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Do Brasil à Austrália: cidades 'afogadas' que recomeçaram em outro lugar

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Gundagai
Cootamundra-Gundagai, Nova Gales do Sul, Austrália

O desastre em curso no Rio Grande do Sul é a maior tragédia ambiental vivida pelo estado, a maior calamidade desde os dez anos de guerra da Revolução Farroupilha, há quase dois séculos. Mas é também uma história que se repete cada vez mais. Só no ano passado, as chuvas - e a falta de políticas públicas eficazes - mataram e destruíram em junho, em setembro e em novembro.

A diferença, dessa vez, é a escala. Quase 90% dos municípios gaúchos afetados, mais de 100 mil casas destruídas ou atingidas, mais de 400 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. Fora o número de mortos, que passou de cem e infelizmente vai subir mais.

Por isso, está ganhando força algo que especialistas já vêm falando há uns anos. Nem sempre adianta reconstruir as cidades seguindo as melhores práticas de prevenção de enchentes e inundações.

Talvez isso não seja mais o suficiente para evitar novas tragédias. Às vezes, o jeito é se mudar de vez. De mala, cuia e cidade inteira nas mãos.

Pode ser o caso de municípios do Vale do Taquari, como Lajeado, Roca Sales e Muçum. Muita gente já deixou essas cidades ano passado, após sofrer e sofrer de novo com os alagamentos.

Toda a lógica de erguer cidades no fundo de vales onde chove muito, próximas a rios ou lagos, precisa ser repensada. Planos de reconstruções não podem mais ser baseados em construções nas áreas baixas, úmidas e planas, defendeu Marcelo Dutra da Silva, professor de ecologia na Universidade do Rio Grande (Furg), em entrevista à BBC News Brasil.

Essas áreas, muitas vezes às margens de rios, lagos e córregos, valorizadas pelo mercado imobiliário, são mais vulneráveis em situações extremas do tipo. Nesses casos, a solução seria "desedificar" a cidade e mudar as estruturas em locais de risco para regiões mais seguras.

Cidades alagadas e cidades afogadas

O Brasil acumula histórias de cidades que precisaram se mudar. Mas o motivo foi outro, a construção de barragens. As represas formadas submergiram aglomerações urbanas, que não tiveram alternativa a não ser se transferir para locais mais altos.

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Aripuanã (MT), Igaratá (SP), Pilão Arcado, Casa Nova, Sento Sé, Remanso e Sobradinho (BA), São Simão (GO), Canindé do São Francisco (SE), Itá (SC), além de Nova Iorque (MA), Guadalupe (PI), Nova Petrolândia (PE) e Nova Jaguaribara (CE), são exemplos de lugares que passaram por isso. Elas são o que o arquiteto Ricardo Trevisan, professor da UnB, chama de "cidades afogadas".

É bem possível que o caos climático crie um novo tipo de cidade afogada no Brasil. Talvez o país comece a ter também histórias de municípios que se mudaram para fugir de inundações e alagamentos.

Os prefeitos de Muçum e Roca Sales anunciaram que pretendem reerguer as respectivas cidades, inteira ou em partes, em outras áreas. Do outro lado do país, também existem planos para isso. Brasileia, no Acre, após ver 75% da malha urbana engolida pelo Rio Acre, no começo do ano, está cogitando se mudar.

Em outros países, há casos antigos e bem-sucedidos. A vila de Valmeyer, em Illinois, foi devastada pela grande inundação dos rios Mississipi e Missouri, em 1993, uma das mais trágicas da história dos Estados Unidos. Em vez da reconstrução, ela optou por se mudar para um ponto 90 metros mais alto.

A Austrália também tem histórias do tipo. Até porque, desde o início da colonização europeia, no século 19, cidades nasceram e cresceram em planícies inundáveis - apesar dos alertas dados pelos governantes e por quem de fato conhecia o território, os povos aborígenes.

Escultura de Yarri e Jacky Jacky, na grande enchente de 1852 em Gundagai, na Austrália
Escultura de Yarri e Jacky Jacky, na grande enchente de 1852 em Gundagai, na Austrália Imagem: Robert Myers
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A vila de Gundagai, em Nova Gales do Sul, foi fundada em um terreno do tipo. Em 1852, choveu tanto que o rio engoliu ruas e casas, matando cerca de um terço da população local, que girava em torno de umas 250 almas. A tragédia só não foi maior graças a quatro heroicos aborígenes, que salvaram dezenas de pessoas de canoa.

No ano seguinte, ela se mudou para um ponto mais elevado. Hoje, é considerada uma típica cidade colonial australiana, de grande importância cultural. Ela já apareceu em uma porção de poemas, contos e músicas no país.

Gundagai, na Austrália
Gundagai, na Austrália Imagem: Fairfax Media via Getty Images/Fairfax Media via Getty Images via Getty Images

Gundagai seguiu os passos de outra vila, Bega, que abandonou seu local de fundação original, um ano antes. Isso também aconteceu após sucessivas inundações, a última delas com várias mortes - um número que seria ainda maior não fosse o trabalho de resgate promovido, de novo, pelos indígenas.

Gundagai e Bega escaparam para sempre das chuvas? É claro que não. Mas os estragos provocados foram menores, e sem perdas de vidas humanas.

Lugares um pouco maiores seguiram o périplo. Clermont, 1.500 habitantes, em 1916, e Grantham, 600 habitantes, num passado bem mais recente: 2011.

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Quando Lismore, em Nova Gales do Sul, foi duramente atingida por uma inundação, em 2022, essas antigas histórias foram citadas para levantar a possibilidade. Não seria o caso de Lismore seguir o exemplo?

O problema é que se trata de uma cidade de 28 mil habitantes. Mais ou menos o tamanho de Veranópolis, um dos municípios com mortes confirmadas na atual tragédia gaúcha.

Lismore, Austrália, na enchente de 2022
Lismore, Austrália, na enchente de 2022 Imagem: Dan Peled/Getty Images

Mudar uma cidade desse porte, em vez de vilas com poucas ruas, é muitíssimo mais complicado. Os gastos seriam astronômicos e faltaria vontade política e dedicação da comunidade para tanto, sugeriram especialistas ouvidos pelo site "Daily Mail Australia".

Até quando dá para escolher não se mudar?

Cidades nascem e crescem seguindo, em geral, fluxos históricos econômicos. Lismore foi fundada na década de 1840. As terras eram férteis e a navegação no rio a conectava a outros lugares, florescendo o comércio de produtos agrícolas e madeira.

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Mas então vieram rodovias e ferrovias, que quase extinguiram o transporte fluvial. O porto no Rio Wilsons cessou as atividades em meados do século 20. Segundo a reportagem, o rio "deixou de ser um ativo econômico para virar um passivo".

Ou seja, não há mais vantagem nítida, para uma cidade, em se desenvolver em torno de um rio. Pelo menos não nesses casos específicos. Isso ficou claro com as enchentes de 2022, que aconteceram apenas cinco anos depois de outra megainundação, do tipo "só acontece uma a cada 100 anos".

Em Roca Sales, as três fábricas que, juntas, empregavam um quinto da cidade, foram destruídas. Elas retornarão ao mesmo lugar? Caso decidam se mudar, como ficaria a economia local, já devastada?

Dois anos se passaram e Lismore ainda está sendo reconstruída. É o que acontecerá com centenas de cidades gaúchas. O assunto vai passar, mas o trauma da lama que engoliu tudo, as cicatrizes de rios que viraram mar, de casas que viraram ilhas, de cachorros que viraram náufragos, do cavalo que se equilibrou por dias em um restinho de telhado para virar símbolo improvável de um desastre brasileiro, vão seguir.

Na próxima tragédia, seja no Rio Grande do Sul ou em outro estado, questionamentos sobre reconstruir ou se mudar voltarão à tona. É algo realmente complexo, mas que ainda nos dá opção de escolha.

Em Lismore - e também em Lajeado e Muçum - muitos já foram embora por conta própria. Um especialista em planejamento urbano australiano resumiu assim a questão:

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Sabendo o que sabemos hoje em dia, se fôssemos começar do zero, ergueríamos uma cidade aqui? Provavelmente não.

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