisionomias
Basílica de São Paulo Extramuros: os primeiros papas retratados foram quase na 'adivinhação' das fisionomias Imagem: Wikimedia Commons
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Em 2013, quando Bento 16 renunciou e a Igreja conheceu seu primeiro papa da América Latina, eu tive uma ideia para um infográfico na revista onde trabalhava. Levantar os dados relacionados ao início e término de reinado de cada um dos mais de 260 pontífices da história a fim de tentar responder quanto dura um papa.

Na apuração, levantamos alguns padrões que marcaram a história da Igreja. Nos últimos séculos, por exemplo, os papas foram eleitos cada vez mais velhos e seus pontificados duraram mais tempo do que no princípio do cristianismo.

Houve muitos papas breves: 27 nem completaram um ano chefiando a Igreja. Isso é muito mais do que o número de pontífices com reinados longos, que passaram dos 20 anos - somente 11 ultrapassaram as duas décadas.

Na média, um papado dura sete anos e quatro meses. Mas, se analisarmos apenas os últimos 200 e poucos anos, desde Pio 7º, eleito em 1800, até Francisco, a média dobra para 14 anos. Se pegarmos um recorte menor, desde o fim da Segunda Guerra, a média é de 11 anos.

Ou seja, se a "profecia" estiver correta, a humanidade teria de sobra algo entre 44 e 84 anos a partir do fim do pontificado de Francisco. Dado que nos últimos tempos os papas têm durado mais, as chances talvez tendam mais para o tempo mais longo. Teríamos ainda outros seis papados longos.

Vale notar também que os dois papas ligados diretamente à história da basílica estão entre os mais longevos. São Leão 1º liderou a Igreja por 21 anos e um mês. Pio 9º, por 31 anos e sete meses.

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Só São Pedro, o primeiro papa, durou mais tempo que Pio 9º. Segundo a tradição, ele chefiou os primeiros cristãos por algo em torno de 37 anos.

(Caso você tenha se perguntado, São João Paulo 2º é o número 3 do ranking. Foram 26 anos de pontificado.)

Interior da Basílica de São Paulo Extramuros
Interior da Basílica de São Paulo Extramuros Imagem: Wikimedia Commons

A Basílica de São Paulo Extramuros já foi saqueada por piratas, atingida por raio e terremoto, destruída em incêndio. Sua importância histórica não está na teoria apocalíptica, sobre a qual lancei alguns dados para tentar deixá-la ainda mais divertida (se pudermos usar esse termo quando o assunto é o Fim de Tudo que Existe).

Na verdade, além dos muitos séculos de história que ela preserva, há mais informações surpreendentes na basílica. Em 2006, arqueólogos do Vaticano confirmaram a existência de um sarcófago de mármore branco debaixo do altar.

Três anos depois, datações de carbono indicaram que os ossos da tumba datam de algum momento entre o século 1º e o 2º. Isso seria um indício de que São Paulo realmente foi sepultado ali.

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