Fã de pilates? Prática pode ter nascido em uma prisão da 1ª Guerra

Em maio do ano seguinte, o clima piorou. Os alemães afundaram o Lusitania, um navio de passageiros britânico, matando cerca de 1,2 mil pessoas. A situação ficou insuportável para alemães e austro-húngaros que viviam no Reino Unido.

À medida que a Primeira Guerra Mundial se tornava mais bruta, a xenofobia vinha à tona. Os sentimentos antigermânicos estavam tão aflorados que o Parlamento determinou que todos os homens entre 17 e 55 anos não-naturalizados fossem detidos ou enviados a seus países de origem.

Era muita gente para prender, então o governo precisou criar novos centros de detenção. Não dava mais para usar apenas fábricas abandonadas ou navios para isolar essas pessoas.

Uma fazenda que já vinha sendo usada para esse objetivo desde o ano anterior, localizada em uma ilha isolada no meio do Mar da Irlanda, era o local ideal para concentrar uma multidão de civis estrangeiros aprisionados. O Campo de Knockaloe foi, de longe, o maior centro de detenção britânico durante a Primeira Guerra.

Dentre os 24 mil homens que passaram por lá, um deles se tornaria conhecido. Ou, melhor dizendo, criaria a famosa prática esportiva que, no futuro, ganhou seu nome: Joseph Pilates.

Que lugar é esse?

Cerca de 4 mil soldados veteranos guardavam o campo, cercado por 1.128 quilômetros de arame farpado. Os prisioneiros, que ficavam distribuídos em 23 pavilhões, eram majoritariamente alemães, mas havia também os que vinham dos impérios Austro-Húngaro e Otomano (os países que, junto dos alemães, formavam a aliança que era inimiga dos ingleses, franceses e russos na Grande Guerra).

O campo foi desmantelado logo após o fim da guerra, em 1918, e hoje algumas ruínas contam a história do lugar, transformado em parque histórico. Como as terras foram devolvidas à antiga fazenda, a paisagem é daquele bucolismo rural que as Ilhas Britânicas entregam bem.

Knockaloe fica no oeste da Ilha de Man, território que, oficialmente, é uma dependência da Coroa britânica, mas não faz parte do Reino Unido. Tem seu próprio governo e leis, e seu chefe de Estado é o rei Charles 3º, o "lorde de Mann".

Esse território um pouco maior que a Ilha de Santa Catarina tem uma das bandeiras mais legais do mundo. Conquistado pelos vikings no século 11 e anexado pela Escócia no 13, ele foi incorporado pela Coroa britânica em 1764. Hoje, tem apenas 84 mil habitantes.

A economia se baseia no turismo e na atividade financeira. Historicamente, a Ilha de Man, assim como outras dependências britânicas na Europa, é um paraíso fiscal, mas nos últimos tempos especialistas vêm debatendo se ela ainda merece ser considerada como tal (seria, no máximo, um paraíso fiscal em decadência).

Pilates, o homem

Joseph Pilates nasceu em Mönchengladbach em 1883, e só foi parar na Ilha de Man porque estava no país errado, na hora errada. Existem muitas lacunas sobre sua biografia: uma delas é por que ele foi viver no Reino Unido.

Mas, sendo um homem alemão, solteiro, com domínio rudimentar do inglês e levando uma vida itinerante de trabalhador de circo, ele era um suspeito óbvio. Encaixava-se confortavelmente no vasto perfil de pessoas sujeitas a aprisionamento.

Ele ficou detido temporariamente em três prisões, até ser transferido para Knockaloe em setembro de 1915. Em novembro, o número de civis feitos prisioneiros de guerra chegou a 32 mil em todo o Reino Unido.

Nesse ambiente de privação de liberdade, o alemão começou a desenvolver uma prática de condicionamento físico e alongamento com exercícios baseados no peso do próprio corpo.

Ao vermos o maior aparelho de pilates hoje, conhecido como cadillac, não é difícil de notar que esses exercícios nasceram em um beliche de prisão.

Pilates observava seus colegas detentos e como a monotonia deteriorava a saúde física e mental de todos. Percebia os gatos que conviviam com eles, sempre vívidos, ágeis e em boa forma, e os comparava com os homens, cada vez mais pálidos e fracos.

Os felinos e seus movimentos acabaram inspirando Pilates, que concluiu que os alongamentos constantes dos animais eram a chave para sua energia e vitalidade. Ele começou a inventar movimentos e a testá-los com os colegas de Knockaloe.

Nascia assim o método que ele batizou de "contrologia", baseado na consciência corporal para realizar exercícios de forma harmoniosa, guiados pelo ritmo da respiração.

Esses homens não eram criminosos condenados, mas civis vítimas das movimentações políticas impostas pela guerra. Logo, não deveriam estar presos. Mas, se ignorarmos por um instante esse fato, Knockaloe não era um lugar tão ruim assim.

Os internos tinham direito a atividades envolvendo música, teatro, esporte e outras interações sociais. Podiam lutar boxe ou ler um dos milhares de livros da biblioteca.

Um alívio para a chamada síndrome do arame farpado, uma condição descrita pelo médico suíço Adolf Vischer que acometeu aqueles que foram presos longe dos campos de batalha da Primeira Guerra - ou seja, civis como Pilates. Entre os sintomas, estavam tédio, confusão, pensamentos confusos e amnésia.

Pilates, o exercício

Pilates foi liberado em 1919, alguns meses após o fim da guerra. Voltou para a Alemanha, mas as condições sociais do país, derrotado no conflito, estavam péssimas nos anos 1920. Em 1926, ele desembarcou em Nova York, em busca do tal "sonho americano".

Na cidade, ele abriu, em 1927, seu primeiro estúdio, Joseph H. Pilates Universal Gymnasium. Lá, difundia um estilo de vida abertamente crítico à sociedade americana, cheia de estresse, tentações e má alimentação.

A academia continuava no mesmo endereço, na Oitava Avenida, quando ele morreu, 40 anos depois, em 1967. Em seu obituário, o "New York Times" o descreveu como o "body builder criador da contrologia". "Um leão de juba branca, com olhos azuis-aço e pele cor de mogno, o sr. Pilates, na casa dos 80 anos, se manteve ágil como um adolescente", dizia o obituário.

O método se desenvolveu nas décadas seguintes, com o tempo ganhou o nome de seu criador, espalhou-se pelo mundo e ganhou milhões de adeptos. Nos anos 1990, a disputa pelo uso do termo virou batalha na Justiça, mas em 2000 a questão foi resolvida: "pilates" não é uma marca que pertence a alguém, mas um método, tal qual ioga ou caratê.

O que ainda não está resolvido são as várias lacunas na biografia de Pilates. É fato que ele foi prisioneiro em Knockaloe e pelo menos uma foto o mostra em um ringue de boxe, uma evidência de seu envolvimento com os esportes.

Alison Jones, presidente do Fundo de Caridade de Knockaloe, organização criada para preservar a memória dos detentos da Ilha de Man na Grande Guerra, falou a respeito à "National Geographic". Ela explicou que a versão corrente é bem possível, mas faltam provas.

"Mais tarde, ele falou sobre trabalhar em um dos hospitais e de ter usado as molas das camas para desenvolver as primeiras formas do que se tornaria o equipamento clássico de pilates. Tudo isso é certamente plausível, mas ainda não temos evidências específicas."

Para John Howard Steel, ex-aluno de Pilates e autor de um livro sobre o mestre, é sintomático que o método tenha nascido em um campo de prisioneiros de guerra (sim, ele não tem a menor dúvida de que a prática surgiu na Ilha de Man). "Pilates estava lá, dia após dia, tentando entender como usar seu corpo com pouco espaço", explicou.

"Ele encontrou algo que nos ajudaria no mundo moderno, porque estamos todos confinados, sentados em escritórios, vivendo em espaços pequenos. Foi isso que ele descobriu: como viver na prisão da vida."

Hoje, o mercado global de estúdios de pilates e ioga é avaliado em US$ 176 bilhões. Em 2032, deverá saltar para US$ 431 bilhões.

Haja gente nessa "prisão".

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