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Reportagem

A cidade romana que ajudou a criar o estoicismo, a filosofia do momento

47º33'N, 19º02'L
Ruínas de Aquincum
Óbuda, Budapeste, Hungria

Pode até parecer lorota, mas não é. Budapeste, a estonteante capital húngara, é uma cidade relativamente jovem. Grande parte de sua arquitetura, a começar pelo famoso prédio do Parlamento, é fruto do nacionalismo que tomou o país, lá pelos fins do século 19.

A capital foi fundada em 1873, com a junção de três cidades, essas sim bem antigas: as mais conhecidas Buda e Peste (uma em cada margem do Danúbio), e uma terceira, chamada Óbuda.

Buda já era a capital da Hungria desde que o país era uma potência da Europa Central, no século 13. Seguiu como centro do então reino quando os húngaros caíram sob o domínio de turcos e, depois, austríacos.

Já Óbuda é ainda mais antiga. A cidade foi fundada mais de mil anos antes como um acampamento militar romano.

Quando recebeu o imperador em pessoa, ela serviu como uma improvável base para o desenvolvimento da corrente filosófica que está ganhando as livrarias atualmente. Estou falando do estoicismo.

O imperador filósofo

Estoicismo é um ramo da filosofia clássica que surgiu na Grécia Antiga, no século 4º a.C. Basicamente, os estoicos defendiam que todas as pessoas e o Universo são regidos pelas mesmas leis da natureza.

Bem resumidamente, essas leis determinam que devemos aceitar nosso destino: agir sobre aquilo em que podemos exercer algum poder e aceitar o que não controlamos, como doenças e a morte. Por isso chamar alguém de "estoico" hoje pode ser o mesmo que chamar de "impassível".

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Mas esses gregos, discípulos de Zenão de Cítio (Cítio era o nome antigo de Chipre), tido como o fundador do estoicismo, não se viam assim. Era mais sobre aprender a lidar com o que não controlamos do que ser "insensível".

Se você passou por alguma livraria de shopping, de aeroporto ou de rodoviária nos últimos meses, deve ter visto pelo menos um livro sobre estoicismo em destaque. A corrente é a nova aposta para títulos de auto-ajuda, que tentam transportar seus ensinamentos para os dilemas modernos do dia a dia.

Todos esses livros são baseados nos textos deixados por pessoas que viveram séculos depois de Zenão. É que os originais do mestre grego se perderam, mas o estoicismo ganhou nova vida com três pensadores romanos, Epiteto, Sêneca e Marco Aurélio.

A obra de Epiteto e Sêneca inspirou os títulos contemporâneos que vemos nas livrarias. Já Marco Aurélio pode ser lido mais "diretamente": suas "Meditações" ganharam nova edição recentemente.

O imperador escreveu esse conjunto de livros provavelmente com o intuito de criar um guia pessoal de aprimoramento, não para o público geral. Muito menos para as pessoas de dois milênios no futuro.

Na época, Roma estava em guerra contra os germânicos, e Marco Aurélio, presente em combate e consequentemente envolto em pensamentos sobre a morte e a brevidade de tudo, registrou o que se passava em sua cabeça. Acredita-se que parte das "Meditações" ele tenha escrito em Sirmium e outra parte, em Aquincum. Bases romanas nas modernas Eslováquia e Áustria também serviram ao imperador escritor.

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Sirmium era uma cidade cujas ruínas hoje estão localizadas em Sremska Mitrovica, na Sérvia. Já Aquincum é a raiz romana de Óbuda e, consequentemente, de Budapeste.

Ou seja, o estoicismo é uma corrente filosófica greco-romana. Mas uma de suas obras mais importantes foi concebida bem longe de Roma, nas franjas do império, às margens dos domínios dos povos chamados de "bárbaros", na Europa Central e do Leste.

Que lugar é esse?

Ruínas de Aquincum, em Budapeste
Ruínas de Aquincum, em Budapeste Imagem: Getty Images/iStockphoto

Os romanos fundaram Aquincum no primeiro século da nossa era. O acampamento se desenvolveria para se tornar uma cidade, décadas depois.

Com a expansão romana em direção ao leste, o imperador Trajano dividiu a província da Panônia em duas partes, em 106 d.C. Assim, Aquincum se tornou capital da Panônia Inferior. Nesse período, a cidade ganhou um novo aqueduto e floresceu urbanisticamente.

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Adriano, seu sucessor, ordenou a construção de uma muralha em torno de Aquincum, o que indicava o crescimento do status da cidade perante o império. Ela tinha banho público, anfiteatro e palácios.

Quando Marco Aurélio assumiu, ela precisou resgatar suas origens militares.

Na década de 170 d.C., os romanos estavam na tal guerra: contra marcomanos e quadros, dois povos germânicos, que ainda tinham como aliados os sármatas, de origem asiática. Aliás, a cena inicial de "Gladiador" se passa nesse conflito.

Os romanos venceram. Mas Marco Aurélio acabou morrendo, de causas desconhecidas, durante a campanha, em 180 d.C.

Alguns historiadores afirmam que o episódio encerrou os cerca de 200 anos da era de ouro do império, a Pax Romana.

Aquincum acompanharia Roma em sua longa queda. Os romanos foram embora no século 5º, com a chegada dos hunos. Quando o líder dos hunos, o famosérrimo Átila, o "Flagelo de Deus", morreu, em 453, foi a vez dos hunos baterem em retirada.

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Em seguida vieram godos, lombardos e, por fim, os magiares, etnia da Ásia Central que daria origem aos húngaros. A dinastia do príncipe Árpád comandou a Hungria desde a chegada, vindos dos Monte Urais, no século 9º, até o século 13.

A essa altura, Aquincum era só ruínas. A era de ouro húngara se deu no tempo de Matias Corvino, no século 15. Buda e Peste cresceram, mas então chegaram os turcos e os austríacos. E depois nazistas e soviéticos, destruindo uma capital já unificada e ampliada.

Hoje, o turismo em Budapeste se concentra mais em seus edifícios do século 19 e nas cicatrizes deixadas pela Segunda Guerra e o totalitarismo na Hungria. Mas é possível conhecer essas raízes profundas dos romanos.

Em Óbuda, da para ver restos das muralhas, das termas e do anfiteatro, além de mosaicos e estátuas de uma vila romana. Um museu com objetos e artefatos da época fornece a dose de contexto necessária para vislumbrar a vida como ela era nesse rincão do Império Romano.

Algumas dessas ruínas estão próximas a cruzamentos movimentados, vizinhas de pátios de blocos de apartamentos da era comunista. Um choque. O que o estoicismo diria dessa passagem inclemente do tempo?

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