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Vá antes que lote: descubra um dos últimos rios selvagens da Europa

40º04'N, 20º08'L
Castelo de Gjirokastër
Gjirokastër, Albânia

Desde tempos imemoriais, a vida da Albânia corre pelo Rio Vjosa. Na Antiguidade, ele era a rota que ligava as montanhas do Epiro, na Grécia, ao Mar Adriático. Por milênios, assentamentos humanos surgiram em suas margens, dando origem a algumas cidades da antiga região da Ilíria.

Vista aérea do rio Vjosa com o monte Nemercka, outro marco da Albânia, ao fundo
Vista aérea do rio Vjosa com o monte Nemercka, outro marco da Albânia, ao fundo Imagem: Getty Images

Correndo por desfiladeiros íngremes cercados de florestas, o rio tem águas azul-turquesa, atravessadas por velhas pontes de pedra. Quando não há bosques, há vinhedos, fazendinhas familiares, plantações de oliveiras, pomares, ovelhas pastando em vales, campos de dentes-de-leão.

O Vjosa é considerado um dos últimos rios silvestres, não domesticados, da Europa. Nada de barragens, margens retificadas, poucas alterações nas paisagens no entorno.

Em 2023, o governo albanês o transformou em um parque nacional. É o primeiro do tipo no continente.

Que lugar é esse?

Antigas pontes de pedra cruzam o rio Vjosa, descoberto pelo lazer e ecoturismo
Antigas pontes de pedra cruzam o rio Vjosa, descoberto pelo lazer e ecoturismo Imagem: Getty Images

O Vjosa nasce no noroeste da Grécia, onde se chama Aoös. Desce 80 quilômetros até chegar à fronteira, e então são mais 192 quilômetros cruzando todo o sudoeste da Albânia rumo à foz, no Adriático.

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Mesmo pequena, a bacia engloba biomas diversos e bem preservados, lar de cerca de 1.100 espécies de animais, incluindo 13 ameaçadas de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). O rio tem, há séculos, vital importância para vilas e cidades em seu entorno. É essencial para a pesca e a agricultura.

De uns anos para cá, o Vjosa também se mostrou importante para o ecoturismo. Em caiaques ou canoas, cada vez mais pessoas estão desbravando o rio.

Ponte suspensa à la Indiana Jones sobre o rio Vjosa
Ponte suspensa à la Indiana Jones sobre o rio Vjosa Imagem: Getty Images

Também por isso surgiu o parque, que deve entrar em operação total este ano. Parceria que envolveu o governo da Albânia, a IUCN e a grife americana de esportes de aventura Patagonia, a nova unidade de proteção é fruto de anos de campanhas e protestos contra projetos de barragens e de mineração. Até Leonardo DiCaprio abraçou a causa.

Foi uma vitória e tanto. O turismo como um todo no país é uma grande aposta que vem dando resultado. Segundo a Organização Mundial do Turismo, a Albânia foi o país europeu com o maior crescimento (53%) no número de turistas estrangeiros em relação a 2019, último ano antes da pandemia.

O Vale do Vjosa é, também, um desbunde de sabores. Trutas, mel da montanha, queijos, cordeiros e vitelas, ervas e frutas, vinho e rakia, o destilado onipresente dos Bálcãs, deixam qualquer roteiro mais gostoso.

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Uma das vistas mais famosas do rio Vjosa, em Permet
Uma das vistas mais famosas do rio Vjosa, em Permet Imagem: Getty Images

O que traz riscos. O "New York Times" lembra que essa combinação de potencial ainda não descoberto com a bem-afamada hospitalidade dos albaneses cria condições férteis para o turismo excessivo, que já aterroriza vizinhos como Grécia e Croácia.

Mas não vamos nos apressar. Para ficar entulhado de turistas, o país primeiro precisa de uma indústria e uma infraestrutura parrudas no setor, o que ainda não é uma realidade.

Cidade de pedra

Pôr do sol sobre torre do relógio e fortaleza no castelo de Gjirokaster, na Albânia
Pôr do sol sobre torre do relógio e fortaleza no castelo de Gjirokaster, na Albânia Imagem: Getty Images/iStockphoto

Localizada em um vale próximo ao rio Drino, um afluente do Vjosa que também está na área de proteção do parque, Gjirokastër é um dos principais destinos de qualquer pessoa que visita a Albânia quando o foco da viagem não for apenas a Riviera Albanesa. A cidade é patrimônio cultural da humanidade, reconhecida pela Unesco pela sua arquitetura típica dos tempos otomanos.

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O estilo das construções lhe rendeu o apelido "cidade de pedra". É um desses casos raros em que o cinza pode ser realmente bonito. As ruas íngremes, de paralelepípedos, levam e trazem ao antigo bazar e ao castelo, em um cenário em que o verde é raro, pelo menos no centro histórico.

As belas ruas de paralelepípedo da cidade velha de Gjirokaster
As belas ruas de paralelepípedo da cidade velha de Gjirokaster Imagem: Getty Images

O castelo começou a ser construído na Idade Média e, como é comum em grandes obras do tipo, sofreu uma série de intervenções desde então. A primeira fase da obra foi trabalho do Despotado do Epiro, um dos Estados remanescentes do Império Bizantino na Grécia do século 13.

Quando os turcos-otomanos conquistaram a região, no século 15, fizeram uma série de melhoramentos. No século 19, o castelo ganhou um aqueduto. Nos anos 1930, virou prisão.

Hoje é um museu dedicado, entre outros temas, à independência da Albânia (1912). Em alguns salões do castelo, há armas e veículos abandonados da Segunda Guerra Mundial, como tanques e um caça abatido.

É um lembrete de algo frequente na história dos Bálcãs. O choque entre forças beligerantes externas e as tensões muitas vezes sobrepostas regionais sempre fizeram da península um caldeirão de violência.

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Um exemplo distante no tempo: em 198 a.C., os romanos derrotaram os macedônios em uma batalha no Vjosa. Outro mais recente:em 1939, Gjirokastër (e todo o resto da Albânia) foi conquistada pelos fascistas italianos.

O parque, agora, quer mostrar que esse rio, e o interior do país, têm também outras histórias para contar.



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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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